26/04/2019

SOLUÇÃO FINAL - 2

Dênio Mágno da Cunha*

 

Há um poema atribuído a Maiakovski mas de autoria do poeta fluminense, Eduardo Alves da Costa[1], que diz assim em um de seus trechos:

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Observem como isso aconteceu, acontece e parece continuará a acontecer na vida educacional de nosso País. Estão invadindo a nossa casa e nós não estamos fazendo nada. O Presidente do INEP, hoje, é um Delegado da Polícia Federal. Se olharmos a evolução história do Instituto vamos ver claramente a sua transformação. Vejam em http://portal.inep.gov.br/historia. Seu primeiro presidente foi o professor Lourenço Filho. Resumo aqui, só para que os leitores tenham ideia do que está acontecendo e como tem sido tratada atualmente a educação no Brasil.

No decreto de fundação do INEP, definia-se as suas funções:

"organizar a documentação relativa à história e ao estado atual das doutrinas e técnicas pedagógicas; manter intercâmbio com instituições do País e do estrangeiro; promover inquéritos e pesquisas; prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares de educação, ministrando-lhes, mediante consulta ou independentemente dela, esclarecimentos e soluções sobre problemas pedagógicos; divulgar os seus trabalhos". Também cabia ao Inep participar da orientação e seleção profissional dos funcionários públicos da União. Nas décadas anteriores à sua criação, algumas tentativas de sistematizar os conhecimentos educacionais e propor melhorias ao ensino já haviam sido articuladas, sem conseguirem, no entanto, alcançar a continuidade desejada. O Inep configurou-se, então, no primeiro órgão nacional a se estabelecer de forma duradoura como fonte primária de documentação e investigação, com atividades de intercâmbio e assistência técnica"

Leiam o relato sobre o ano de 1952, quando toma posse o professor Anisio Teixeira

que passou a dar maior ênfase ao trabalho de pesquisa. Seu objetivo era estabelecer centros de pesquisa como um meio de "fundar em bases científicas a reconstrução educacional do Brasil" (relatório do Inep 50 anos, 1987). A ideia foi concretizada com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), com sede no Rio de Janeiro, e dos Centros Regionais, nas cidades de Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. Tanto o CBPE como os Centros Regionais estavam vinculados à nova estrutura do Inep.

Na década de 1970, estes centro de pesquisa foram encerrados e o INEP passou a ser um órgão autônomo:

Em 1972, o Inep foi transformado em órgão autônomo, passando a ser denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, e objetivava realizar levantamentos da situação educacional do País. Esses levantamentos deveriam subsidiar a reforma do ensino em andamento – mediante a Lei no 5.692/71 –, bem como ajudar na implantação de cursos de pós-graduação. Um ano depois, os Centros Regionais, que haviam se agregado parcialmente às universidades ou às Secretarias de Educação dos estados, foram extintos.

No governo Collor, o INEP quase foi extinto. Suas funções foram restritas a “reorientação das políticas de apoio a pesquisas educacionais e reforço ao processo de disseminação de informações educacionais”. E nos últimos anos, “o Instituto reorganizou o sistema de levantamentos estatísticos e teve como eixo central de atividades as avaliações em praticamente todos os níveis educacionais”.

Nossos ancestrais educadores, devem estar possessos com as transformações sofridas por um órgão que no seu princípio era devotado à pesquisa e de métodos e políticas de desenvolvimento da educação.

No dia 24 deste mês, foi publicado aqui mesmo na revista Gestão Universitária, um pequeno texto considerando as últimas ações do governo Bolsonaro, nas instâncias da cultura, da educação e da pesquisa científicas, deletéria ao futuro do País. Parece-me que nós teremos de perdoá-los porque “eles não sabem o que fazem”. Estão condenando à ignorância milhões de crianças e jovens quando reduzem os investimentos nesta área e quando colocam para lidera-las, pessoas que não “entendem do riscado.  

Nos meus devaneios, imagino a troca de cargo: um pedagogo, professor ou pesquisador, gerenciando a Polícia Federal. Imagino que haveria greve, com a paralização de portos, aeroportos e de todas as ações investigativas. E talvez, essa seja a diferença, pois não estou vendo protestos quanto ao descaso reservado ao Ministério da Educação. Não houve manifesto, protesto e nem greve. Assim sendo, “o mais frágil deles entra sozinho e nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada”.

Espero estar totalmente enganado.

*Dênio Mágno da Cunha, é professor, Doutor em Educaçãops

Dados históricos do INEP foram transcritos do site mencionado no corpo do artigo. http://portal.inep.gov.br/historia

 

[1] A confusão se deu a partir do poema "No caminho, com Maiakóvski", escrito na década de 1960 como manifestação de revolta à intolerância e violência impostas pela ditadura militar. Para alguns, o texto era do poeta russo Vladimir Maiakóvski, para outros o verdadeiro autor era o dramaturgo alemão Bertold Brecht.

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