Vim, vi, e venci. E daí?
Por Lilian Burgardt
Primeiros colocados no vestibular dizem que classificação não é tudo
Diz a lenda que, ainda na escola, Einstein não era das mentes mais brilhantes, por assim dizer. Bill Gates, por sua vez, era o perfeito nerd. Como explicar que, embora tenham tido trajetórias tão distintas no meio acadêmico, tais estudiosos sejam ícones quando o assunto é a sua brilhante carreira? Afinal, há regra para ser bem-sucedido? Quem já passou pela "prova de fogo" do vestibular nas primeiras colocações conta que não é bem assim. Na verdade, inicialmente, os desempenhos exemplares ajudam, mas, com o tempo, não são grandes diferenciais se não houver perseverança e a vontade constante de vencer desafios.
Segundo a psicóloga e orientadora vocacional do Liop (Laboratório de Informação e Orientação profissional) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Dulce Helena Penna Soares, o porquê dessa afirmação é simples, uma vez que, muito além do vestibular, o que vai contar para o aluno durante sua graduação e, também, na vida profissional, é seu constante empenho. "O aluno que entra com um bom desempenho tem um diferencial imediato. Mas, se ele não se dedicar durante a faculdade com o mesmo empenho do que na época do vestibular e mais, deixe de lado fatores determinantes para o atual mercado de trabalho como o bom relacionamento e a capacidade para trabalhar em equipe, certamente terá menos chances", revela.
A psicóloga acrescenta que o atual mercado de trabalho está desestruturado e precisa de pessoal capacitado não só para resolver problemas já identificados, mas que consigam percebê-los antes de sua incidência. Além disso, cresce a busca por profissionais flexíveis, característica que os jovens muito estudiosos e com dificuldades de relacionamento terão que superar para progredir. "É fácil ir bem em provas, quando você estuda sozinho e tem um cronograma a seguir. A realidade do mercado é outra e exige um outro nível de resposta destes estudantes. Daí, a necessidade de sua dedicação constante ao longo da graduação para evoluir e superar barreiras", afirma.
Ouvir isso de uma especialista pode até ser reconfortante, mas ainda deixa aquela dúvida no ar. Na prática, você quer saber o que aconteceu com aquele que foi o primeirão da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), não é mesmo? Pois bem. O primeiro colocado da Fuvest em 2000, Vinícius Cifú Lopes, 24 anos, hoje formado em Matemática e cursando doutorado nos Estados Unidos, conta que pouca coisa mudou em sua rotina por conta de seu desempenho no vestibular. "É claro que, no primeiríssimo momento, a classificação ajudou a conseguir o respeito e o interesse de alguns professores. Na seqüência, conquistei uma bolsa de iniciação científica, embora muito mais pela linha que possuía meu currículo. Mas foi depois, não deixando a peteca cair , ou seja, mantendo o ritmo durante a graduação e conquistando outras classificações, pude formar um currículo consistente que me trouxe ao doutorado nos EUA", explica.
O pesquisador do Instituto de Bioquímica da USP (Universidade de São Paulo), Douglas Vasconcelos Cancherini, 29 anos, também ficou entre os 10 primeiros colocados da Fuvest em 2000, ao prestar para sua segunda graduação, em Física. Ele também revela que a boa classificação no vestibular não rendeu muito mais do que o respeito pelos colegas e professores no começo da graduação. Ele, que já havia se formado em Medicina antes de ser um dos primeiros da Fuvest, diz que a única diferença que sentiu foi uma certa facilidade para vencer as burocracias ao longo da segunda graduação. Porém, mesmo assim, não acredita que tal "vantagem" tenha sido decorrente de sua colocação no vestibular, mas pela maturidade que a primeira graduação lhe conferiu. "Algumas burocracias da segunda graduação foram dribladas por conta de meu empenho em fazer o curso, mesmo já sendo formado em Medicina. Não creio que tenha tido facilidades por conta das notas do vestibular", diz.
Se você ainda não está convencido, que tal ouvir alguém que passou quatro vezes na Fuvest (sim, esse alguém existe) e que, de quebra, tenha conquistado o 1º lugar do curso de Análise de Sistemas da FATEC (Faculdades Técnológicas de São Paulo) deixando para trás uma concorrência de 60 candidatos por vaga? Quem conseguiu o feito foi o analista de sistemas Renato Amaral (foto à esquerda), 34 anos, que decidiu transformar sua história no livro "Vestibular sem medo: passei quatro vezes na Fuvest" para mostrar aos jovens que o processo seletivo não é nenhum bicho de sete-cabeças, e mais, que ingressar no Ensino Superior já é um grande mérito, não importa sua pontuação.
Após tanto entra e sai da universidade, ele revela que, muitas vezes, os jovens esquecem a importância de definir sua carreira e acabam sendo levados pelo temor em relação à prova. Daí, quando ingressam na tão sonha faculdade, acabam se decepcionando e desistindo do curso. "Muito além de passar, ou passar bem, o jovem tem que saber o que é a carreira que escolheu. Às vezes, aquela parece ser a alternativa correta, mas no fim das contas, ele percebe que podia ter feito uma outra escolha", afirma.
E Amaral diz isso com conhecimento de causa. Afinal, nas quatro vezes que passou na Fuvest optou por cursos bem distintos: Ciências Biológicas, Medicina, Direito e Administração, até descobrir que sua vocação era Análise de Sistemas. "Parei a Medicina por problemas de saúde, mas pretendo voltar. Meu sonho é me tornar um especialista, fazer mestrado em bioinformática aplicada às ciências médicas e biológicas e abrir uma empresa de biotecnologia", diz.