01/10/2021

Sentido ou Sentidos: da Vida ou das Vidas?

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Há dois grupos distintos de respostas na reflexão filosófica à pergunta pelo sentido da vida. Um deles defende que a vida tem um sentido objetivamente válido e sustenta a tese da universalidade desse sentido em uma teleologia dependente de um certo tipo de artificie do universo: do motor imóvel de Aristóteles ao deus das religiões abraâmicas – Podemos dizer que esse grupo concebe a vida como tendo um sentido intrínseco (a priori). O outro grupo de respostas não aceita a tese da universalidade do sentido da vida e diz que se há algum sentido, em uma acepção fraca, ele só pode ser subjetivo e/ou construído pelo sujeito, no percurso da vida (a posteriori).

É no segundo grupo de respostas à pergunta pelo sentido da vida que a proposta deste ensaio se insere, defendendo que a vida não tem um sentido objetivamente válido, mas que disso não se segue que a vida humana não possa criar valor para sua própria situação no universo. Para tanto, seguiremos a análise proposta pelo professor Desidério Murcho[1] acerca do problema inerente a questão posta pelo sentido da vida para dar conta do nosso objetivo.

 

O problema do sentido da vida e a inviabilidade de um sentido objetivo para a totalidade da vida

Tem-se aqui um problema filosófico em mãos: saber se a vida tem sentido. Se sim, qual? Se não, por quê? Mas, quando perguntamos pelo sentido da vida, o que exatamente estamos perguntando? Para auxiliar na compreensão do que a pergunta parece exigir, seguiremos a análise do professor Desidério Murcho em seu artigo O Sentido da Vida. Nele Murcho sugere que há uma dificuldade de compreensão do problema devida a ambiguidade que a expressão “sentido” apresenta. Segundo ele, quem pergunta pelo sentido da vida pode estar requerendo duas coisas: (1) saber do propósito/finalidade(s) da nossa vida – Murcho indica dois tipos de finalidades: (i) aquelas em que sempre podemos tornar a perguntar o porquê e (ii) aquelas em que não cabe formular perguntas desse tipo, trata-se das finalidades últimas – ou (2) perguntando pelo seu valor. Murcho considera importante a questão do valor na discussão do sentido da vida para que não se entenda mal a complexidade do problema e se reduza a questão a busca por uma ou várias finalidades últimas; elas precisam ter algum valor intrínseco para serem capazes de dar sentido a vida do sujeito que a persegue.

Segundo o professor Desidério, uma finalidade última pode ter valor subjetivo ou objetivo. O valor subjetivo é auto evidente: quando alguém que gosta de chocolate e come um pedaço, o faz porque gosta e isso constitui valor para ele; por outro lado, o valor objetivo seria atribuído a uma finalidade última que constituiria valor para todas as vidas. Posto dessa forma pode-se entender o que a pergunta pelo sentido da vida parece exigir e porque constituí um problema filosófico, nas palavras de Murcho:

 

 “O problema do sentido da vida torna-se agora mais claro. Não se trata de saber que finalidade ou finalidades últimas devemos adoptar; trata-se de saber que finalidade ou finalidades últimas devemos adoptar que tenham valor objectivo – e trata-se de saber se há finalidades últimas que tenham valor objectivo.” (MURCHO, D. 2016)

 

As respostas positivas em relação ao sentido da vida com pretensão de validade universal geralmente partem da acepção de que há uma finalidade última para toda a vida. Tal finalidade é dada por um artificie que projetou o universo e crê que toda a vida tem valor intrínseco por fazer parte desse projeto. Essa é uma crença bastante comum, defendida e difundida, porém bastante problemática. Não tenho a pretensão de fazer todas as considerações necessárias, mas quero comentar alguns pontos relevantes levantados pelo professor Desidério em relação esse tipo de resposta: (a) ninguém sabe ao certo qual é a finalidade proposta para a vida humana; (b) o propósito das outras formas de vida parece claro: servir de meio para a subsistência da vida humana[2]; (c) alguns dizem que a finalidade, por mais que não a compreendamos está em viver no paraíso; mas não nos dizem porque viver no paraíso seria valoroso para a nossa vida; em síntese, parece que essa resposta (teísta) conclui que “(...) a nossa vida tem sentido, mas não sabemos nem podemos saber qual é.” (MURCHO, D. 2016). Sendo assim, não me parece resultar em uma resposta suficiente para o problema em questão.

Por outro lado, as respostas negativas em relação ao sentido da vida com pretensão de validade universal geralmente partem, do que a filósofa Susan Wolf chamou de: a verdade sobre a nossa condição no universo: “(...) somos, cada um de nós, minúsculas partículas num universo vasto e repleto de valor, e que como tal não temos posição privilegiada como fonte ou possuidores de valor objectivo.” (WOLF, S. 2009). Essa verdade resultante da ciência moderna coloca a ideia expressa no paragrafo anterior em apuros e se alinha com a posição que defendo: de que somos mais um grão nesse emaranhado de acasos que parece não ter uma origem intencional nem uma finalidade objetiva para onde tudo caminha nos conferindo um lugar privilegiado. Diante disso, alguns filósofos afirmaram o total absurdo da vida humana, o que não estou disposto a fazer.

Por mais que estejamos na situação de mero acaso em um emaranhado de outros acasos, somos um tipo de ser que realiza valor; segundo Murcho: cognitivo, estético e ético[3]. Numa acepção mais fraca: restringindo a questão do sentido da vida para a vida humana, os valores que criamos podem servir para dar algum sentido a nossa vida (e a consciência de que só há valores erigidos por nós nos deveria alertar sobre a forma com a qual nos relacionamos com as outras formas de vida: não há mais um sentido intrínseco de subjugo dos animais não humanos em relação a nós que justifique a forma com que os condicionamos aos nossos propósitos, por exemplo). No entanto, mesmo dizendo que podemos construir algum valor comum para a vida humana, não se trata de um sentido objetivo, por dois motivos: porque trata-se de uma acepção fraca de sentido que diz respeito apenas a vida humana, portanto, não universalizável para toda a vida; segundo, porque os valores, mesmo que captados e agrupados, formam pelo menos três grupos: estéticos, éticos e cognitivos; e é pouco provável que todos os sujeitos humanos realizem/vejam valor nos três grupos.

 

Considerações finais

Podemos defender isso e estarmos completamente equivocados, podemos defender o oposto e descobrir que também estamos errados. Enquanto isso, o que fazemos com a vida que temos? Parece ser essa a preocupação de Calvin, o menino das tirinhas de Bill Watterson. O que fazer com a vida que temos se não sabemos para que a temos? A certeza que podemos ter é que, com sentido ou sem sentido, a nossa vida terá de ser vivida. Assim, é relevante percebermos, como constatou a filósofa Susan Wolf, que parece que existe certos modos de vida que são mais desejáveis que outros. Talvez fosse apropriado dizer a Calvin, que de imediato ele poderia ocupar-se com essa questão: o que torna uma vida significativa (ou boa)?

Nesse sentido, indicamos o trabalho da Filósofa norte americana Susan Wolf, sobretudo o artigo Os Sentidos das Vidas. Nele, a partir da narrativa de alguns casos negativos em relação ao que seria uma vida significativa, Wolf oferece três critérios para estabelecer o significativo de um tipo de vida que traga a sensação de ter valido a existência. E termina promovendo uma discussão sobre a possibilidade de essa vida significativa realizar algum valor, e esse valor ser, de alguma maneira, uma “resposta à preocupação de que a nossa vida não tem razão de ser”. (WOLF, S. 2009).

 

Referências

MURCHO, D. O Sentido da Vida. Disponível em http://criticanarede.com/sentidodavida.html, acesso em 28/11/2017.

 

WOLF, S. Os Sentidos das Vidas. Disponível em http://criticanarede.com/sentidosdasvidas.html, acesso em 28/11/2017.

 

[1] Presente no artigo: O sentido da vida, referenciado na bibliografia.

[2] Esta ideia não esta no texto do professor Desidério, insiro-a nessas considerações por ser relevante para a discussão que se seguirá.

[3] Desidério Murcho defende em seu artigo, que o sentido da vida pode ser objetivo se a ética for objetiva. Nas considerações finais ele diz que: “Um universo sem seres humanos é um universo com menos valor não porque um deus tenha determinado a nossa existência, mas porque somos seres capazes de criar coisas que têm objetivamente valor.” Essas coisas têm sentido para a vida humana e não para a vida em sua totalidade. Se deixássemos de existir, diferentemente do que o professor Desidério acredita, o universo seguiria seu acaso nem com mais nem com menos valor e com a completa falta de necessidade de indagar sobre a questão.

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