05/03/2018

Sementes Crioulas: Conhecimento Popular, Científico e Escolar

SEMENTES CRIOULAS: CONHECIMENTO POPULAR, CIENTÍFICO E ESCOLAR[1]

 

Patrícia Rutz Bierhals– UFRGS[2]

patriciabierhals@yahoo.com.br  

Thaís Gonçalves Saggiomo – FURG[3]

thaisfurg@yahoo.com.br

  Simone Nunes Schulz – IFSUL-CAVG[4]

simonenunesschulz@gmail.com

Gislaine Fagundes – IFSUL-CAVG[5]

fagundesgislaine@yahoo.combr  

 

 

Resumo: O presente texto tem por objetivo refletir a participação das escolas municipais, estaduais e particulares na Mostra Educacional realizada durante a VI Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares em outubro de 2013, no município de Canguçu/RS, bem como, o amadurecimento coletivo na busca por evidenciar as contradições que se apresentam com relação a produção agrícola e as discussões destas relações na escola. Enquanto metodologia, trabalhamos com o estudo de caso, por tratarmos de um caso específico, visando reflexões qualitativas, fundamentadas no método dialético, tendo como centralidade a pesquisa participante. Chegamos a prévias conclusões que nos levam a compreender que a Soberania Alimentar é um direito dos povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar, assim manter a agrobiodiversidade tem sido preocupação constante e tem demandado ações educativas pautadas na Educação Popular do Campo.

A Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares vem acontecendo no município de Canguçu/RS desde o ano de 2002, visando a divulgação do trabalho de preservação de sementes que já vinha acontecendo e também possibilitar trocas de experiências de produção de Sementes Crioulas de todo o Estado. A Feira vem despertando na comunidade local a importância da preservação e conservação da biodiversidade, sendo um evento que chegou a reunir mais de 20.000 pessoas discutindo a necessidade da preservação da biodiversidade como um projeto de desenvolvimento sustentável, bem como, teve a presença de pessoas do país inteiro e de países latino americanos.

Neste texto, traremos a reflexão acerca da participação enquanto Secretaria Municipal de Educação e Esportes na organização da sua sexta edição em outubro de 2013, juntamente com outras entidades comprometidas com um projeto produtivo e societário condizente com a produção agrícola que garanta a autonomia dos sujeitos do campo, sua liberdade de escolha e manutenção das sementes crioulas, na produção da vida, da biodiversidade, da soberania e segurança alimentar e nutricional, enfim pautada na construção de um projeto societário libertador, conforme concepção freireana (Freire, 1978).

A Feira vem discutindo a ampla disseminação da transgenia no Brasil e no mundo, devido a preocupações como estas manifestadas na moção de repúdio contra o Projeto de Lei 5575/2009 no III Encontro Internacional de Agroecologia: Redes para a Transição Agroecológica na América latina em agosto de 2013.

 

A aprovação pouco cuidadosa do cultivo de transgênicos no país configura-se como um dos exemplos mais concretos de imposição tecnológica, que tem como resultado a degradação dos recursos naturais e o desrespeito aos direitos humanos, econômicos, culturais e sociais essenciais. Dentre as possibilidades de transgenia, uma das mais preocupantes em estudo e desenvolvimento pelas grandes multinacionais na área de sementes trata das Tecnologias de Restrição de Uso Genético, mais conhecida como tecnologia Terminator. Essa tecnologia visa desenvolver cultivares incapazes de germinar em sua segunda geração, ou seja, quando os grãos colhidos são replantados pelos agricultores - caracterizando o que popularmente se difundiu como “sementes suicidas”. A tecnologia visa reforçar a privatização das sementes, fortalecendo a capacidade de cobrança de royalties por parte das empresas, impedindo os agricultores de multiplicarem suas sementes e obrigando-os a adquirir em todas as safras sementes patenteadas”(acessado em: http://eiabotucatu2013.blogspot. com.br/).

 A discussão entorno do projeto societário que visa a autonomia dos trabalhadores em busca de uma nova ordem produtiva, permeia o meio rural e urbano do Município de Canguçu[6], estando conjuntamente em constantemente dialogo com o projeto educativo, que esta em desenvolvimento tendo como princípio a contribuição para formação de sujeitos capazes de se organizar e intervir na sociedade com conhecimentos necessário a materialização de  um projeto societário comprometido com  luta histórica da classe dos trabalhadores.

Nesse sentido, a participação na organização da VI Feira vai acontecendo de maneira a promover dentro dos espaços educativos discussões e reflexões com relação ao sentido da semente crioula no contexto das famílias do campo e da cidade. Objetivando neste trabalho, trazer para dentro da escola o modo de produção da existência das famílias de agricultores(as), bem como a relação destes sujeitos no contexto urbano. Relacionando desta forma, a unidade entre campo e cidade, que dentre outras questões intensifica seus encontros e desencontros com a comunidade urbana na mesa, no trabalho e na exploração no contexto societário que marginaliza, aliena e desumaniza a classe de trabalhadores, nos ditames do Sistema Capitalista.

A importância desta ação, no contexto formativo encontra-se na intencionalidade de que o saber escolar esteja e permaneça em constante diálogo com o saber local. Conhecimento que permite a comunidade escolar aprofundar coletivamente a leitura sobre a realidade, a percepção de situações-limites e a busca por ações capazes de transformá-las, provocando assim, o repensar do fazer pedagógico na escola e do fazer agrícola nas propriedades.

A partir desta motivação a Mostra Educacional realizada durante a VI Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares em outubro de 2013, teve como objetivo a participação das escolas municipais, estaduais e particulares com apresentações de trabalhos realizados na escola e comunidade escolar dentro do tema proposto: “CRIOULAS: Sementes que resgatam o passado e garantem a segurança alimentar do futuro”. Bem como, divulgar e permitir o compartilhamento de saberes e conhecimentos referentes a sementes crioulas, tecnologias populares, segurança alimentar e agrobiodiversidade.

ALTIERE (2012). discutindo os processos de integração dos agricultores a grandes empresas, influenciados pela Revolução Verde, ressaltou que a conservação e o manejo da agrobiodiversidade, tão importante para a segurança alimentar das comunidades rurais, podem não serem viáveis sem a preservação da diversidade cultural, visto que a substituição das sementes crioulas também representa a perda da diversidade cultural, uma vez que muitas variedades fazem parte de cerimônias religiosas ou comunitárias e a monocultura empregada afetou a diversidade da dieta alimentar criando preocupações nutricionais nestas comunidades. O produto desta ação de integração criou agricultores marginalizados pelo alto custo da aquisição das tecnologias, aumento do uso de agrotóxico trazendo consequências sérias para saúde e o meio ambiente, ineficiência dos materiais geneticamente melhorados ou modificados, não adaptados aos ambientes marginais em que vivem os agricultores mais pobres. Fatos estes que condizem com a proposta da Feira, em preservar a agrobiodiverdade e a diversidade cultural das comunidades locais.

O trabalho de organização do Evento junto à VI Feira de Sementes Crioulas, foi realizado por meio da mobilização das escolas, permitindo que as mesmas pudessem organizar as propostas já existentes ou ainda pudessem construir novas. Para tanto, aconteceram formações com professores voltadas para os temas da Feira e também nas escolas com alunos, foram distribuídos e divulgados materiais de apoio visando trazer conhecimentos a cerca dos temas propostos, também foram realizadas pesquisas no contexto local visando a reaproximação dos ambientes educativos para além das salas de aula. Uma das atividades que antecedeu na Feira foi a escolha do tema de acordo com o objetivo do evento, onde as escolas enviaram frases escritas por seus alunos(as), sendo uma delas selecionada.

Tivemos uma diversidade de experiências e trabalhos apresentados, muitos pautados em pesquisas realizadas junto da comunidade fazendo o resgate de sementes crioulas, buscando e vinculando esse conhecimento à soberania alimentar e a agrobiodiversidade.  Tivemos também a criação do Grupo de Guardiões Mirins e Juvenis de Sementes Crioulas durante a VI Feira que se constituiu com kits de sementes crioulas distribuídos para cada escola participante e outros vinte kits sorteados dentre os interessados presentes. E ainda, as escolas apresentaram e apreciaram as atividades artístico-culturais, visitaram o evento com a proposta de desenvolver uma atividade na escola.

Das escolas participantes na Mostra, professoras(es), estudantes inscritos e guardiões mirins e juvenis puderam conhecer a Bionatur-Sementes Agroecológicas em Candiota/RS e estiveram na Estação Experimental Terras Baixas da EMBRAPA em Capão do leão/RS, onde são desenvolvidas pesquisas referentes as sementes crioulas.

 Assim, no decorrer da caminhada que inicia no processo de organização da Feira, a participação em si e os momentos pós VI Feira já preparando para a VII Feira, são constituídos de reflexões, ações e novas reflexões, num movimento que busca efetivar a práxis, se desafiando a compreensão dos fatos que constituem a realidade para intervir nesse contexto visando transformá-lo. Neste movimento, vivenciamos experiências coletivas que buscam alternativas possíveis na qualificação do pensar e fazer pedagógico, bem como, do pensar e do fazer nas comunidades escolares.

Sendo assim, a partir da proposta inicial tivemos a mobilização e participação das escolas no evento expondo seus trabalhos e pesquisas, promovendo conjuntamente a aproximação e retomando a identidade camponesa em algumas comunidades. Os expositores da Feira, grande maioria guardiões de sementes crioulas, sentiram-se  muito valorizados e reconhecidos por ver e saber que as escolas estão engajadas na discussão de assuntos relevantes a todos aqueles que são agricultores(as).

Uma vez que a Soberania Alimentar e Nutricional é considerada como direito dos povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar. Logo, manter a agrobiodiversidade tem sido preocupação constante e tem demandado ações educativas pautadas na Educação Popular do Campo. Nesse sentido, foi organizado o Grupo Mirim e Juvenil de Sementes Crioulas que levaram para as suas comunidades kits a serem multiplicadas nas propriedades e estas novamente expostas na próxima feira, bem como estarem participando de formações e viagens para que possam compreender e adquirir conhecimentos a respeito do sentido de ser um guardião.

Dessa forma, concluímos que pela participação através da Mostra Educacional, bem como, na organização da VI Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares foi possível promover a integração nas comunidades escolares no sentido de aproximar, reconhecer o fazer camponês seu modo de organização da existência em seu cotidiano pelo trabalho na terra, problematizar as relações econômicas, de mercado, também sociais e culturais que permeiam este território na busca por promover uma Educação Popular do Campo.

Demanda esta que está cada vez mais evidente e necessária, devido as discussões presentes nos mais diversos espaços como em Seminários, Fóruns da Agricultura Familiar, encontros entre entidades parceiras no município que repensam este contexto peculiar, conforme colocado anteriormente, reivindicações das comunidades escolares presentes em espaços como por exemplo, nos Conselhos Distritais e projetos de mini autoridades.

A comunidade camponesa pede que a escola pública no campo seja repensada, querem uma educação voltada para a sua realidade, que reconheça o seu trabalho no campo com suas facilidades e dificuldades, no entanto, reconhecendo sua relevância. Movimentos Sociais, sindicatos, instituições que vem trabalhando com projetos voltados a permanência das pessoas no campo como: EMBRAPA, EMATER, CAPA, também trazem para a discussão a preocupação com a garantia da agrobiodiversidade, segurança alimentar e nutricional, a sucessão familiar apontando para a escola como uma instituição que precisa urgentemente voltar seu processo de ensino e aprendizagem para o campo de forma diferenciada sem promover uma educação urbanizada neste território[7] que é específico.

Medidos por este princípio os Movimentos Sociais do Campo tem como conquista as Diretrizes e Bases para a Educação do Campo[8] desde 2001, o que expressa de um lado o reconhecimento da luta do campo, e de outro fortalece o movimento dispondo de suporte legal, que permite e outorga no cotidiano do ensino o repensar a educação que vem sendo ofertada ou construída nas escolas públicas. Assim, concordamos com a reflexão do autor ao trazer que

retomar o conceito de público significa repensar a autonomia da escola, significa repensar o papel intelectual do professor, significar pensar novas formas de organização democrática da escola e significa pensar em outra maneira da escola dialogar com o povo e com os trabalhadores (LEHER, 2014,p.176).                                

Avançando para a análise crítica dos abusos que acontecem com os camponeses(as) em detrimento do desenvolvimento do sistema capitalista, “não há como separar a escola da agricultura camponesa. É uma questão estratégica de desenvolvimento e modernização. É uma condição essencial da democracia” (ARROYO e FERNANDES, 1999, p.68).

Nesse sentido, o processo de participação supera a mera participação momentânea na Feira e promove uma movimentação constante no sentido da construção do projeto societário libertador a que se propõe o evento e o projeto educativo pautado na Educação Popular do Campo.

 

Referências:

ALTIERI , M. Agroecologia: as bases científicas para uma agricultura sustentável . 3ª. ed. rev. ampl. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.

ARROYO, Miguel Gonzalez. FERNANDES, Bernardo MançanoA Educação Básica e o Movimento Social do Campo: por uma educação básica do campo. v.2. DF: Editora Universidade de Brasília, 1999.

III Conferência Internacional de Agroecologia. Acessado em 08/08/2014: http://eiabotucatu2013.blogspot.com.br/;

Censo do IBGE de 2010. Acessado em 08/08/2014: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=43&dados=0;

LEHER, Roberto. Atualidade da Política Pública Educacional e Desafios da Educação dos Trabalhadores. In. PALUDO, Conceição. Campo e Cidade em busca de caminhos comuns. Pelotas: UFPEL, 2014.

FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido. 6.ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978;

 


[1] Uma versão prévia foi publicada no II SIFEDOC – Seminário Internacional da Educação do Campo em 2014 – UFSM.

[2]Professora, mestra, doutoranda em Educação.

[3] Mestra e doutoranda em  Educação Ambiental

[4] Coordenadora pedagógica, mestranda em Ciências da Natureza.

[5] Professora, especialista em Física.

[6] É importante considerarmos que no município de Canguçu temos 64% da população residente no meio rural de acordo com o Censo do IBGE de 2010(acessado em 08/08/14) http://www.censo2010.ibge.gov.br/ sinopse/index.php?uf=43&dados=0) e de acordo com dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação e Esportes das 31 escolas municipais de Ensino Fundamental, 25 estão no meio rural. Mesmo neste contexto, cabe ressaltar que apesar de expressivos os números que compõem a área rural do município, o diálogo entre campo e cidade declara-se constante não só pela mesa dos consumidores urbanos, mas também pela relação familiar que se constitui na mista relação de trabalho,seja de filhos que não encontram alternativa no campo e se lançam para cidade em busca de emprego, seja pela própria formação acadêmica/profissional dos jovens que acabam os direcionando a ocupar espaços públicos no município.

[7]  Em análise de Fernandes (2008, p.52): “Na essencialidade do conceito de território estão seus principais atributos: totalidade, multidimensionalidade, escolaridade e soberania. Portanto, é impossível compreender o conceito de território em sua escolaridade, ou seja, em suas diversas escalas geográficas, como espaço de governança de um país, de um estado ou de um município, o sentido político da soberania pode ser explicitado pela autonomia dos governos na tomada de decisões. Quando nos referimos ao território como propriedade particular individual ou comunitária, o sentido político da soberania pode ser explicitado pela autonomia de seus proprietários na tomada de decisões a respeito do desenvolvimento desses territórios.

 

[8] De acordo com Bernardo Mançano Fernandes em “Educação do campo e território camponês no Brasil”, educação do campo e educação rural difere-se em vários aspectos. Para Mançano, “enquanto Educação Rural é um projeto externo ao campesinato, a Educação do Campo nasce das experiências camponesas de resistência e seus territórios”. Ainda conforme o autor, educação do campo trata-se de uma disputa de território imaterial, que pode em alguns momentos se tornar força material na luta política por territórios muito concretos, como, por exemplo, o destino de uma comunidade camponesa (2008, p.41).

SEMENTES CRIOULAS: CONHECIMENTO POPULAR, CIENTÍFICO E ESCOLAR[1]

 

Patrícia Rutz Bierhals– UFRGS[2]

patriciabierhals@yahoo.com.br  

Thaís Gonçalves Saggiomo – FURG[3]

thaisfurg@yahoo.com.br

  Simone Nunes Schulz – IFSUL-CAVG[4]

simonenunesschulz@gmail.com

Gislaine Fagundes – IFSUL-CAVG[5]

fagundesgislaine@yahoo.combr  

 

 

Resumo: O presente texto tem por objetivo refletir a participação das escolas municipais, estaduais e particulares na Mostra Educacional realizada durante a VI Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares em outubro de 2013, no município de Canguçu/RS, bem como, o amadurecimento coletivo na busca por evidenciar as contradições que se apresentam com relação a produção agrícola e as discussões destas relações na escola. Enquanto metodologia, trabalhamos com o estudo de caso, por tratarmos de um caso específico, visando reflexões qualitativas, fundamentadas no método dialético, tendo como centralidade a pesquisa participante. Chegamos a prévias conclusões que nos levam a compreender que a Soberania Alimentar é um direito dos povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar, assim manter a agrobiodiversidade tem sido preocupação constante e tem demandado ações educativas pautadas na Educação Popular do Campo.

 

A Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares vem acontecendo no município de Canguçu/RS desde o ano de 2002, visando a divulgação do trabalho de preservação de sementes que já vinha acontecendo e também possibilitar trocas de experiências de produção de Sementes Crioulas de todo o Estado. A Feira vem despertando na comunidade local a importância da preservação e conservação da biodiversidade, sendo um evento que chegou a reunir mais de 20.000 pessoas discutindo a necessidade da preservação da biodiversidade como um projeto de desenvolvimento sustentável, bem como, teve a presença de pessoas do país inteiro e de países latino americanos.

Neste texto, traremos a reflexão acerca da participação enquanto Secretaria Municipal de Educação e Esportes na organização da sua sexta edição em outubro de 2013, juntamente com outras entidades comprometidas com um projeto produtivo e societário condizente com a produção agrícola que garanta a autonomia dos sujeitos do campo, sua liberdade de escolha e manutenção das sementes crioulas, na produção da vida, da biodiversidade, da soberania e segurança alimentar e nutricional, enfim pautada na construção de um projeto societário libertador, conforme concepção freireana (Freire, 1978).

A Feira vem discutindo a ampla disseminação da transgenia no Brasil e no mundo, devido a preocupações como estas manifestadas na moção de repúdio contra o Projeto de Lei 5575/2009 no III Encontro Internacional de Agroecologia: Redes para a Transição Agroecológica na América latina em agosto de 2013.

 

A aprovação pouco cuidadosa do cultivo de transgênicos no país configura-se como um dos exemplos mais concretos de imposição tecnológica, que tem como resultado a degradação dos recursos naturais e o desrespeito aos direitos humanos, econômicos, culturais e sociais essenciais. Dentre as possibilidades de transgenia, uma das mais preocupantes em estudo e desenvolvimento pelas grandes multinacionais na área de sementes trata das Tecnologias de Restrição de Uso Genético, mais conhecida como tecnologia Terminator. Essa tecnologia visa desenvolver cultivares incapazes de germinar em sua segunda geração, ou seja, quando os grãos colhidos são replantados pelos agricultores - caracterizando o que popularmente se difundiu como “sementes suicidas”. A tecnologia visa reforçar a privatização das sementes, fortalecendo a capacidade de cobrança de royalties por parte das empresas, impedindo os agricultores de multiplicarem suas sementes e obrigando-os a adquirir em todas as safras sementes patenteadas”(acessado em: http://eiabotucatu2013.blogspot. com.br/).

 

 A discussão entorno do projeto societário que visa a autonomia dos trabalhadores em busca de uma nova ordem produtiva, permeia o meio rural e urbano do Município de Canguçu[6], estando conjuntamente em constantemente dialogo com o projeto educativo, que esta em desenvolvimento tendo como princípio a contribuição para formação de sujeitos capazes de se organizar e intervir na sociedade com conhecimentos necessário a materialização de  um projeto societário comprometido com  luta histórica da classe dos trabalhadores.

Nesse sentido, a participação na organização da VI Feira vai acontecendo de maneira a promover dentro dos espaços educativos discussões e reflexões com relação ao sentido da semente crioula no contexto das famílias do campo e da cidade. Objetivando neste trabalho, trazer para dentro da escola o modo de produção da existência das famílias de agricultores(as), bem como a relação destes sujeitos no contexto urbano. Relacionando desta forma, a unidade entre campo e cidade, que dentre outras questões intensifica seus encontros e desencontros com a comunidade urbana na mesa, no trabalho e na exploração no contexto societário que marginaliza, aliena e desumaniza a classe de trabalhadores, nos ditames do Sistema Capitalista.

A importância desta ação, no contexto formativo encontra-se na intencionalidade de que o saber escolar esteja e permaneça em constante diálogo com o saber local. Conhecimento que permite a comunidade escolar aprofundar coletivamente a leitura sobre a realidade, a percepção de situações-limites e a busca por ações capazes de transformá-las, provocando assim, o repensar do fazer pedagógico na escola e do fazer agrícola nas propriedades.

A partir desta motivação a Mostra Educacional realizada durante a VI Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares em outubro de 2013, teve como objetivo a participação das escolas municipais, estaduais e particulares com apresentações de trabalhos realizados na escola e comunidade escolar dentro do tema proposto: “CRIOULAS: Sementes que resgatam o passado e garantem a segurança alimentar do futuro”. Bem como, divulgar e permitir o compartilhamento de saberes e conhecimentos referentes a sementes crioulas, tecnologias populares, segurança alimentar e agrobiodiversidade.

ALTIERE (2012). discutindo os processos de integração dos agricultores a grandes empresas, influenciados pela Revolução Verde, ressaltou que a conservação e o manejo da agrobiodiversidade, tão importante para a segurança alimentar das comunidades rurais, podem não serem viáveis sem a preservação da diversidade cultural, visto que a substituição das sementes crioulas também representa a perda da diversidade cultural, uma vez que muitas variedades fazem parte de cerimônias religiosas ou comunitárias e a monocultura empregada afetou a diversidade da dieta alimentar criando preocupações nutricionais nestas comunidades. O produto desta ação de integração criou agricultores marginalizados pelo alto custo da aquisição das tecnologias, aumento do uso de agrotóxico trazendo consequências sérias para saúde e o meio ambiente, ineficiência dos materiais geneticamente melhorados ou modificados, não adaptados aos ambientes marginais em que vivem os agricultores mais pobres. Fatos estes que condizem com a proposta da Feira, em preservar a agrobiodiverdade e a diversidade cultural das comunidades locais.

O trabalho de organização do Evento junto à VI Feira de Sementes Crioulas, foi realizado por meio da mobilização das escolas, permitindo que as mesmas pudessem organizar as propostas já existentes ou ainda pudessem construir novas. Para tanto, aconteceram formações com professores voltadas para os temas da Feira e também nas escolas com alunos, foram distribuídos e divulgados materiais de apoio visando trazer conhecimentos a cerca dos temas propostos, também foram realizadas pesquisas no contexto local visando a reaproximação dos ambientes educativos para além das salas de aula. Uma das atividades que antecedeu na Feira foi a escolha do tema de acordo com o objetivo do evento, onde as escolas enviaram frases escritas por seus alunos(as), sendo uma delas selecionada.

Tivemos uma diversidade de experiências e trabalhos apresentados, muitos pautados em pesquisas realizadas junto da comunidade fazendo o resgate de sementes crioulas, buscando e vinculando esse conhecimento à soberania alimentar e a agrobiodiversidade.  Tivemos também a criação do Grupo de Guardiões Mirins e Juvenis de Sementes Crioulas durante a VI Feira que se constituiu com kits de sementes crioulas distribuídos para cada escola participante e outros vinte kits sorteados dentre os interessados presentes. E ainda, as escolas apresentaram e apreciaram as atividades artístico-culturais, visitaram o evento com a proposta de desenvolver uma atividade na escola.

Das escolas participantes na Mostra, professoras(es), estudantes inscritos e guardiões mirins e juvenis puderam conhecer a Bionatur-Sementes Agroecológicas em Candiota/RS e estiveram na Estação Experimental Terras Baixas da EMBRAPA em Capão do leão/RS, onde são desenvolvidas pesquisas referentes as sementes crioulas.

 Assim, no decorrer da caminhada que inicia no processo de organização da Feira, a participação em si e os momentos pós VI Feira já preparando para a VII Feira, são constituídos de reflexões, ações e novas reflexões, num movimento que busca efetivar a práxis, se desafiando a compreensão dos fatos que constituem a realidade para intervir nesse contexto visando transformá-lo. Neste movimento, vivenciamos experiências coletivas que buscam alternativas possíveis na qualificação do pensar e fazer pedagógico, bem como, do pensar e do fazer nas comunidades escolares.

Sendo assim, a partir da proposta inicial tivemos a mobilização e participação das escolas no evento expondo seus trabalhos e pesquisas, promovendo conjuntamente a aproximação e retomando a identidade camponesa em algumas comunidades. Os expositores da Feira, grande maioria guardiões de sementes crioulas, sentiram-se  muito valorizados e reconhecidos por ver e saber que as escolas estão engajadas na discussão de assuntos relevantes a todos aqueles que são agricultores(as).

Uma vez que a Soberania Alimentar e Nutricional é considerada como direito dos povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar. Logo, manter a agrobiodiversidade tem sido preocupação constante e tem demandado ações educativas pautadas na Educação Popular do Campo. Nesse sentido, foi organizado o Grupo Mirim e Juvenil de Sementes Crioulas que levaram para as suas comunidades kits a serem multiplicadas nas propriedades e estas novamente expostas na próxima feira, bem como estarem participando de formações e viagens para que possam compreender e adquirir conhecimentos a respeito do sentido de ser um guardião.

Dessa forma, concluímos que pela participação através da Mostra Educacional, bem como, na organização da VI Feira Estadual de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares foi possível promover a integração nas comunidades escolares no sentido de aproximar, reconhecer o fazer camponês seu modo de organização da existência em seu cotidiano pelo trabalho na terra, problematizar as relações econômicas, de mercado, também sociais e culturais que permeiam este território na busca por promover uma Educação Popular do Campo.

Demanda esta que está cada vez mais evidente e necessária, devido as discussões presentes nos mais diversos espaços como em Seminários, Fóruns da Agricultura Familiar, encontros entre entidades parceiras no município que repensam este contexto peculiar, conforme colocado anteriormente, reivindicações das comunidades escolares presentes em espaços como por exemplo, nos Conselhos Distritais e projetos de mini autoridades.

A comunidade camponesa pede que a escola pública no campo seja repensada, querem uma educação voltada para a sua realidade, que reconheça o seu trabalho no campo com suas facilidades e dificuldades, no entanto, reconhecendo sua relevância. Movimentos Sociais, sindicatos, instituições que vem trabalhando com projetos voltados a permanência das pessoas no campo como: EMBRAPA, EMATER, CAPA, também trazem para a discussão a preocupação com a garantia da agrobiodiversidade, segurança alimentar e nutricional, a sucessão familiar apontando para a escola como uma instituição que precisa urgentemente voltar seu processo de ensino e aprendizagem para o campo de forma diferenciada sem promover uma educação urbanizada neste território[7] que é específico.

Medidos por este princípio os Movimentos Sociais do Campo tem como conquista as Diretrizes e Bases para a Educação do Campo[8] desde 2001, o que expressa de um lado o reconhecimento da luta do campo, e de outro fortalece o movimento dispondo de suporte legal, que permite e outorga no cotidiano do ensino o repensar a educação que vem sendo ofertada ou construída nas escolas públicas. Assim, concordamos com a reflexão do autor ao trazer que

 

retomar o conceito de público significa repensar a autonomia da escola, significa repensar o papel intelectual do professor, significar pensar novas formas de organização democrática da escola e significa pensar em outra maneira da escola dialogar com o povo e com os trabalhadores (LEHER, 2014,p.176).

                                

Avançando para a análise crítica dos abusos que acontecem com os camponeses(as) em detrimento do desenvolvimento do sistema capitalista, “não há como separar a escola da agricultura camponesa. É uma questão estratégica de desenvolvimento e modernização. É uma condição essencial da democracia” (ARROYO e FERNANDES, 1999, p.68).

Nesse sentido, o processo de participação supera a mera participação momentânea na Feira e promove uma movimentação constante no sentido da construção do projeto societário libertador a que se propõe o evento e o projeto educativo pautado na Educação Popular do Campo.

 

Referências:

ALTIERI , M. Agroecologia: as bases científicas para uma agricultura sustentável . 3ª. ed. rev. ampl. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.

ARROYO, Miguel Gonzalez. FERNANDES, Bernardo MançanoA Educação Básica e o Movimento Social do Campo: por uma educação básica do campo. v.2. DF: Editora Universidade de Brasília, 1999.

III Conferência Internacional de Agroecologia. Acessado em 08/08/2014: http://eiabotucatu2013.blogspot.com.br/;

Censo do IBGE de 2010. Acessado em 08/08/2014: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=43&dados=0;

LEHER, Roberto. Atualidade da Política Pública Educacional e Desafios da Educação dos Trabalhadores. In. PALUDO, Conceição. Campo e Cidade em busca de caminhos comuns. Pelotas: UFPEL, 2014.

FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido. 6.ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978;

 

 

 


[1] Uma versão prévia foi publicada no II SIFEDOC – Seminário Internacional da Educação do Campo em 2014 – UFSM.

[2]Professora, mestra, doutoranda em Educação.

[3] Mestra e doutoranda em  Educação Ambiental

[4] Coordenadora pedagógica, mestranda em Ciências da Natureza.

[5] Professora, especialista em Física.

[6] É importante considerarmos que no município de Canguçu temos 64% da população residente no meio rural de acordo com o Censo do IBGE de 2010(acessado em 08/08/14) http://www.censo2010.ibge.gov.br/ sinopse/index.php?uf=43&dados=0) e de acordo com dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação e Esportes das 31 escolas municipais de Ensino Fundamental, 25 estão no meio rural. Mesmo neste contexto, cabe ressaltar que apesar de expressivos os números que compõem a área rural do município, o diálogo entre campo e cidade declara-se constante não só pela mesa dos consumidores urbanos, mas também pela relação familiar que se constitui na mista relação de trabalho,seja de filhos que não encontram alternativa no campo e se lançam para cidade em busca de emprego, seja pela própria formação acadêmica/profissional dos jovens que acabam os direcionando a ocupar espaços públicos no município.

[7]  Em análise de Fernandes (2008, p.52): “Na essencialidade do conceito de território estão seus principais atributos: totalidade, multidimensionalidade, escolaridade e soberania. Portanto, é impossível compreender o conceito de território em sua escolaridade, ou seja, em suas diversas escalas geográficas, como espaço de governança de um país, de um estado ou de um município, o sentido político da soberania pode ser explicitado pela autonomia dos governos na tomada de decisões. Quando nos referimos ao território como propriedade particular individual ou comunitária, o sentido político da soberania pode ser explicitado pela autonomia de seus proprietários na tomada de decisões a respeito do desenvolvimento desses territórios.

 

[8] De acordo com Bernardo Mançano Fernandes em “Educação do campo e território camponês no Brasil”, educação do campo e educação rural difere-se em vários aspectos. Para Mançano, “enquanto Educação Rural é um projeto externo ao campesinato, a Educação do Campo nasce das experiências camponesas de resistência e seus territórios”. Ainda conforme o autor, educação do campo trata-se de uma disputa de território imaterial, que pode em alguns momentos se tornar força material na luta política por territórios muito concretos, como, por exemplo, o destino de uma comunidade camponesa (2008, p.41).

 

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