08/08/2018

Um Tempo Onde a Ficção, o Cinema e o Imaginário se Encontram

Carmem Silvia Rodrigues Pereira

Valeska Fortes de Oliveira

 

RESUMO

A escrita desse artigo parte de algumas vivências e análises na UFSM – Universidade Federal de Santa Maria, através da participação na disciplina de aluno especial do Mestrado “Seminário Temático/Avançado LP1: Formação, Cinema e Imaginário III”, sob a coordenação da Profª Phd. Va­leska Fortes de Oliveira, tendo como objetivo compreender o Imaginário Social e o Cinema como dispositivos para propiciar a formação de professores, através de um espaço de criação, invenção e significação trazendo novas aprendizagens e significações através do tempo. O tempo e seus movimentos, suas cirandas, vida que se reveste de cores e estações, que nos convida a celebrar o específico de cada motivo. Tempo de preparo, de colheita, vida comum, sopro de um novo tempo. Sendo assim, selecionei o filme “O Tempo e o Vento” dirigido por Jayme Monjardim e lançado em 27 de setembro de 2013, que narra à história do primeiro livro da saga de Érico Veríssimo, o longa narra 150 anos de combate entre duas famílias do Sul do Brasil. Um filme baseado num grande clássico da literatura nacional. Um filme que não se propõe a contar uma nova história, mas apenas a recontar uma história muitas vezes contada, lida, relida, escrita e escrita novamente, em diversos formatos. Onde vem retratar a história de 150 anos da família Terra Cambará e da oponente família Amaral. A história de lutas entre as duas famílias começa nas Missões e vai até o final do século XIX. Um tempo de muitas contradições, guerras, lutas, derrotas e também vitórias, tempo de busca de novos horizontes e realizações.

Palavras-chave: Tempo. Formação. Imaginário. Cinema.

 

INTRODUÇÃO

Ao deparar-me com o ato de escrever penso no livro de Marques (2011) e nas suas ideias sobre esta questão. “Escrever é o começo dos começos, depois vem à aventura, e a seguir uma conversa entre interlocutores”. Escrevo neste momento com um objetivo e ideal, iniciar uma conversa que para mim terá apenas um significado, mas para os leitores terá diversos imaginários.

Adaptar para o cinema um livro do porte de “O Continente” não é tarefa fácil. O filme adapta apenas a primeira parte da trilogia de Érico Verissimo sobre a formação do Rio Grande do Sul. A começar pela enorme variedade de personagens, já que a história acompanha as várias gerações de uma mesma família ao longo de 150 anos. Para o livro esta riqueza de personagens traz um frescor constante, com a renovação de histórias e a sensação de continuidade na genealogia dos Terra-Cambará.

As obras de Erico Verissimo caracterizam-se por uma linguagem simples, sua criação literária é autêntica, sempre introduzindo novidades. Além disso, facilita o entendimento do leitor, porém sem deixar de ser original. Após 1930, a composição da obra de Erico pode-se dizer que fica entre a crônica de costumes e a notação intimista.

No romance histórico, o autor recria com arte e beleza aspectos da história do Rio Grande do Sul, resgatando dois séculos das raízes gaúchas. É desta fase a trilogia O tempo e o vento, composta de três romances: Continente, O retrato, e O arquipélago, este painel da sociedade gaúcha abrange o período de 1745 a 1945.

Erico fascina a todos com sua franqueza e clareza em suas histórias, sendo que logo atrai o leitor para a sua intimidade, para o convívio com os seres que lhe povoam a mente. O leitor inicia a leitura e logo já está vivendo aquela cena, imaginando tudo como está no livro. Seus livros são de fácil leitura, narra como se contasse sua própria história, não tendo nada a esconder. Seu estilo é claro, um escritor sem máscaras, conta suas histórias com tal convicção que muitas vezes até parece realidade (MOISÉS, 2001).

Portanto, tem-se a impressão de que ele não inventa as histórias e os personagens, mas sim conta e descreve-os ao vivo como fosse um repórter do cotidiano. Histórias estas que se passa a crer que sejam as da própria vida. Histórias de toda a gente e do próprio narrador/autor, estabelecendo uma comunidade que cedo se transforma em comunhão: o escritor e o leitor conhecem-se e entram a desfrutar do mesmo espaço que é o dia-a-dia transformado pela imaginação.

No mundo da ficção que uma obra apresenta, depara-se, muitas vezes, com personagens que mais parecem seres humanos reais. A personagem é um ser fictício criado pelo autor, ela é responsável pelo desenrolar da história. Sabe-se que a figura da personagem é invenção, mesmo que muitas vezes esta personagem seja baseada em pessoas reais.

Diante do exposto, vê-se que, Erico Verissimo constrói sua personagem Ana Terra de forma tão coerente que o leitor até pensa que está convivendo e vivenciando junto da família de Maneco Terra, que conhece a personagem.

Parecem realmente que os seres ficcionais têm como função representar o ser humano, tomando os seres reais como modelos. Ana Terra, dentro de seu mundo, parece dominar a sua realidade, podendo, inclusive, ser “copiada” pelo ser humano, uma vez que este, vivendo num mundo aparentemente perfeito (ou real), necessita de algo no qual possa se “apoiar” a fim de mostrar-se mais verdadeiro, mais completo na sua realidade. Realidade essa que, muitas vezes, apresenta-se frágil, tornando-se fantasiosa.

Através da personagem, Erico mostra ao leitor que a narrativa tem o poder de tornar real aquele fato que parece não existir. A forma com que o autor escreve leva o leitor para dentro da história, parecendo real, desperta no leitor vontade de ajudar Ana a defender-se dos perigos pelos quais passa na história. O narrador consegue despertar no leitor certa inquietação, levando o mesmo a acreditar que aquilo que está acontecendo é um fato verídico.

Érico Veríssimo como escritor tinha como propósito mostrar aos leitores a realidade de cada época em que a sociedade passava. Seus romances são uma forma de denúncia às desigualdades sociais e injustiças da época em que viveu, mas que ainda são atuais nos dias de hoje, o que Erico mostrava em seus romances, hoje ainda continua de maneira mais explícita e descarada.

 

1. Cinema como imaginário e ficção

 

O cinema representa o nascimento de uma arte, como a própria negação do que é a arte tradicional; se instala no mundo moderno como uma possibilidade de arte pela sua possibilidade de reprodução – e não pela autenticidade que uma obra de arte tradicional teria (NAPOLITANO, 2011).

O cinema pode ser encarado como um espaço/tempo de produção e reprodução de paisagens sonoras. Elas podem ser múltiplas e produzir diversas e diferentes sonoridades, dependendo do ambiente que é mostrado ao espectador.

Sendo assim, o cinema tanto se caracteriza como meio, linguagem e possibilidade expressiva, como suporte material da memória que viabiliza processos de aprendizagem, engendrando e ressignificando práticas sociais de geração em geração.

Desse modo, a arte a linguagem, o cinema, o mito, a literatura, as histórias expressam um universo simbólico, porque são formas simbólicas que se interligam entre o individuo e seu contexto social. Essa capacidade é assegurada pela imaginação, que nos coloca na condição de sonhar e movimentar nosso pensamento com aquilo que ainda não está feito.  Nesta visão, o imaginário pode ser definido como o conjunto das imagens que constitui todo arsenal pensado pelos indivíduos, onde repousa todas as criações existentes da humanidade.

Para Castoriadis imaginário é (1982, p. 154) "faculdade originária de pôr ou dar-se, sob a forma de representação, uma coisa e uma relação que não são (que não são dadas na percepção) ou nunca foram".  Diante desta colocação, podemos pensar no ato de criação e imaginação, não no sentido irreal ou metafórico, mas na capacidade inventiva e criativa que é inerente ao ser humano.

Sendo assim, Oliveira (2009, p. 1) corrobora sobre o imaginário social:

 

Quando falamos em imaginário logo vem a ideia do irreal, da fabulação, do sonho e da fantasia da criança e, não raras vezes, pensa-se em um tipo de abordagem “frouxa”. E não é nada disso, porque somente através dele é que reinventamos o que costumamos chamar de real.

 

Conforme a autora trata-se de processos criativos e de significações sociais, assim o imaginário nas palavras Castoriadis, é algo que introduz o novo, constitui o inédito, a gênese ontológica, a verdadeira temporalidade, a posição de novos sistemas de significados e de significantes. Neste contexto, Fresquet (2013, p. 25) corrobora:

 

A crença no cinema e na sua possibilidade de intensificar as invenções de mundos, ou seja, da possibilidade que o cinema tem de tornar comum o que não nos pertence, o que está distante, as formas de vida e as formas de ocupar os espaços e habitar o tempo. A segunda crença é na escola, como espaço em que o risco dessas invenções de tempo e espaço é possível e desejável. Isto não significa pensar no belo, no conforto ou na harmonia. Significa que é possível inventar espaços e tempos que possam perturbar uma ordem dada, do que está instituído, dos lugares de poder.

 

Para Fantin (2006) o cinema que é considerado como um meio que representa contar histórias através de imagens, movimentos e sons. Entretanto, a autora esclarece que considerar o cinema como um meio não quer dizer que seu potencial seja reduzido de objeto sócio-cultural a uma ferramenta didático-pedagógica destituída de significação social.

É necessário levar em conta uma situação psicológica muito peculiar a todo espectador de cinema. “O cinema é sempre ficção, ficção engendrada pela verdade da câmera (...) o espectador nunca vê cinema, vê sempre filme. O filme é um tempo presente, seu tempo é tempo da projeção” (ALMEIDA, 2001 apud NAPOLITANO, 2011, p. 14).

Nesse sentido, o cinema por ser um instrumento que difunde costumes e formas de vida de vários grupos sociais, o cinema difunde o patrimônio cultural da humanidade.  Sendo assim, para o autor os filmes compartilham significados sociais e ainda contribuem na transmissão da nossa cultura, vindo fazer um resgate desta cultura que é contada através dos livros, mas que através do cinema é colocada em ação e movimento.

O cinema é um produto cultural, que tem o privilégio de ser reconhecido com um estatuto estético que une arte e literatura ao mesmo tempo. Por ser representativo, o cinema mostra o visível da realidade cultural no instante que é produzido, sendo que isso o constitui como extraordinário documento para o estudo dos momentos relevantes da história recente (FANTIN, 2006).

Não é simples gostar de cinema, ou melhor, se aproximar dele em sua forma de arte, pois gostar de cinema é um processo contínuo de sensibilização, de diálogo, e se dá passo a passo, sem pressa, com respeito aos limites e resistências do outro. Para Bergala (2007, p. 20) “o gosto não se ensina, se oferece e se experimenta”. Conforme o autor, nada substitui a primeira emoção do encontro, sempre, que por certo, transformará seus conceitos em relações do real e do imaginário.

Neste contexto, Rosália Duarte (2002) menciona: “Aprendi a aprender com os filmes”, ao traduzir de forma mágica sua experiência com o cinema, confundindo-a com suas experiências de vida e práticas educativas. Para Fresquet (2013), o cinema solicita todos os sentidos e todas as emoções e é, por isso, considerada uma arte múltipla, plural.

No mundo da ficção que uma obra apresenta, depara-se, muitas vezes, com personagens que mais parecem seres humanos reais. Em muitas obras os autores trabalham de tal modo os personagens que não se consegue distinguir realidade de imaginação.

Os seres ficcionais não se limitam apenas a retratar o homem, eles também servem de modelos a serem imitados uma vez que a própria constituição humana apresenta uma dose de dependência, necessitando de modelos que lhes dêem certeza da existência. 

Mas o que é personagem? O que é este ser com quem o leitor se identifica? O Novo Dicionário Aurélio define da seguinte maneira:

 

Personagem (do fr. personage) s.f.em.1. Pessoa notável, eminente, importante; personalidade, pessoa. 2. Cada um dos papéis que figuram numa peça teatral e que devem ser encarnados por um ator ou uma atriz, figura dramática. 3. P. ext.Cada uma das pessoas que figuram em uma narração poema ou acontecimento. 4.P. ext. Ser humano representado em uma obra de artes: “A criança é um dos personagens mais bonitos do quadro”.  (FERREIRA, 1975, p.1316).

 

Entretanto, estes conceitos não esclarecem muito, pois há um jogo metalingüístico simplista, que aponta para uma confusão dos termos. O uso da expressão “pessoa” remete a uma confusão dos termos. O termo pessoa é repetido três vezes e mostra o equívoco existente entre pessoa – ser vivo e personagem – ser ficional.

Segundo Moises (2001) a personagem é o produto das palavras, nada mais do que figuras criadas a partir de um aparato lingüístico, pois, por mais bem delineados que sejam essas personagens, elas só existem lingüisticamente.

A personagem é um ser fictício criado pelo autor, ela é responsável pelo desenrolar da história. Sabe-se que a figura da personagem é invenção, mesmo que muitas vezes esta personagem seja baseada em pessoas reais.

 

2. “O Tempo e o Vento”: técnica e atuações impecáveis em uma narrativa

 

Idealizada como uma arte do tempo e do espaço, arte da narrativa e da descrição, arte do diálogo e musical, arte de dança e da postura escultural, arte do desenho e da cor, o cinema aspira nele as principais questões estéticas das artes tradicionais até a sua aparição; sua importância no mundo contemporâneo está na possibilidade de uma experiência. Segundo Bergala (2007) o cinema é formador, vai buscar nos recursos mágicos da câmera o encantamento para o espectador.

O cinema tanto se caracteriza como meio, linguagem e possibilidade expressiva, como suporte material da memória que viabiliza processos de aprendizagem, engendrando e ressignificando práticas sociais de geração em geração.

Sendo assim, selecionei o filme “O Tempo e o Vento” dirigido por Jayme Monjardim e lançado em 27 de setembro de 2013, que narra à história do primeiro livro da saga de Érico Veríssimo, o longa narra 150 anos de combate entre duas famílias do Sul do Brasil.

Um filme baseado num grande clássico da literatura nacional. Um filme que não se propõe a contar uma nova história, mas apenas a recontar uma história muitas vezes contada, lida, relida, escrita e escrita novamente, em diversos formatos.

Vem retratar a história de 150 anos da família Terra Cambará e da oponente família Amaral. A história de lutas entre as duas famílias começa nas Missões e vai até o final do século XIX. O longa metragem apresenta também o período de formação do estado do Rio Grande do Sul e a disputa de território entre as coroas portuguesa e espanhola.

Uma obra tão significante para a literatura brasileira conta com um elenco de grandes talentos. Na pele da matriarca Bibiana, Marjorie Estiano e Fernanda Montenegro. Capitão Rodrigo é interpretado por Thiago Lacerda. Cleo Pires e Suzana Pires dividem a personagem Ana Terra, uma mulher que sobreviveu a grandes perdas e conseguiu reconstruir sua vida em Santa Fé. Luiz Carlos Vasconcelos interpreta o pai de Ana, Maneco Terra. Ainda contamos com Paulo Goulart, Leonardo Medeiros e José de Abreu, que representam os Amaral.

A história se passa no Rio Grande do Sul, final do século XIX. Onde as família Amaral e Terra Cambará são inimigas históricas na cidade de Santa Fé. Quando o sobrado dos Terra Cambará é cercado pelos Amaral, todos os integrantes da família são obrigados a defender o local. Entre eles está Bibiana, matriarca da família que, junto com seu falecido esposo, Capitão Rodrigo, relembram a história não apenas de seu amor, mas de como nasceu a própria família Terra Cambará.

O filme começa com Bibiana (Fernanda Montenegro) idosa, numa noite de disputa entre sua família, os Terra-Cambará, e seus maiores inimigos, os Amaral. Enquanto espera passar essa "noite de vento, noite dos mortos", recebe a visita do espírito de seu marido, o Capitão Rodrigo (Thiago Lacerda), e conta-lhe toda a saga de sua família - como se ele não a conhecesse.

O real e o ficcional, a realidade e a fantasia são extremos de um caminho pelo qual cinema e educação transitam, e eventualmente, se encontram. Acredito que nem sempre existiu essa distinção. Sabe-se que a humanidade sempre contou histórias que misturavam realidade e fantasia para moralizar os costumes das novas gerações.

O autor nos faz pensar, também, que em todo filme de ficção há algo que é próprio dessa realidade: o corpo, os atores, suas vozes, os objetos.

Bibiana narra o filme, contando em perspectiva toda a história de sua avó Ana Terra e de como 150 anos eles chegaram à situação que estavam: um conflito entre os Amaral e os Terra Cambará. Naquela noite, o casarão dos Terra estava ameaçado de ser invadido pelos Amaral.

Ana Terra (Cléo Pires) vive numa estância com seus pais, onde ela conhece Pedro Missioneiro (Martin Rodriguez)

Depois de ter sua família morta e sua casa destruída Ana Terra parte em busca de uma nova vida, um chão para recomeçar do zero. Ela se instala na vila de Santa Fé, fundada pelo Coronel Ricardo Amaral. Com o passar dos anos, e de algumas gerações, a neta de Ana Terra, Bibiana se enamora de um forasteiro, o Certo Capitão Rodrigo. Bibiana e Rodrigo vivem uma verdadeira história de amor, que supera o Tempo e o Vento.

 

3. Símbolos que a obra e o filme trazem: Tempo/vento/cruz/punhal/tesoura, roca

 

Na perspectiva de Castoriadis (1982), podemos pensar sobre o tempo, no qual os significados das coisas e os sentidos podem ser percebidos a partir de diferentes noções de temporalidade. Assim, para o autor é necessário pensar a sociedade, as pessoas e suas relações partindo da dimensão imaginária, para captar o simbolismo e as significações que estas trazem.

No filme de Monjardim fica bem claro como se dá a passagem do tempo. Uma estratégia esteticamente linda: é escolhido um objeto de cena que tem relação com a personagem que atua na cena e após o close no objeto a câmera volta para a personagem, que está muitos anos mais velha, um tempo entre o real e o imaginário.

A história transcorre em uma estância do continente próxima a Rio Pardo, no Rio Grande do Sul por volta de 1777 no século XVIII, onde não existia calendário, nem relógio. Os dias da semana eram guardados na memória, as horas eram vistas pela posição do sol, os meses calculavam-se pelas fases da lua e as estações eram mais fáceis saber, cuidavam o aspecto das árvores, o ambiente e o cheiro do ar, o vento.

O vento exerce no romance a função de mensageiro, pois sempre que ele está muito forte ou agitado, Ana sabe que alguma coisa vai acontecer, pode ser mensagem boa ou ruim. Ana sente mais do que vê, sente mais do que ouve e consegue relacionar seus sentimentos com os efeitos da natureza, com os fatos importantes acontecidos em sua vida. Segundo Moises (2001, p. 39)

 

[...] o simbolismo do vento apresenta vários aspectos. Devido à agitação que o caracteriza, é um símbolo de vaidade, de instabilidade, de inconstância. É uma força elementar que pertence aos Titãs, o que indica suficientemente a sua violência e sua cegueira.

Por outro lado, o vento é sinônimo do sopro e, por conseguinte, do Espírito, do influxo espiritual de origem celeste. Esta é a razão por que os Salmos, assim como o Corão, fazem dos ventos mensageiros divinos, equivalentes aos anjos.

Tradições bíblicas, os ventos são o sopro de Deus. O sopro de Deus ordenou o caos primitivo; animou o primeiro homem. A brisa dos olmos anuncia a chegada de Deus. Os ventos também são instrumentos da força divina; dão vida, castigam, ensinam; são sinais e, como os anjos, portadores de mensagens.

 

Como pode-se ver o vento tem um extraordinário significado na vida de Ana, símbolo de vaidade, instabilidade e inconstância, nunca se sabe ao certo o que o vento está querendo dizer. Em um dos seus significados o vento é um sopro demiúrgico, força divina, portador de mensagens.

Assim, sendo o vento mensageiro divino, instrumento de presságios, acredita-se que nas reações da personagem o contato com a natureza, que o mesmo possui um magnetismo, levando a personagem a crer seriamente que sempre que está ventando, algo especial acontecerá. Ele anuncia todos os acontecimentos e todas as transformações.

O vento, para Ana Terra pode trazer tanto acontecimentos bons como ruins. Ana acredita no poder do vento porque sente os fatos de sua vida sempre relacionados a esse elemento, assim passa a acreditar que o vento é um mensageiro divino, ou seja, aquele que traz algo. Assim como traz, também leva, isso representa um ciclo de sua vida, porque o mesmo vento traz graças e também desgraças, ele faz parte da existência da personagem.

Nesta perspectiva, símbolo é todo signo concreto evocando, por uma relação natural, algo ausente ou impossível de ser percebido. É uma representação que faz aparecer um sentido secreto.

Para Bosi (2004, p, 56) “o símbolo coloca as imagens que possuem um espaço sensível, os significantes, na perspectiva de um sentido, de um significado cuja indizível singularidade, cuja ausência de localização necessitam precisamente o trânsito por um significante perceptível”.

Portanto, o símbolo é um sistema de conhecimento indireto onde o significado e o significante anulam mais ou menos o 'corte' circunstancial entre a opacidade de um objeto qualquer  e a transparência um pouco vã do seu significante. Ou seja, o conhecimento pelo símbolo dispensa a necessidade analítica de separar significado e significante (BOSI, 2004).

Assim, os símbolos representados na obra e no filme trazem um significado muito forte, onde lembranças surgem na memória dos autores. O compêndio não deixa escapulir os quatro símbolos cruciais da trama, bem explícitos em tela; a cruz simbolizando a defesa, o punhal o ataque, a tesoura o nascimento e a roca a passagem do tempo.

O lavar da velha tesoura, que fez nascer tantos bebês da família. Tal travessia, somada ao vento, vem e passa. Exato como no texto e filme: “Uma geração vai, e outra geração vem; porém a terra para sempre permanece”.

 

4. A pluralidade de faces da mulher

 

Erico Veríssimo ao criar a personagem Ana Terra no século XX, quer retratar a mulher que vivia no século XVIII, no Rio Grande do Sul. Nessa época as mulheres viviam apenas para a casa, eram criadas por seus pais para casarem-se e formar família.

Desta forma a mulher tem seu poder limitado nessa época, embora a mesma seja reconhecida como importante membro dessa sociedade, ela apenas vivia para sua família. Assim, o autor diz que, neste caso, ocorre o problema da inversão, que a mulher fica limitada a administrar nada mais do que sua casa (PERROT, 2005).

O filme destaca Ana Terra e Bibiana, constituem as matriarcas da família e suas qualidades fortes se mantêm ao longo das gerações. Bibiana duplica a avó não apenas por se assemelhar a ela, mas por portar seu nome.

Ana Terra é uma personagem criada numa época em que ela tem um perfil totalmente destoante, pois esta mulher pode até parecer frágil até um certo momento da história, mas depois revela-se forte porque de frágil ela não tem nada. Mostra-se uma mulher imbatível, que luta ferozmente no momento em que vê sua família sendo destruída. Naquele instante Ana tira forças que até então não demonstrara.

Age movida por instintos, sempre pensando na família e no seu filho. Ana não pensou nela, e sim em defender sua gente, pois se fosse uma fraca teria fugido e todos poderiam ter morrido, preferiu arriscar sua vida e passar por tantas humilhações para proteger a todos.

Neste contexto pode-se relatar que a mulher representada por Ana Terra, quando necessário, apresentava firmeza em suas decisões, demonstrando que não era só o homem que decidia tudo, a mulher era participativa e atuante. E caso fosse preciso, a mulher assumia o lugar do homem, seja na família ou nos negócios, mostrando sua coragem, bravura e poder de decisão, nunca desistindo, apesar das circunstâncias, assim como pensou em primeiro lugar na sua família e depois em si, apesar dos sofrimentos.

Mas, o que todas as mulheres apresentam é um sentimento que é só seu, sempre pensam em suas famílias, seu instinto maternal é muito forte, pelos filhos, são capazes de tomar qualquer atitude, enfrentar a todos, mesmo que se prejudique, pois para muitas mulheres em primeiro lugar está o bem-estar de seus filhos, para depois pensarem em seus desejos e projetos.

Portanto, fala-se de todas as mulheres, daquelas sonhadoras, idealistas, mães, amantes, batalhadoras, lutadoras, enfim, das mulheres que lutam a cada dia por uma vida melhor para sua família e por todos aqueles que as rodeiam. Mulheres estas que nunca desanimam com as dificuldades enfrentadas em uma sociedade tão desigual e cruel. Podem até fraquejar, mas não desistem, lutam até o fim.

 

REFERÊNCIAS

 

BERGALA, A. La hipothése del cine: Pequeño tratado sobre La transmissión del cine em La escuela y fuera de Ella. Barcelo: Cahiers Du Cinéma, 2007.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 42. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 3. ed. Trad. Por Guy Reynaud; revisão técnica de Luiz Roberto Salinas Fortes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

FANTIN, Mônica. Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil-Itália. Florianópolis: Cidade Futura, 2006.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

FRESQUET, Adriana. Cinema e educação: reflexões e experiências com profesores e estudantes de educação básica, dentro e “fora” da escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

MARQUES, Mario Osorio. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. 2. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira: modernismo. 6. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2011.

PERROT, Michele. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução de Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

RIVOLTELLA, P.C. (Orgs.) Cinema, pratiche formative, educazione. Milano, Vita e Pensiero, 2005.

http://mais.uol.com.br/view/2dsi57umbaav/o-tempo-e-o-vento-ver-online-filme-completo-hd-dublado-em-portugues-04028C983564E4B14326?types=A&

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