29/04/2019

SOLUÇÃO FINAL - 3

Dênio Mágno da Cunha*

Uma das questões, das mais polêmicas, envolvendo o movimento nazista na Alemanha dos anos 30 e 40, durante a Segunda Guerra Mundial, foi a participação das lideranças dos Judeus na organização e operação da “solução final”. Polêmica porque incompreensível. Como poderiam os próprios judeus colaborar com a indicação de pessoas para serem enviados aos campos de concentração e para o extermínio por fuzilamento ou sufocamento nas câmaras de gás? Difícil de acreditar que tenha acontecido. No entanto, há provas sobre a verdade destes fatos.

Dentre as causas destes acontecimentos, que se revelara trágicos para a história da Alemanha e da Humanidade, estava a falta de oposição durante o crescimento do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Se nos primeiros momentos, quando as ideias fascistas começaram a ganhar corpo, houvesse uma oposição no Parlamento, nada disso teria acontecido. É claro que utilizamos a expressão “se”, pois os movimentos de oposição foram prontamente destruídos pelas Seções de Assalto (SA), incumbidas de perturbar a sua organização e manutenção.

Claro que a situação econômica do pós-Primeira Guerra mais os efeitos da crise mundial de 1929, construíram um cenário propício a aceitação do discurso Nazista. Hitler focou na melhoria econômica, na elevação da autoestima do povo alemão, na luta contra o pagamento da dívida do pós-primeira guerra, na ideia do poder econômico concentrado nas mãos de Judeus e na ideia de uma “raça superior” pura. O povo alemão acreditou.

Não me parece sem sentido os paralelos traçados, entre as circunstâncias que cercaram e levaram ao poder o nazismo e a nossa realidade atual. Ressalvadas as devidas proporções não acredito que estamos diante de um Hitler – ele foi insuperável. Mas percebo semelhanças, pois foram elas que me levaram a escrever sobre a “solução final”. E não me parece também atoa que uma das – entre tantas – polêmicas nestes primeiros meses de governo tenham sido sobre o nazismo, se ele seria um movimento de esquerda e não de direita. Discussão levantada justamente quando o Presidente faria uma viagem ao estado Judeu.  

Esta trilogia, na qual este é o terceiro texto, busquei estabelecer a relação existente entre o planejamento e execução do extermínio dos Judeus através de uma “Solução Final” e a atual política do governo, que seria voltada para o extermínio da qualidade na educação, da cultura e da pesquisa em nosso País.

No primeiro texto escrevi sobre como nos parece ser a intenção do governo executar este plano, através do corte de recursos financeiros para as áreas da educação, cultura e pesquisa no Brasil. Como esta ação contínua, tem provocado, dentre outras, a saída (fuga) de consagrados pesquisadores brasileiros para ouros centros de pesquisa na Europa e nos Estados Unidos. Similarmente, estes cortes “sufocariam” a estrutura construída ao longo dos anos, com a falta de recursos. Seriam similares à fuga de judeus da Alemanha e a sua morte em massa nas câmaras de gás.

No segundo, listei as alterações ocorridas no INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), limitando a sua influência nas pesquisas educacionais. O Instituto que já foi centro de pesquisa, no sentido amplo da produção de conhecimento, restringe-se atualmente a estudos estatísticos de aferição da nossa (má) qualidade de ensino e atuação nas questões da legislação, controle e fiscalização das instituições de ensino. Essa situação seria similar à criação de órgãos fiscalizadores, de vigilância e opressão do livre pensamento no regime hitlerista.

Neste terceiro texto, a intenção é denunciar que, sabendo dos fatos anteriores, houve um silêncio generalizado dos agentes da educação, da cultura e da pesquisa, como também da sociedade brasileira e suas representações, de modo geral, criando uma situação de não oposição ao governo. Professores, estudantes, sindicatos, associações classistas profissionais, ficaram em silêncio enquanto o Governo Federal operava verdadeiros descalabros nestas áreas. Parece que ficar de “boca aberta” vendo os fatos, foi a única reação.

Talvez se deva ser menos exigente com estes agentes, dada a nossa letargia crônica – damos bois para não entrarmos numa briga e quantidade igual para sairmos. Deve-se então dizer que as reações não estiveram à altura dos descalabros. Estes descalabros vão desde a indicação do ministro Rodriguez e suas polêmicas, passando pela redução dos critérios de financiamento de ações culturais via Lei Rouanet,  até a nomeação para a direção do INEP de um delegado da Polícia Federal, ex-chefe do Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos da Coordenação-Geral e Combate ao Crime Organizado e diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Acrescida da mais recente polêmica com a divisão das ciências entre “ciências de resultado” e “ciências sociais”, verdadeira execração pública da importância do ensino da Filosofia e Sociologia em nossas Instituições de Ensino Superior.

Felizmente, antes que o desespero se instalasse, entre o segundo e terceiro texto, começaram a surgir manifestações de oposição por parte da Sociedade Brasileira de Lógica (SBL), da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, de associações estudantis e de professores. Ainda tímidas, sem impacto na sociedade, localizadas na recente polêmica previsivelmente infantil, dado o perfil do presidente, avesso ao pensamento.

A questão que me incomoda é: porque o conjunto da educação, cultura e pesquisa não pararam numa greve geral ou em um movimento mais significativo, diante de uma realidade adversa? Fazendo um parêntese, lembro aos leitores que no texto anterior propus uma inversão hipotética: qual seria a reação da Polícia Federal se fosse indicado para seu diretor um pedagogo? Não tenho dúvidas sobre qual seria a reação: paralização imediata de portos e aeroportos, suspenção dos serviços de segurança e investigações, nas emissões de passaporte e documentos de identificação. Já na educação... parece que tudo é permitido, sem que se faça uma movimentação significativa.

O delegado da PF assumiu o (ex)principal órgão de pesquisa educacional no Brasil e ficou por isso mesmo.

Não tenho respostas concretas e nem sequer ouso elaborar hipóteses... elas seriam até certo ponto inadmissíveis. Particularmente penso que as ações deletérias do governo sobre a educação, cultura e pesquisa brasileiras já são mais que suficientes para uma sublevação do setor, se não, de toda sociedade. Os resultados negativos virão rapidamente, pois nestas áreas leva-se tempo para o alcance das transformações positivas, mas basta uma curta interrupção no processo para que haja perdas significativas. A base da mudança na educação, na cultura e na pesquisa é a continuidade. Não se altera índices de qualidade na educação de uma ano para outro; a aprendizagem do valor da cultura na vida da população não é feita do dia para a noite; pesquisas não dão resultado sem persistência, sem erros e acertos ao longo do tempo.

Encerro este texto ainda mais estupefato, pois vejo outras semelhanças tristes entre estes primeiros meses de governo e a situação de ausência de oposição ao regime alemão no período de surgimento do nazismo. Não que estejamos indo em direção àquela forma de governo – me recuso a pensa nisso - mas sim em direção ao obscurantismo e ignorância presentes naquele regime. Como exemplo, os filósofos e cientistas sociais alemães foram forçados sob ameaças de suas vidas a aderirem ao governo ou fugiram do País. Outra semelhança está na estratégia de forjar-se uma realidade conflituosa permanente, a perpetuação de uma situação de divisão dual em todas as áreas da sociedade. A criação manipulada de uma situação conflituosa falsa (fake).

Por outro lado, também de forma estratégica, o governo cria boatos dispersivos, polêmicos, encampados pela mídia ansiosa por fatos novelescos, gerando um clima de suspensão, escondendo em cortina de fumaça a sua real incompetência para fazer a transformação necessária, desejada pela sociedade.

O tempo que estas estratégias conseguirão alcançar seus objetivos dissimuladores, sendo ignoradas, não denunciadas ou desmascaradas, dará a todos nós a dimensão do nosso atraso. O certo é a dúvida sobre quais serão as consequências deste jogo.

* Dênio Mágno da Cunha, é Professor Doutor em Educação e até o momento não foi convidado para dirigir a Polícia Federal e nem para ser diretor do INEP, e só deixará o Brasil no apagar das luzes.

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