27/02/2018

Tecnologia, Trabalho e Educação: inserções sociais na realidade brasileira

Autores:

Marcia Regina Konrad

Carlos Adriano Martins

Introdução

O atual cenário contemporâneo apresenta para toda sociedade grandes desafios, dentre os quais podem-se destacar três. O primeiro diz respeito a qualidade da educação, o segundo refere-se a presença das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no processo de ensino e de aprendizagem impactando e induzindo mudanças no modelo pedagógico praticado na maioria das escolas, enquanto o terceiro tange a gestão organizacional. O objetivo do presente trabalho é apresentar argumentações sobre a relação entre tecnologia, trabalho e educação com base na realidade brasileira. O texto fala sobre a educação brasileira histórica, segue pela questão tecnológica e a formação para o trabalho e a sociedade.

Educação brasileira ao longo da história

A educação brasileira contou com momentos de grande lucidez e possibilidades de avanço há décadas atrás, quando já em 1882, Ruy Barbosa já fazia a proposta de uma educação universal e gratuita para todos, caso o Brasil quisesse se tornar uma nação moderna (LOURENÇO FILHO, 2001).

Alcançar a condição de uma economia próspera e moderna é uma aspiração de muitos brasileiros e essa questão passa pela formação do seu povo.

Na década de 1930 um grupo de 36 intelectuais no Brasil ao lançaram o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, consideravam que para a modernização do País era necessária uma educação universal, gratuíta e em tempo integral (QUEIROZ; MOITA, 2007, CAMURRA; TERUYA, 2008).

Meio século após o Manifesto, a Constituição Brasileira de 1988 considerou importante a questão da educação gratuita, universal para todos. No entanto, a implementação só veio nos anos seguintes com apoio de outras medidas como é o caso da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente e das leis voltadas para a inclusão escolar e para o mercado de trabalho, para as pessoas portadoras de necessidades especiais.

O advento das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) revolucionou nossas relações com a informação e consequentemente com a educação. A informação e o conhecimento não se encontram mais fechados no âmbito da escola. É muito importante o uso de ferramentas que privilegiem a comunicação e a interação entre os usuários, favorecendo assim o ensino aprendizagem.

Com tal avanço em nosso país e a regulamentação do decreto Nº 5.622, de 19/12/05 definindo Educação a Distância (EAD) no Brasil, nosso sistema educacional continua em evolução e em constante processo de mudança de paradigmas e adaptações aos novos modelos educativos.

Legislação, educação, tecnologia e a formação para o trabalho

Vivemos em uma sociedade de novas configurações do trabalho, esgarçamento das condições humanas (violência, concentração de rendas, drogas, destruição das relações interpessoais, etc), excesso de informações que muitas vezes não se traduzem em conhecimento, e por estes motivos entende-se o quanto o processo educativo deve disseminar o conhecimento socialmente construído e acumulado historicamente, confrontá-lo com a realidade, provocar reflexões que colaborem para a formação de um indivíduo para atuação e intervenção na vida pública.

Há variadas correntes pedagógicas que podem subsidiar nossas práticas enquanto educadores, e uma das que mais podem efetivar as ações educadoras mediadoras encontra-se a prática da pedagogia histórico-crítico, que a partir de uma análise crítica da realidade, com a seleção dos 'conteúdos' à serem trabalhados e apropriados pelos sujeitos pode resultar em indivíduos que se tornarão aptos à viver em uma sociedade plural e contraditória, e ativamente transformá-la.

 A sociedade sofre influências de aspectos políticos e sociais, mas é nela que se concentram as possibilidades de emancipação e transformação social. Professores e alunos devem ter uma atuação ativa nesse processo - teoria-prática-reflexão e (re)significação das ações na busca da formação de indivíduos autônomos, críticos e atuantes e, justamente por isso, nossos papéis enquanto educadoras tornam-se cada vez mais necessários.

Educar é um fenômeno complexo e que sofre influência da educação social e muitas outras variáveis, mas o educador precisa estar ciente de seu papel político de transformador ou mantenedor social. Assim, é importante que perceba que esse esgarçamento das condições humanas perpassa pela escola, cujo espaço deverá servir para o debate, a análise e a proposição de alternativas para o que hora encontramos.

A relação entre tecnologia, trabalho e educação é um dos objetos que mais demandam atenção durante a formação educacional do indivíduo, e neste contexto o profissional da educação, seja professor ou gestor educacional, deve oferecer oportunidades que promovam o desenvolvimento psicossocial de seus alunos e que lhes ajude a entender o mundo em que vivem para que possam vive-lo melhor.

Pensando especificamente na ação do professor, que promoverá o crescimento de seu aluno e o transformar em cidadão ativo e participativo, o professor deve combinar pensamento e ação para alcançar com seus alunos seu objetivo. Para que esta aprendizagem se processe de modo correto e duradouro, o professor deve levar o aluno, inicialmente, a conhecer e a identificar-se com o meio em que vive: casa, trabalho, escola, vizinhança. Partindo daí os conhecimentos dos alunos serão ampliados, desenvolvendo ainda hábitos e atitudes relacionados a esses conhecimentos, à natureza das atividades que o aluno realiza, bem como as suas próprias necessidades básicas.

Sabemos que os alunos aprendem através de experiências integradas. Quanto mais ricas as experiências, melhor a aprendizagem. O trabalho do docente tem que intencionalmente levar ao aluno à construção de conceitos, mas para que isso ocorra realmente é necessário que a realidade cotidiana do discente seja o alicerce que apoie toda construção cognitiva.

Devemos partir da, e chegar à realidade do aluno, pois é nela que teremos subsídios necessários para promover o desenvolvimento intelecto-social de cada indivíduo, para que com tal desenvolvimento ele possa dominar seu meio físico e social entendendo, portanto, todas as relações de espaço, tempo e causalidade nele existentes.

Ao aluno deve ser proporcionada a chance de construir seus conceitos a partir de investigações e análises de dados.

É obvio que o professor deve partir do cotidiano do aluno, mas não deve nele permanecer, pois se nesse erro incorrer desestimulará o alunos. Portanto, deve gradativamente partir para o abstrato, levando em conta a Zona Proximal de Vygotsky.

A análise concreta de situações concretas é que permite compreender a organização/produção do espaço em constante transformação..., trata-se de um processo crítico que produz e reproduz uma ciência viva, pois ciência que não se renova, não se transforma, é ciência morta, é dogma.

Esse caminho dialético pressupõe que o professor deve se envolver não só com os alunos, mas sobretudo com os conteúdos a serem ensinados. (SEE – CENP, 1992; p. 17).

Nesse processo, o professor deixa de ser um mero transmissor de conhecimentos e o aluno, mero receptáculo do conhecimento.

As pessoas (alunos) fazem perguntas, e a sua curiosidade não tem limites. As perguntas parecem, algumas vezes, embaraçosas, e o professor procura palavras que expliquem e satisfaçam essa curiosidade.

Ao perceber o quanto é indagador o aluno e o quanto é necessário que ele compreenda as transformações na natureza, o professor deve entender que as palavras não são as únicas que podem responder às indagações dos alunos.

Sendo assim, todas as situações, na escola, na rua, em casa..., oferecem oportunidades para o ensino de todas as disciplinas e tecnologias, mas o professor deve estar em constante alerta para que uma atividade não se torne maçante, e é para isso que deve haver a constante diversificação de atividades ligadas a um certo tema.

A diversificação de atividades é um trabalho capaz de atender as diferenças individuais dos alunos em seus vários aspectos.

Os alunos são diferentes quanto ao nível de desenvolvimento físico e mental, quanto ao ritmo de aprendizagem, quanto aos interesses e quanto as experiências vividas.

Para aprender, não basta o aluno ouvir o professor; é preciso que ele próprio participe das experiências de aprendizagem.

A LDB/96 é o documento que expressa em forma de diretrizes o que o governo brasileiro considera ser necessário e adequado transmitir aos alunos, sendo a maior legislação educacional de nosso país, além de fundamentar ações governamentais no âmbito educacional, como PCNs, que surgem enquanto proposta que visa unir qualidade do ensino e formação de cidadãos aptos ao novo mundo globalizado, com a organização do ensino voltado para o desenvolvimento de “competências e habilidades”, que foram introduzidas como novos paradigmas educacionais e assumiram papel central para discussão educacional.

Os PCNs, que objetivam subsidiar a elaboração e reelaboração do currículo, tendo em vista um projeto pedagógico em função da cidadania do aluno e uma escola em que se aprende mais e melhor, são uma proposta inovadora e abrangente, que visam a criação de vínculos reais entre ensino e sociedade e apresentar ideias de que ensinar, como ensinar e para que ensinar.

Por não serem regras de ensino e sim subsídios para a transformação de objetivos, conteúdo e didática do ensino, devem ser utilizados como elementos de ação para transformação social.

Os PCNs e a LDB/96 deixam claro a necessidade de respeito a diversidade cultural e social de nosso país, bem como

que não basta introduzir novos temas no currículo, e que aquilo que o professor ensina e deixa de ensinar, bem como aquilo que o aluno aprende e deixa de aprender vai muito além do prescrito formalmente.

Para a efetiva consolidação da melhora educacional, cabe a nós educadores incorporamos ao processo ensino-aprendizagem outras fontes do saber social, fontes mais próximas de suas realidades, seja qual for sua disciplina, fontes como televisão, rádio, cinema, literatura regional, dentre tantas outras fontes disponíveis.

A partir do momento em que o educador viabiliza a diversificação, possibilita a vivência do conteúdo vivo e próximo do aluno, o que é característica fundamental do ensino multicultural, presente nos PCNs.

Sabemos que o campo da educação é o campo estratégico para a construção do ser social, agente transformador que atua efetivamente nos processos sociais dinâmicos.

Para que haja real e efetiva transformação social a partir da educação é fundamental a melhoria na qualidade de ensino através da criação de políticas educacionais que tenham por compromisso fundamental a formação, qualificação e capacitação de qualidade dos professores, que tenham a visão objetiva do ser humano, do ser social, complexo, mutável, onde razão e emoção são elementos indissociáveis.

Qualidade em educação não é apenas objeto de políticas públicas, mas também dos mais diversos setores sociais, como por exemplo dos setores industriais e de prestação de serviços, que dependem direta ou indiretamente desta qualidade para atingirem a excelência almejada em seus processos produtivos.

A escassez de recursos é talvez o maior desafio para a melhoria da qualidade de ensino, contudo não é o único.

O currículo e o programa impactam na qualidade da educação quando auxiliam na formação de sujeitos-agentes capazes de aprender e apreender criticamente a realidade, e de efetivamente contribuírem para a transformação, não apenas de sua realidade, nas principalmente da realidade do meio social no qual estão inseridos, e para que isso realmente aconteça é de suma importância que seja desenvolvido um Projeto Político Pedagógico democrático, que atrelado a modos de organização escolar dinâmicos permitam a participação de todos os agentes sociais inseridos no processo educacional.

É também fundamental que haja um planejamento elaborado a partir do currículo de maneira contextualizadora e integradora, para que a qualidade, enquanto meta, seja alcançada.

A importância e inovação do currículo por competências, proposto atualmente, onde as competências não são e nem estão intimamente ligadas a um conteúdo específico, mas sim a um conjunto de conteúdos, que perpassam diversas disciplinas, é a de fundamentar novas políticas educacionais que venham realmente a criar cidadãos-agentes-transformadores, e não apenas reprodutores e mantenedores de um sistema cruel e viciado, onde não há esperança de modificação social.

A questão tecnológica e a formação para o trabalho

O mundo globalizado é o resultado de inúmeras transformações sócio, econômicas, culturais e tecnológicas. A introdução das TICs e de mídias virtuais sob o impacto da revolução digital, estão modificando os atuais papéis exigindo novas abordagens educacionais, de modo a não tornar os indivíduos meros “apertadores de botões”.Nossa sociedade necessita  aprenderem  sob um olhar crítico,pois a maioria dos usuários conta com o tipo de conhecimento de simples usuários.

No âmbito das comunicações o acesso ao conhecimento oportunizou a criação de espaços para vários tipos de educação, sejam elas profissionalizantes ou culturais, e ambas interligadas entre si. É necessário reorientar os projetos para a formação de indivíduos melhores preparados para u uso atrelado das ciências e tecnologias. Se de um lado, há a necessidade em se formar pessoas preparadas para a sociedade atual com sua ciência e tecnologia, por outro, nosso País vive um clima de dificuldades na educação e formação de pessoas. Ainda hoje com tantos investimentos nos diversos setores governamentais, iniciativas para formação continuada, ainda existe uma crise educacional denominado “apagão” de professores. Faltam milhares de docentes e as perspectivas são desanimadoras face aos baixos salários, desvalorização e condições de trabalho que afastam jovens de buscarem consolidarem investidura em tal carreira. Ainda como medida urgente, deve-se retomar a valorização em todos os setores do campo educacional e investir na formação e valorização do professor em nosso país.

Destaca-se o enfoque dado ao Ensino Médio, dada a necessidade de profissionais qualificados, técnicos especializados e preparados para o ingresso no ensino superior; programas governamentais como o PRONATEC com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica por meio de diferentes programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira. As instituições públicas e privadas em geral também desempenham um papel importante e necessitam de docentes preparados para lidar com as questões em foco neste estudo, pois em última análise sem professor não se faz educação.

Considerações finais

O tema em estudo e discussão é bastante complexo e conta com muitos vieses. No presente estudo trabalhou-se a relação entre tecnologia, trabalho e educação com base na realidade brasileira, com um olhar educacional.

As ações educacionais são fundamentadas no desenvolvimento de competências, visando o espírito empreendedor, a autonomia e a cidadania, com pilares definidos pelo aprender a conhecer, aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver. Com isso, tecnologia, trabalho e educação estão relacionados a todo momento, desde o desenvolvimento de cursos até a sala de aula.

O viés do professor é o responsável pela organização do ensino, pelos objetivos educacionais, pelo planejamento, avaliação e este importante lado precisa ser valorizado pela sociedade brasileira, para estimular a formação de novos profissionais e mais bem preparados e se alcançar a educação dos seus sonhos.

Com relação a visão organizacional e sua gestão, do mesmo modo ao profissional responsável cabe o mesmo esmero que o descrito na relação professor-aluno, pois empresarialmente, este é o papel do gestor, de mediador entre a cultura e o clima organizacional e seus colaboradores.

Referências

ASSMANN,H. Reencantar a Educação:rumo à sociedade aprendente.Petrópolis:Vozes,1998.

CAMURRA, Luciana; TERUYA, Teresa K. Escola pública: manifesto dos pioneiros da educação nova e o direito à educação. I Simpono Naiconal de Educação. XX Semana da Pedagogia. Disponível em: http://www.unioeste.br/cursos/cascavel/pedagogia/eventos/2008/4/Artigo%2015.pdf. Acesso em 22 de setembro de 2017.

GLOBO NEWS. Reportagem sobre educação e mercado de trabalho. In: Globo News: conta corrente especial. Reportagem apresentada por Carlos Burnier. Disponivel no curso MFU02. UAB/UNIFEI, 2014.

LOBO, Thais. Apagão de professores. In: Jornal Tribuna do Planalto. Publicado em: 13 de abril de 2014. Ano 28 - Nº 1.427. Disponível em:
LOBO NETO, Francisco José da Silveira. A questão da tecnologia na relação trabalho-educação das concepções aos argumentos e às formulações legais. Trab. educ. saúde [online]. 2009, vol.7, suppl.1, pp. 83-103. ISSN 1981-7746.

LOURENÇO FILHO, Manoel B. A pedagogia de Ruy Barbosa;4.ed. Brasília: INEP, 2001. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/doc/artigos/a-j/fcrb_manoelbergstrom_pedagogia_de_rui_barbosa.pdf. Acesso em 20 de setembro de 2017.

MORAN,Jose Manuel.Tendências da educação online no Brasil.In:RICARDO,Eleonora Jorge (org).Educação Corporativa e Educação a distância. Rio de Janeiro:Qualitymark,2005.

QUEIROZ, T.A.P; MOITA, Filomena M.G.S.C. Fundamentos socio-filosóficos da educação. – Campina Grande; Natal: UEPB/UFRN, 2007. Disponível em: http://www.ead.uepb.edu.br/ava/arquivos/cursos/geografia/fundamentos_socio_filosoficos_da_educacao/Fasciculo_07.pdf. Acesso em 20 de setembro de 2017.

SEE – CENP. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo – Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular para o Ensino de Geografia 1º Grau.  São Paulo: Secretaria de Estado da Educação-CENP, 1992.

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