25/04/2016

UM OLHAR SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO

UM OLHAR SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO

Keli Cristina Lautert

Mestranda do PPG em Educação do UNILASALLE

klautert@hotmail.com

Bruno Passos Fialho

Mestrando do PPG em Educação do UNILASALLE

winforr@gmail.com

Elaine Conte

Professora do PPG em Educação do UNILASALLE e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação - NETE

elaine.conte@unilasalle.edu.br

Resumo

O propósito do ensaio é discutir sobre as repercussões das tecnologias na educação, que englobam uma infinidade de pressupostos e expressões, para além da incorporação de conhecimentos, pois permitem abarcar todas as formas de linguagem advindas de interpenetrações hermenêuticas inerentes ao processo de construção social. Embora se constate que as tecnologias não são o barco salvador da educação, elas provocam um novo olhar acerca do encontro entre diferentes áreas e conhecimentos que conectam a diversidade e a multiculturalidade da experiência, recuperando o sentido do desenvolvimento humano como rede de aprendizagem e articulando as consonâncias abertas e plurais no processo de ensinar do século XXI. A pesquisa aborda as transformações sociais e educacionais que as tecnologias podem trazer para pensar e atuar, tendo o outro como interlocutor, bem como apresenta os desdobrados provocados pelas tecnologias na sujeição instrumental e na relação social descentralizadora, justificando a força do debate em Axel Honneth (2003), que explora as formulações do reconhecimento afetivo, político e social intrínsecas ao aprender.

Introdução

Para debater sobre o uso da tecnologia na educação, cabe destacar que a questão da técnica remete ao próprio modo de ser humano, que não é neutro e implica uma tomada de posição de valor. Para tanto, como adverte Heidegger (2001), não deveríamos tentar dominá-la, mas compreendê-la e apreendê-la na construção do pensar, no sentido mais lato em que se torna uma forma de atribuir sentido à própria existência. As novas tecnologias de informação e comunicação estão modificando o mundo no qual vivemos de forma rápida, inovadora, versátil, híbrida e com possibilidades de performances flexíveis. A educação também participa desta transformação tecnológica, porém, no Brasil ela parece refém da mera reprodução de um sistema técnico de conhecimento, sabidamente neutro, instrumental, mercadológico e de obediência à força do trabalho, que avança na redução de nossas capacidades perceptivas e de agir para modificar o mundo. A incorporação das tecnologias na educação implicou a inserção de empresas e bens de consumo que não apenas favorecem infraestruturas técnicas, mas também conteúdos, valores instituídos em termos de sistemas, usos e funções, gerando uma crescente desvalorização e desumanização das relações, avessas à transformação da experiência educativa.

De acordo com Lévy (1993, p. 158), "[...] as novas tecnologias da inteligência individual e coletiva mudam profundamente os dados do problema da educação e da formação. O que é preciso aprender não pode mais ser planejado nem precisamente definido com antecedência". Nesse contexto, percebemos que o caminho de construção do conhecimento pedagógico passa necessariamente pela linguagem de acesso ao outro e ao mundo, “[...] capaz de abrir nossa Pre-sença à essência da técnica”, enquanto reflexão que habita e aprende na pluralidade de linguagens (HEIDEGGER, 2001, p. 11). Afinal, a neutralidade obscurece as dimensões sociais da tecnologia na base da qual uma crítica poderia desenvolver-se. Mas, de que forma podemos usar a técnica e construir conhecimentos na disposição integradora que pertence à linguagem mútua, sem restringi-la à causalidade (eficiência, domínio do trabalho e instrumentalismo ingênuo) do processo pedagógico? Podemos afirmar que a tecnologia na educação pode ser implementada reflexivamente, marcada por valores e sujeita à ampliação do horizonte da crítica?

Discutir a questão das tecnologias por meio da circularidade hermenêutica significa um esforço humano de repensar sobre o cenário de atuação dos professores, ampliando as possibilidades de diálogo com os processos de aprender, propondo uma abertura do sujeito por uma transformação revolucionária das práticas básicas, a saber, “dos limites de tudo que é técnico”, pelo encobrimento de sua dimensão instrumental e antropológica (ambas recíprocas e inseparáveis da atividade humana) pela visão alienante da uniformidade cultural (HEIDEGGER, 2001, p. 11). Se é equivocado identificar a tecnologia com a instrumentalidade, então precisamos rever os antigos cânones de ensino destinados à incorporação de conhecimentos pela coerção informativa, que foram perpetuados na ânsia de dominar o saber técnico, para recuperar suas potencialidades antropológicas no desvelar das ações humanas. Sendo assim, o presente trabalho busca apontar certos problemas e incompreensões à proposta de inserção das tecnologias na educação, questionando a dispensa de sentido da técnica e argumentando a necessidade de sua ressignificação como condição de possibilidade ao cultivo e crescimento de uma linguagem aprendente e de respeito às diferenças geracionais. Tentaremos mostrar também que os debates sobre as tecnologias na educação podem ser repensados por meio de uma interpretação honnethiana[1] do conceito de reconhecimento como uma construção social.

 

Novos desafios na educação

Mosé (2013) pergunta: o que é educar no século XXI? O que é importante aprender e como aprendemos frente ao mar de informações? Daí a nossa interlocução com questões relativas ao que pode impossibilitar a comunicação com os jovens acerca dos interesses, capacidades, criação e práticas da vida social. Será que a tecnologia é um meio em que a coordenação da ação instrumental substitui a compreensão comunicativa através de objetivos marcados pelo interesse não-social? O que significaria optar por resistir às tecnologias? Na tentativa de romper com perspectivas que realizam sínteses de dados (aprisionamentos), procuramos manter a efervescência que surge nas interações nas formas de agir e pensar colaborativo, como parte do processo de constituição das tecnologias no processo educativo, conforme preconiza o movimento dialógico hermenêutico (GADAMER, 2002).

Uma primeira hipótese de resposta a estas questões está no fato de que quando o estudante possui informação à disposição de um clique, o atrativo para estar em sala de aula parece ser o vínculo estabelecido com o professor no processo de compartilhamento de experiências, valores e conceitos, que essa relação de cultivo do pensar e reconhecimento agrega. Educar por meio da relação intersubjetiva implica conferir sentido e significado ao que é feito em sala de aula, sendo o desenvolvimento dessa atividade linguística algo contrário ao processo mecânico sob a imposição do outro.

Para Veen e Vrakking (2009), o principal problema relacionado a esta defasagem entre as tecnologias e as escolas está ligado à demora delas em modificar seus processos didáticos e metodológicos, em termos de pensar a reconstrução de conhecimentos. "O problema é que as escolas ainda tentam transferir o conhecimento como se fazia há 100 anos. Isso não seria um problema se toda a estrutura econômica de nossa sociedade ainda fosse a mesma, mas esse não é o caso"(VEEN & VRAKKING, 2009, p.13). Mas a sociedade de hoje, que se apresenta cada vez mais conectada, nos traz novos recursos que podem ser utilizados em sala de aula como uma potência que estimula a humanização e a busca do saber, a linguagem transformadora e a atitude de respeito aos outros, demonstrando assim, características genuínas de incentivar as novas gerações de estudantes no horizonte global da formação.

Para Prensky (2001), esta nova conjuntura traz uma nova cultura de jovens nascidos com a mediação e os valores sociais da tecnologia, os denominados "nativos digitais", e aqueles que de certa forma ignoram o advento das tecnologias, os assim chamados "imigrantes digitais". Não é possível dissociar as transformações que as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) trouxeram para a sociedade e principalmente para os movimentos educativos. Estas transformações pragmáticas atingem não somente a educação básica, pois esta nova geração já está chegando nas universidades, apresentando novos desafios a serem enfrentados por professores, instituições e a comunidade. Tal movimento tem nos mostrado uma mudança em relação à interação guiada pelos meios tecnológicos, no sentido de ser uma alternativa à coordenação do comportamento social através da compreensão comunicativa, através da obtenção de crenças compartilhadas no curso de intercâmbios mediados linguisticamente. Assmann (2000, p. 9) aponta que "as novas tecnologias ampliam o potencial cognitivo do ser humano (seu cérebro/mente) e possibilitam mixagens cognitivas complexas e cooperativas".

As tecnologias transformam-se em verdadeiras marcas de identidade dos jovens, assim como são instrumentos de luta e conflito social, de demarcação de fronteiras do pensamento e força da disposição social. Para tanto, identificamos que o problema de base das tecnologias na educação é que se tornou incapaz de pensar a própria lógica instrumental, que é resultado da interação e dos conflitos sociais, ignorando a capacidade de configurá-la conforme as correlações de forças políticas e sociais (HONNETH, 2003). As tecnologias também favorecem a comunicação e a identificação entre os jovens de uma maneira historicamente inédita criando novos padrões de sociabilidade (BRASIL, 2014). A socialização dos jovens de hoje, portanto, também passa pela comunicação e compartilhamento de experiências e pelo aprendizado de competências para lidar com a pluralidade midiática, pois não se fala da mesma maneira em um celular, em um chat, em um blog, em um e-mail, em um SMS (BRASIL, 2014). Assim, chamados de “geração internet” e de “nativos digitais”, os jovens foram desenvolvendo maior facilidade com a comunicação interpessoal mediada por dispositivos digitais.

Nesse contexto, a tarefa do professor parece ser a de pensar, criar formas novas e dinâmicas do uso das tecnologias, uma vez que elas apresentam-se como mais uma ferramenta de desenvolvimento do conhecimento, cabendo ao professor instigar o estudante para a autocriação e recusa da adaptação alienada e alienante. Mas a aplicação da tecnologia às funções do mundo da vida às vezes dá origem a patologias. Então questionamos: Será que as experiências de uso das tecnologias em sala de aula são criativas ou limitantes ao consumo das ferramentas eletrônicas? Como o professor pode trabalhar com as tecnologias na complexidade dessa rede de relação com o aluno, sem retirar a dimensão da crítica que poderia abrir um diálogo verdadeiramente livre?

O professor pode aprender com as TIC a transformar-se e edificar-se na pertença mútua da relação com os sujeitos da aprendizagem, sendo o agente da mudança de conhecimentos em sala de aula, acolhendo (e não negligenciando) as juventudes em sua subjetividade, reconhecendo-os em seu modo de aprender, compreendendo como se estabelece uma ponte intersubjetiva de forma integradora com o universo tecnológico.

                                     A imagem do que foi a circunavegação na madrugada dos tempos modernos, navegação sendo a causa e o efeito de uma nova ordem do mundo [...], certos sociólogos mostram bem em que a “circunavegação” própria à Internet está na iminência de criar novas maneiras de ser, de mudar, em profundidade, a estrutura do laço social. (MAFFESOLI, 2010, p.8).

Com isso, a tecnologia torna-se essencialmente social pelas propriedades reflexivas de conhecer e dialogar com a diversidade das gerações na prática pedagógica, diferenciando e superando as deficiências intergeracionais. Segundo Régnier (2011), as gerações se definem e se diferenciam a partir de um conjunto de valores, que emergem a partir de condições históricas específicas (eventos econômicos, demográficos, sociais, tecnológicos e outros) e emblemáticas de uma época. Esses eventos e valores tendem a fazer parte da vida e das necessidades humanas nas formas de ver e estar no mundo.

Soares (2014) traz que os jovens das gerações Y e Z cresceram na era digital (conectada, aberta ao diálogo, veloz e global) e, por isso, têm maneiras diferentes de pensar, comunicar e aprender. Daí que as tecnologias têm um importante potencial para transcender a particularidade das gerações atingindo a dimensão social (dos conflitos entre gerações), uma vez que precisam ser contextualizadas de maneira prática, a fim de serem usadas a partir do horizonte da dimensão de intersubjetividade social. Várias situações de conflito podem advir do ambiente de sala de aula, pois são gerações que precisam (des)aprender certezas, preconceitos e conviver com as diferenças, inclusive com valores diferentes. É importante ressaltar, porém, que essas diferenças intergeracionais são importantes para a construção de um ensino que questiona hábitos arraigados, e o professor ao elaborar seu plano de ensino, como uma forma de vida na relação com o conhecimento, deverá pôr em cena as necessidades e contextos dos alunos para que possa sempre reatualizar e reconstruir com novos gestos e linguagens o saber (aprender). Não há dúvidas de que a geração digital desafia o método de ensino tradicional e poderia ser melhor desenvolvida a partir da luta por reconhecimento.

Bauman (2011) refere que quando condensamos pessoas em “categorias”, sejam gêneros ou gerações, ignoramos momentaneamente a multiplicidade de características que as tornam pessoas únicas. Na tentativa de buscar uma historicidade das características geracionais distinta da homogeneização, o autor argumenta que a partir do término da segunda grande guerra, em meados dos anos 40, nasce uma geração chamada nos EUA de Baby Boomers, em referência ao “boom” de nascimentos, após o retorno ao lar dos soldados de guerra. No Brasil, os Baby Boomers (nascidos entre 1946 e 1964) eram jovens quando começou a ditadura e lutaram contra os militares. Esta geração busca além do retorno financeiro a construção de uma carreira sólida e a fidelização e realização pessoal na profissão. Os filhos dessa geração em plena censura da ditadura, no final dos anos 60, início dos 70, são os chamados geração X (que tem hoje entre 28 e 45 anos). Embora esta geração ainda resista à tecnologia, costuma conectar-se parcimoniosamente à inovação, o que se reflete no ambiente de trabalho uma postura esforçada e resiliente às crises econômicas.

A geração seguinte nasceu nos anos 90, em um país que já era uma democracia e numa economia aberta, onde no cenário político o Brasil foi melhorando e sendo respeitado após o plano real. E a internet abriu as portas do mundo para geração Y, que tem hoje entre 11 e 28 anos e parece ser um sujeito ávido por novidades, mais voltado para si mesmo (fala e sabe de tudo, mas compreende pouco em profundidade) e para o prazer que o trabalho proporciona. Rejeita um trabalho sisudo, longas reuniões, sem espaço para o ócio criativo. Tem por característica olhar sempre para “fora”, repensando sua formação a todo o momento, com visão impaciente e impulsiva para o mercado de trabalho, apesar de estar bem colocado na empresa em que atua ou nas universidades (BAUMAN, 2011).

Daí que tais conceitos estruturam e constituem hoje a participação nas redes sociais, onde a perspectiva do outro é somente uma oportunidade para se expressar (autoexposição), gerando assim a polarização das diferenças, o distanciamento, a animosidade, o risco da invisibilidade e a exclusão entre as pessoas pela incapacidade de agir. Mas se compreender é participar num sentido, numa tradição linguística, alargando nossos horizontes de conhecimentos e enriquecendo nossa realidade com novas compreensões, é possível que haja o reconhecimento do outro e das diferenças no encontro de objetivos mútuos viabilizados pelas tecnologias na partilha da linguagem?

A luta por reconhecimento na educação

A esses conflitos culturais, podemos somar ao que Honneth (2003) denomina de luta por reconhecimento. A ideia de reconhecimento parte de Hegel e pode se desdobrar em conflitos em torno do reconhecimento intersubjetivo, onde formas diferentes de sociabilidade surgem e ao mesmo tempo afirmam pela subjetividade autônoma e pelo reconhecimento social. Assim, a relação entre a pessoa, a práxis cultural e as instituições é constituída não como relação instrumental ou de dependência social, mas como relação reflexiva de reconhecimento recíproco, permitindo assim uma constante reconciliação e revisão em termos de reconhecimento intersubjetivo com o mundo. O filósofo desenvolve o conceito a partir de três esferas do reconhecimento diferentes mas articuladas, a saber: do reconhecimento afetivo (autoconfiança e autorrealização), do reconhecimento político (autorrespeito) e do reconhecimento social (autoestima e respeito solidário). Axel Honneth figura como um dos principais pensadores alemães da atualidade e se destaca apresentando uma teoria intersubjetiva da sociedade como solução aos impasses apontados pelos seus colegas anteriormente, buscando elementos para traçar novos rumos à teoria crítica (NOBRE, 2003). Apontou na Teoria Crítica um “déficit sociológico” das relações sociais, pois enquanto o trabalho inaugurado via uma concepção de sociedade colocada entre estruturas econômicas, sem levar em conta a ação social como mediadora necessária, Honneth sublinha o conflito social como objeto central e como base da interação defende a luta por reconhecimento (NOBRE, 2003).

De acordo com Viana (2005), desde Adorno há uma forte influência freudiana e sua concepção sobre o processo civilizatório, onde entende que a civilização produz e reforça o anticivilizatório. Adorno defende ainda que a formação do caráter do indivíduo ocorre durante a primeira infância, sendo que o processo civilizatório provoca uma pressão e um sentimento claustrofóbico, que é exacerbado num mundo administrado, o que provocaria uma busca pela superação e uma “fuga da civilização”, que pode se revelar também no intramuros escolar. (VIANA, 2005). Na verdade, “foi o medo freudiano de que as imagens infantis da força rondassem a imaginação popular da autoridade que influenciou os autores da escola de pensamento social conhecida como Escola de Frankfurt [...]” (SENNETT, 2001, p.39).

Conforme Sennett (2001), Freud enfatiza o processo pelo qual as pessoas percebem a força nos outros, independente do conteúdo percebido. Na obra o mal-estar na cultura, Freud apresenta imagens de autoridade formadas na infância e que persistem na vida adulta. Sob as lutas do adulto com o poder, o direito e a legitimidade, persistem essas imagens arcaicas do que deveriam ser a força e o poder, de modo que, quando adultos, interpretamos não o que existe, mas na verdade o que um dia existiu em nossa vida (SENNETT, 2001). Ainda com Sennett, podemos compreender que Freud acredita que na infância cada ato de nossos pais contribuiu para nossa imagem de sua força, autonomia e confiança. O bebê não tem padrões de julgamento, não se distingue dos pais, embora tenha linguagem (que se manifesta no gesto, choro, etc.). Para o bebê, tudo o que os pais fazem é digno de reconhecimento (poder), assim como no universo da criança a sua imaginação faz com que todas as ações dos pais tenham efeitos e implicações grandiosas sobre ela. A figura central dessa relação, segundo Freud, é o pai. O menino pensado por ele quer tomar o lugar do pai, mas não quer perder o seu amor. Mais tarde, na idade adulta, o sujeito admite tanto a força quanto as limitações dos pais, como base à participação na vida pública, mas vê a força em seus próprios termos como uma luta pertencente a eles. Segundo Machado e Machado (2011), as premissas do sujeito, em Honneth, baseiam-se no conflito e na intersubjetividade como valores intrínsecos à vida em sociedade. A ideia de conflito refere-se à possibilidade de lutar por reconhecimento, a fim de construir uma vida psíquica e social. Honneth vai buscar em Winnicott o pressuposto da dependência do sujeito ao ambiente e sua capacidade de sobrevivência a ele.

Honneth (2003) sublinha que na primeira fase do desenvolvimento infantil, mãe e bebê se encontram num estado de relação simbiótica, tal dimensão de reconhecimento emotivo não suscita uma tensão moral de conflito social. A dependência total do bebê e a atenção da mãe para a satisfação das necessidades da criança fazem com que ambos se sintam como unidade. Aos poucos, este estado de simbiose vai se dissolvendo por meio de um processo de ampliação da independência de ambos. A criança, precisa se acostumar com a ausência da mãe e essa situação, segundo Saavedra e Sobottka (2008), estimula na criança o desenvolvimento da capacidade de se diferenciar do seu ambiente. Nesta fase, a criança reconhece a mãe não mais como uma parte do seu mundo subjetivo e sim como um objeto com direitos próprios.

Honneth (2003) constata que a expressão agressiva da criança nesta fase acontece como espécie de luta, onde a criança passa a reconhecer a mãe como um ser independente e, consequentemente, a mãe precisa aprender a aceitar o processo de amadurecimento do bebê. A partir dessa experiência de reconhecimento recíproco, os dois começam a vivenciar também uma experiência amorosa sem regredir a um estado simbiótico. É no reconhecimento negado ou no não reconhecimento, conforme entendem Machado e Machado (2011), que o sujeito obtém o impulso que pode levar a mudanças sociais. Tal processo é entendido como estruturante e constitutivo da vida social, como possibilidade de entrada na cultura, pois na ausência de conflito, não há alteridade e, portanto, não há reconhecimento de busca por interação.

Segundo Saavedra e Sobottka (2008), Honneth esboça os princípios fundamentais do primeiro nível de reconhecimento como uma pressão, sob a qual permanentemente novas condições para a formação da vontade vêm à tona. Quando a criança experimenta a confiança no cuidado paciencioso, seguro e duradouro da mãe, ela passa a estar em condições de desenvolver uma relação positiva consigo mesma. Honneth (2003) chama essa nova capacidade da criança de autoconfiança que permite à criança desenvolver sua personalidade de maneira sadia. Trata-se do reconhecimento na esfera dos afetos.

No tocante à pedagogia tudo indica que o princípio genuíno do conhecimento desde a educação infantil é o reconhecimento da identidade entre a ação proposta e a personalidade em formação. O reconhecimento na esfera da estima social (autoestima) permite referir-se às diversas formas práticas de autorrelação valorativa como uma voz potencialmente poderosa e solidária nesse diálogo sem fim com a condição humana. A estima social se aplica às qualidades particulares que caracterizam os seres humanos em suas diferenças pessoais. É possível pensar o sentido da luta por reconhecimento na educação de modo que, como nos refere Ratto (2014), se possam criar ambientes de confiabilidade, onde o encontro com o outro seja a ponte de acesso ao desenvolvimento do aprendizado mútuo que nos advém da linguagem, cultura e tecnologia.

Considerações finais

A primeira consideração que podemos extrair é de que as novas tecnologias cada vez mais se desdobram na vida em sociedade e esta se torna cada vez mais dependente, desarticulada em termos de perturbações da linguagem e imobilizada. Daí que a autocompreensão cultural de uma sociedade passa pelas formas de aprender com as tecnologias na escola. As escolas e as universidades estão cada vez mais integradas ao processo de modernização que a sociedade está sofrendo, porém, em alguns setores da educação o choque entre as tecnologias e a tradição escolar parece ter incidido em embate entre a busca da eficácia imediata e o encurtamento do pensar, da sensibilidade, da solidariedade, da criatividade e da percepção de diferentes horizontes de viver e ver o mundo.

A atração dos sujeitos por tecnologias pode ser entendida pelos professores como uma oportunidade de experimentar novas formas de estudo, de leitura do mundo, de aprendizagem compartilhada e de convívio social, pois esse movimento crescente das tecnologias na educação é irreversível (RATTO, 2013). Não há como vivermos fora do mundo das tecnologias e esta é a nova responsabilidade pedagógica à autocompreensão social, que valoriza e capacita todos os integrantes pelo reconhecimento intersubjetivo. À experiência do reconhecimento pedagógico corresponde sempre uma forma positiva de autorelacionamento, em uma complexa rede de relações intersubjetivas, capaz de desenvolver a personalidade, a autonomia e uma vida plena e respeitosa. O uso das tecnologias por si só não garante novas formas de estudar ou de aprender e pode gerar a valorização apenas da eficácia, repetição e neutralidade da técnica na educação, limitante de sensibilidade linguística. É preciso que professores e estudantes experimentem as interlocuções com as tecnologias em seu cotidiano de estudo e percebam o seu efeito no desenvolvimento humano e na apropriação dos conhecimentos, olhando o aprender como uma transformação ao que é outro (alteridade, diferente), ao que nos desafia nos processos de aprendizagem em contínua reconstrução com o mundo. Contudo, a luta por reconhecimento na educação é um esforço para encontrar na alteridade do outro o potencial que nos revela o “nós”, que ainda estamos por completar, perfazer e nos tornar no horizonte das tecnologias.

Referências

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BAUMAN, Z. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.

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MAFFESOLI, Michel. A barbárie em face do humano: as tribos pós-modernas. Revista FAMECOS. Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 5-10, janeiro/abril, 2010.

MOSÉ, Viviane. A escola e os desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

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[1] A questão do reconhecimento surge na obra “Fenomenologia do espírito”, de Hegel (1806/1807), quando defende que a liberdade pressupõe o reconhecimento mútuo. Percebe-se que o processo da construção da autoconsciência passa, necessariamente, pela relação social e reflexiva construída entre as pessoas. Daí que as relações sociais patológicas podem ser ilustradas na metáfora  “do senhor e do escravo” (que pode ser comparada à relação professor e aluno), quando o senhor na tentativa de dominar o escravo descobre a sua dependência frente a ele. Assim, o oprimido (escravo com sentimento de inautenticidade) é reconhecido pelo opressor na relação firmada na intersubjetividade, de um sujeito que aceita e reconhece no outro também um sujeito (momento de (re)ligação, civilidade, respeito e tolerância à diversidade).

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