17/10/2025

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo desvaloriza a titulação de mestres e doutores no quadro do magistério em função de cursos internos EFAPE e das plataformas digitais de formação.

Ivan Carlos Zampin;

 

Nos últimos anos, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEDUC-SP) tem sido alvo de duras críticas por parte dos professores, pesquisadores e sindicatos da categoria devido à forma como tem conduzido as políticas de valorização e progressão funcional dos profissionais do magistério. A principal polêmica recai sobre a desvalorização das titulações acadêmicas de mestrado e doutorado, obtidas em universidades reconhecidas nacional e internacionalmente, em contraste com a crescente ênfase atribuída a cursos internos da EFAPE (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação) e às plataformas digitais de formação continuada, como o Avamec e o Centro de Mídias SP.

O que se observa é uma mudança estrutural na política formativa: em vez de incentivar o aprofundamento científico e a pesquisa educacional, a SEDUC-SP tem priorizado formações de curta duração, padronizadas e mediadas por plataformas digitais, que muitas vezes reduzem a complexidade dos temas pedagógicos a um conjunto de vídeos e questionários. Essas formações, embora apresentadas como “inovadoras” e “tecnológicas”, acabam sendo instrumentalizadas como critério de pontuação funcional, recebendo peso maior do que anos de dedicação à pesquisa acadêmica.

Segundo os critérios de evolução para atribuição de aulas para 2026 já publicados, o bloco de Desenvolvimento, que inclui cursos EFAPE e programas internos, possui peso de 20%, enquanto a Titulação acadêmica (mestrado e doutorado) recebe apenas 7,5%. Assim, um professor doutor, que dedicou anos à pesquisa científica e à produção intelectual, obtém apenas 0,35 pontos, o mesmo que um participante assíduo em programas internos de curta duração. Essa assimetria revela uma contradição profunda entre o discurso de valorização da ciência e o modelo administrativo adotado, que privilegia o cumprimento de metas burocráticas em detrimento da produção de conhecimento crítico.

As plataformas digitais reforçam esse paradoxo. Embora ampliem o acesso à formação continuada, sua estrutura massificada e homogênea reduz o papel do professor a mero espectador de conteúdos pré-formatados, eliminando o espaço para a reflexão filosófica e o debate intelectual. Muitos docentes relatam que essas formações se tornaram obrigatórias e repetitivas, sem impacto real na prática pedagógica. Além disso, a pontuação obtida por meio dessas plataformas é frequentemente maior do que aquela derivada de cursos de pós-graduação stricto sensu, configurando um modelo tecnocrático de progressão, centrado em certificações automáticas e não no mérito acadêmico.

Essa lógica cria um cenário paradoxal, ao mesmo tempo em que o governo estadual adota o discurso da inovação e da modernização digital, promove uma redução epistemológica da formação docente. Em vez de fortalecer a pesquisa e o pensamento crítico, as políticas atuais estimulam uma formação voltada à obediência procedimental e à reprodução de políticas centralizadas. O professor deixa de ser um intelectual autônomo para se tornar um executor de tarefas, certificado por algoritmos e registros digitais.

Universidades públicas como USP, UNESP e UNICAMP, além de associações científicas, têm alertado para o perigo desse esvaziamento acadêmico. A APEOESP também denuncia que as plataformas digitais, embora apresentadas como alternativas democráticas, acabam substituindo o diálogo presencial e o pensamento reflexivo por processos automáticos de validação, gerando uma ilusão de formação contínua.

A contradição é, portanto, evidente, pois em vez de valorizar o professor como sujeito pensante e produtor de conhecimento, o Estado paulista está transformando a formação docente em um sistema de controle digital e pontuação mecânica. O resultado é uma educação cada vez mais distante de seu ideal humanista, onde o saber é substituído pela técnica, e a reflexão pela burocracia. Se essa tendência não for revista, a docência corre o risco de perder seu caráter intelectual e emancipador, tornando-se mera engrenagem em uma máquina de instrução padronizada, desconectada da essência filosófica, ética e social da educação.

Essa política de substituição da formação acadêmica crítica por cursos padronizados e digitais reflete um movimento mais amplo de tecnocratização da educação pública, em que a eficiência quantitativa se sobrepõe à qualidade formativa. Ao privilegiar as formações ofertadas pela EFAPE e pelas plataformas digitais, a Secretaria de Educação adota um modelo gerencialista inspirado em métricas empresariais, que transforma a docência em um campo de desempenho mensurável por pontuações, certificados e horas de vídeo assistidas. Essa lógica ignora o papel epistemológico do professor enquanto intelectual orgânico, produtor de saber e mediador cultural, e reduz sua atuação a um operador de ferramentas pedagógicas predefinidas.

Muitos estudiosos da educação e da filosofia contemporânea mais uma vez, alertam para esse fenômeno. Ele constitui uma forma de colonização tecnológica da prática docente, em que a autonomia intelectual é gradualmente substituída por uma dependência institucional das plataformas e dos algoritmos de avaliação. A formação, antes um processo dialógico e reflexivo, torna-se um procedimento administrativo de cumprimento de metas, desvinculado da realidade da sala de aula. Nesse cenário, a pesquisa acadêmica e a titulação stricto sensu perdem espaço político e simbólico, o que desestimula professores a seguir carreiras científicas e compromete a produção de conhecimento educacional de base sólida.

Ao invés de consolidar um sistema de formação permanente que una tecnologia e pensamento crítico, o Estado paulista constrói uma estrutura que valoriza o treinamento sobre o saber, o cumprimento sobre a reflexão, e o controle sobre a liberdade intelectual. Essa contradição ameaça não apenas a valorização profissional do magistério, mas também a própria missão pública da escola, a qual haveria de ser, o ato de formar cidadãos críticos, éticos e conscientes de seu papel na sociedade.

 

Ivan Carlos Zampin:  Professor Doutor, Pesquisador, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio e Gestor Escolar.

Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×