28/09/2016

Resenha crítica da obra: “Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral” de Friedrich Nietzsche

Emerson Benedito Ferreira[1]

Em 15 de outubro de 1844, na cidade de Róquen, nasce Friedrich Wilhelm Nietzsche. Já com cinco anos de idade, perde o pai. Em 1858, recebe uma bolsa de estudos da escola de Pforta, terminando seus estudos nesta mesma escola em 1864. No ano seguinte, tem seus trabalhos de filologia publicados e com apenas 25 anos, conquista a cátedra de filologia clássica na Universidade de Basiléia. Entre 1872 a 1888, publica várias obras, dentre elas, ‘O nascimento da tragédia’ – 1872, ‘Humano, demasiado humano’ – 1878, ‘O andarilho e sua sombra’, 1880, ‘Aurora’ – 1881, ‘A gaia ciência’ – 1882, ‘Assim falou Zaratustra’ – 1883, ‘Para além do bem e do mal’ – 1886, ‘O caso Wagner’, ‘Crepúsculo dos ídolos’ e ‘Nietzsche contra Wagner’ – 1888.

Em 1879, Nietzsche abandona a cátedra na universidade por questões relacionadas à sua saúde. Em 1889 é internado em uma clínica psiquiátrica. Perde a mãe em 1897. Morre em Weimar, no dia 25 de agosto de 1900 com 55 anos[2].

A obra ‘Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral’ foi escrita em 1873, época em que o jovem filósofo ainda era professor na Universidade da Basiléia. No estilo filosófico com um sentido de escrita que se aproxima do poético, e metaforicamente, faz o autor a introdução de seu texto por meio de uma fábula. Nela Nietzsche discorre sobre a invenção do conhecimento. Na fábula, tal invenção se dá por ‘animais inteligentes’ em um astro perdido entre tantos.

Nietzsche com tal fábula faz crer o quão efêmero é o conhecimento humano se comparado ao tamanho do universo, a mísera duração desta criação se comparada com os milênios do universo e como é banal o intelecto do homem quando posto frente a frente com a natureza. Mas, para o intelectual, em especial o filósofo, esta fábula perde sentido, pois ele é tomado de orgulho e sente-se como o mais importante do infinito.[3] Mas, para Nietzsche, o intelecto é apenas um meio de afirmação dos mais fracos, ou seja, é através do uso do intelecto que os “menos robustos, se conservam"[4], e em seu jogo, em sua falsidade, usa do intelecto para se manter na disputa e manter acesa a sua chama de vaidade que ele administra como ‘verdade’. Então, este intelectual, não só usa do intelecto para sua sobrevivência, mas também necessita dele para viver em sociedade, para pregar a paz, evitando assim a guerra de todos contra todos, um tratado de paz que é o primeiro passo para se encontrar a verdade.[5] E neste sentido, fixa-se o que é a verdade, ou seja, uma designação uniforme e a partir deste momento obrigatória das coisas, aparecendo necessariamente o contraste entre verdade e mentira. Mas Nietzsche entoa que o homem só poderá supor que existe uma verdade através do esquecimento do que já lhe foi posto como conhecimento, pois as palavras são somente convenções[6].

O conceito é outra preocupação do autor. Diz ele que erradamente “todo conceito nasce por igualação do não-igual”[7], mas, que nada é definitivamente idêntico, pois uma folha poderá diferir de outra, inobstante o conceito genérico que comumente é dado a ela, erroneamente igualando-a a todas as outras da mesma forma. Portanto,  ao desconsiderar o individual, cria-se o conceito no genérico.

Mas, o que seria a verdade então. Questiona: Seria a verdade “um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas (...)”. E ele mesmo responde: “as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”[8]

Nietzsche nos apresenta, no final de seu trabalho, uma diferenciação entre o homem racional (conhecimento por conceitos) do homem intuitivo (de agudeza direta)[9]. O homem intuitivo pode ser o homem da Grécia antiga – afirma Nietzche. Ignorando as ciências racionais, povos antigos manifestavam o seu conhecimento por meio do mito e da arte. Diz o autor, diferenciando-os que: “enquanto o homem guiado por conceitos e abstrações, através destes, apenas se defende de infelicidade, sem conquistar das abstrações uma felicidade para si mesmo, enquanto ele luta para libertar-se o mais possível da dor, o homem intuitivo, em meio a uma civilização, colhe desde logo, já de suas intuições, fora a defesa contra o mal, um constante e torrencial contentamento, entusiasmo, redenção (...)”[10].

Com estas palavras, o autor parece contemplar que, embora o homem racional se orgulhe de possuir o intelecto a seu favor, fazendo uso constantemente das ciências, os Gregos antigos eram privilegiados pois usando do mito e da arte, da criatividade, transformavam sua existência em algo mais suave, em contraste com a torpeza do homem racional que abandonou arte e mito para viver na mentira e no faz de conta. 

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Referências:

NIETZSCHE, F. W. Sobre verdades e mentiras no sentido extra-moral (Obras incompletas). Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres filho. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

NIETZSCHE, F. W. Escritos sobre história. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

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[1] Bolsista CNPq. Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Desenvolve investigações vinculadas à linha de pesquisa “Diferenças: relações étnico-raciais, de gênero e etária” e participa do grupo de estudos sobre “a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença” vinculado à UFSCar. É também Advogado, especialista em Direito Educacional e Filosofia da Educação pela FESL.

[2] NIETZSCHE, 2005, p.6.

[3] NIETZSCHE, 1983, p.45.

[4] NIETZSCHE, 1983, p.45.

[5] NIETZSCHE, 1983, p.46.

[6] NIETZSCHE, 1983, p.47.

[7] NIETZSCHE, 1983, p.48.

[8] NIETZSCHE, 1983, p.48.

[9] NIETZSCHE, 1983, p.51.

[10] NIETZSCHE, 1983, p.52.

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