04/01/2017

Uma maneira estranha de não descumprir a lei: primeiras impressões sobre a Portaria Normativa 23/2015

O Ministério da Educação divulgou no dia 21 de dezembro de 2016, na Portaria Normativa 23/2016 uma regra estranha, que, provavelmente, tenta adequar a atuação do órgão aos ditames da legislação educacional.

O que ocorreu foi uma modificação da Portaria Normativa 40/2007, principal norma processual do sistema de regulação do ensino superior. Dentre outros assuntos, a alteração feita tratou do parágrafo primeiro do Art. 33-B. Antes, a regra prevista no nesse dispositivo era:

§ 1º O CPC será calculado no ano seguinte ao da realização do ENADE de cada área, observado o art. 33-E, com base na avaliação de desempenho de estudantes, corpo docente, infra-estrutura, recursos didático-pedagógicos e demais insumos, conforme orientação técnica aprovada pela CONAES.

Com a nova norma, o trecho em destaque, que impunha prazo máximo para divulgação dos indicadores, foi suprimido. Ou seja, agora, em tese, o Ministério da Educação não precisa mais divulgar em 2016 os indicadores de qualidade decorrentes dos exames feitos em 2015.

Os indicadores de qualidade de cursos e instituições são, respectivamente, o Conceito Preliminar de Curso, CPC, e o Índice Geral de Cursos, IGC. Criados pelo MEC em 2008, ambos são parte de um sistema paralelo de avaliação de qualidade, que gera, àrevelia da Lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), doisrankingsanuais.

A regra nova é bastante conveniente, pois já estava claro que os indicadores, normalmente divulgados entre setembro e novembro, não seriam divulgados no prazo. O motivo talvez seja a mudança de gestão, feita de forma abrupta em virtude da conjuntura política, ou o excesso de tarefas.

Burocracia e mudanças de gestão à parte, o que chama a atenção de quem milita no direito educacional é o fato de que, para tornar lícito esse atraso, o Ministério da Educação simplesmente retirou a menção ao prazo da Portaria Normativa. Essa é uma maneira estranha de não descumprir a lei.

Além de estranho esse ato é muito problemático. Primeiro porque negligencia o princípio da segurança jurídica e, em segundo lugar, porque cria uma lacuna na legislação Educacional.

Quanto a segurança jurídica, imaginemos se cada ministério alterasse as normas que lhes impõem prazos quando não fossem cumpri-los. Pensemos, por exemplo, em uma mudança dos prazos de divulgação dos resultados dos editais do Ministério da Cultura às vésperas da data prevista ou em uma mudançarepentina do prazo de pagamento de um benefício da Previdência. Em ambos os casos haveria enorme insegurança sobre qualquer outro prazo previsto em norma desses órgãos.

Por outro lado, essa "mudança conveniente" causa grave inconveniente a médio prazo, pois deixa um vácuo quanto ao momento desta e das próximas divulgações de indicadores. Apenas para tratar do efeito prático disso, cabe lembrar que esses indicadores, mesmo sendo de duvidosa legalidade, servem de parâmetro para políticas internas das instituições de ensino e para políticas públicas.

Um bom exemplo dos efeitos em políticas públicas é o caso do FIES. Esse programa usa os últimos indicadores de qualidade disponíveis para distribuir as vagas entre as instituições de ensino. Para concorrer em 2017, especificamente, as instituições devem informar seu último resultado de avaliação, além de outros dados, até dia 6 de janeiro. Dessa forma, se o resultado do CPC for publicado após essa data, a instituição que obtiver uma avaliação mais positivapoderá discutir, judicialmente, o prejuízo que teve em virtude do atraso do MEC e poderá até tentar rever o resultado da distribuição de vagas do FIES.

Esse problema mostra que a preocupação com o formalismo levou o MEC a focar mais na solução para evitar o descumprimento de uma norma do que nos efeitos desse descumprimento. Talvez o mais adequado e razoável fosseexpor a falha e tentar corrigi-la, rapidamente. Até porque, não há punição prevista nas normas educacionais para esse o atraso, mas, como visto, há consequências que devem ser evitadas.

Em suma, a regra sobre o limite de prazo para divulgação dos resultados dos indicadores de qualidade era importante e deveria prevalecer intocada, mesmo diante da mudança de contexto. Afinal, esse limite garante segurança jurídica e permite um mínimo de previsibilidade enquanto prevalecer osistema de avaliaçãoatual, baseado emranking e desvinculado da Lei do SINAES.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×