18/03/2005

USP implanta prova prática na residência médica e defende sua obrigatoriedade

A residência médica do Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo, é a mais antiga – fundada no fim da década de 40 – e a maior do país, com 897 residentes. No ano passado, se tornou também pioneira na implantação da prova prática para a seleção da residência. Segundo o diretor da Faculdade de Medicina da USP (FM-USP), Giovani Guido Cerri, o teste deu certo e o próximo passo será lutar junto ao governo pela obrigatoriedade desta prova.

“Achamos que a prova teórica não é suficiente para avaliar adequadamente a competência do formando – mesmo porque há cursos preparatórios voltados exclusivamente para conseguir a aprovação nestes testes”. Cerri afirma que a prova prática avalia melhor a formação do médico e a vivência no hospital universitário.

Em 2003, segundo o diretor, o HC implantou uma prova de habilidades, com um componente bastante prático, incluindo discussão de casos e avaliação da experiência do formando em atividades clínicas e assistenciais. Em 2004, a prova foi integralmente aplicada nos ambulatórios do HC e no Hospital do Coração. “Tivemos mais de 3.100 candidatos para as 390 vagas oferecidas em 2005. Depois de uma prova escrita eliminatória, mais de mil candidatos passaram pela prova prática”.

Depois da experiência, a FM-USP encaminhou à Comissão Nacional de Residência Médica uma proposta para que a prova prática se torne obrigatória, melhorando a qualidade dos residentes. “Outra sugestão seria que o Ministério ajustasse o número de vagas ao número de formandos, estimulando hospitais que têm instalações adequadas a oferecerem vagas”. Para Cerri, esta idéia, além de aprimorar a qualidade da residência, absorveria a parcela dos candidatos que não conseguem vagas.

Exame de Ordem não é solução para qualidade profissional

Enquanto defende a difusão da prova prática na residência, o diretor da FM-USP também luta contra a proposta do governo federal para a criação de um “exame de ordem” aplicado aos formandos em Medicina sob o pretexto de melhorar a qualidade dos novos médicos. Caso passe pelo Conselho Federal de Medicina, a medida condicionará o exercício da profissão à aprovação no exame, como acontece com os advogados. Para Cerri, a proposta trata o sintoma e não a causa do problema, que é a ma qualidade de grande número de escolas.

“O governo permitiu, nas últimas duas décadas, a abertura indiscriminada de escolas medicas, sem critérios e fiscalização, que formam profissionais com deficiência. O aluno, que confiou na competência do MEC ao aprovar a escola, descobre que vai ter que pagar a conta da omissão do governo”, afirma.

O diretor descarta a possibilidade de comparação com o tradicional exame de ordem dos advogados. “Medicina é muito diferente do Direito”, diz. Se muita gente tira o diploma de bacharel sem se propor estritamente a exercer advocacia, o mesmo não acontece no caso da Medicina. O longo curso de seis anos em tempo integral, o difícil acesso, o alto custo das escolas privadas fazem, na visão de Cerri, com que o formando não tenha alternativas senão trabalhar como médico. “O investimento é muito alto, irrecuperável. A trajetória do médico não permite que ele utilize diploma para qualquer outra coisa que não exercer a medicina”.

A proposta já existe há alguns anos, mas a pressão no governo é para que ela seja considerada de forma concreta em 2006, segundo Cerri. “A alternativa mais sensata seria fazer uma avaliação profunda nos cursos. Há critérios objetivos para isso, considerando infra-estrutura técnica, didática, hospital escola e avaliação dos alunos ao longo do curso. Os cursos mal avaliados deveria ser fechados”.

“Acordo com Cuba é casuísmo”

Ainda mais polêmica que o “exame de ordem”, outra decisão do governo federal afeta a formação de novos médicos e preocupa o diretor da FM-USP: o Ministério da Educação quer criar um sistema de revalidação automática de diplomas de brasileiros formados na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), sediada em Cuba. “É um curso que visa à formação de médicos comunitários. É incompatível com nosso modelo, que dá uma formação abrangente, formando médicos que possam prestar desde uma assistência primária até os que possam exercer especialidades”, diz o diretor.

Segundo Cerri, a Elam é uma escola voltada exclusivamente para médicos estrangeiros e forma 1200 alunos por ano num curso curto. “Os formados ali não podem exercer medicina em Cuba, o que é no mínimo suspeito. E aqui nenhum curso, por pior que seja, forma tantos alunos anualmente. Este número é incompatível com a mínima qualidade.

No Brasil, a lei estabelece que qualquer médico formado no exterior precisa passar por provas de reconhecimento do diploma. Para Cerri, a revalidação automática desencadearia uma série de medidas jurídicas que vão obrigar ao reconhecimento automático de médicos formados fora, inclusive em Universidades de último nível. “Só podemos concluir que o critério para esse privilégio à escola cubana seja puramente ideológico, descartando os aspectos da educação, saúde e ciência.

Como o Ministério brasileiro não tem controle sobre os cursos estrangeiros, Cerri acredita que o ideal seria manter a necessidade de reconhecimento para todos os países. “Antes de criar um mecanismo esdrúxulo e incoerente, o Ministério devia se preocupar com o ensino médico do país. Seria um serviço bem maior à saúde e educação. Esta atitude é um casuísmo que pode abrir precedentes para outros casuísmos. É preciso pensar numa política a longo prazo, declara.

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