18/08/2020

Resenha crítica da obra: “Escrever é preciso: o princípio da pesquisa” de Mario Osório Marques

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MARQUES, M. O. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. 5 edIjuí: Editora da Unijuí, 2006, 154 p.

Patrick Salazar da Silva[i]

Mara Lucia Teixeira Brum[ii]

 

Em seu primeiro capítulo, A questão é começar, são apresentadas estratégias sobre como iniciar a escrever um texto, levando em consideração o fato de que é como se estivéssemos em uma conversa, sendo necessário quebrar o gelo com interlocutores os quais nem sabemos quem são, mas que, uma hora ou outra, irão fazer parte dela. O autor ressalta que é necessário se dedicar à escrita em vários âmbitos e que, quando menos se espera a criatividade chega e tudo se torna bem mais fácil. Também é preciso buscar referência sobre o tema que desejamos escrever sobre, sendo mais eficaz na hora em que formos redigi-lo para que este contribua significativamente e dialogue com o texto para não se tornar apenas citações soltas fora de contexto.

O apoio bibliográfico se deve buscar na hora do escrever, para que seja inspiração, ajude a sair dos impasses, a descortinar novos horizontes e caminhos, não em simples cópia, ajuntamento de citações artificialmente arranjadas para ostentar erudição. As leituras de apoio devem ser pontuais e pontuadoras, isto é, devem ocorrer no momento preciso e circunscrever-se ao assunto da conversa, com o destaque do que parecer pertinente ao caso. (MARQUES, 2001, p. 22)

Esta bibliografia não deve ser muito abundante em nossa bagagem inicial, pois conforme a utilizamos irão surgindo novas discussões e iremos encontrando mais complementos para a conversa. Além disso, Mário evidencia a importância de se ter consigo a gramática e o dicionário de forma a ampliar o vocabulário do escritor e enriquecer a escrita.

No segundo capítulo, Navegar é preciso – A mágica aventura do escrever, o autor relaciona o ato de escrever com o poema de Fernando Pessoa intitulado “Navegar é preciso”. Osório destaca contribuições da Psicanálise de Freud e Lacan e de outros estudiosos como Humbold, Husserl e Austin para demonstrar a historicidade da escrita e sua capacidade de produzir significados e construir sentidos. Para ele, a escrita precede o escrever, portanto, traços deixados pelo homem em diversos momentos históricos podem ser interpretados por outras pessoas, mas talvez não tenham pressuposto a existência de um leitor.

É evidenciada no livro a importância de o escritor possuir imaginação fértil e que dela possam surgir juntamente às experiências do indivíduo, inspiração para a escrita. Dessa maneira, estão imbricadas as razões imaginária e discursiva que, unidas, compõem a organização humana na escrita e na fala.

É esse riquíssimo reservatório social e de seu próprio imaginar que recorre o escrevente que não se queira reduzir a mero copista de ideias ou frases alheias ou mesmo do que ele próprio já pensou de pensamento pensado. Da experiência imaginativa se origina o ato de escrever e por ela abrem-se caminhos novos. No escrever a imaginação produtiva é poder ativo espontâneo, processo que se inicia em si mesmo, através de sua própria mediação interna. [...]. (MARQUES, 2001, p. 53-54)

Também são discutidas no livro, agora no terceiro capítulo, A obra do escrever no périplo de seu encontro com o leitor, as diferentes fases da escrita através dos séculos, desde a pictográfica (imagem física de um objeto que representa todos da mesma espécie) até a escrita alfabética (constitui-se por consoantes e vogais que são utilizadas para a representação de palavras de determinadas línguas). Assim, essa transformação não foi algo que aconteceu rapidamente, uma vez que a sociedade de nossos antepassados era, basicamente, orientada pela oralidade e que apenas alguns possuíam condições financeiras de possuir um escriba, aquele que copiava determinadas falas que necessitavam permanecer através da escrita na comunidade.

Essas relações transformadas entre a oralidade e a escrita fazem da escrita algo muito mais valioso do que se fosse ela simples codificação da linguagem oral. É ela um novo espaço de reconstrução social da realidade, das personalidades e da cultura, em que a educação assume nova relevância enquanto provocação de aprendizagens significativas. [...]. (MARQUES, 2001, p. 69)

Atualmente, segundo o autor, existem novas tecnologias que proporcionam a multiplicação dos textos através da impressão, o que exige do escritor maior confiança na editora, pois esta irá divulgar seu trabalho para muitas pessoas e não será mais somente uma cópia, como era feito em outros tempos. Nessa perspectiva, agora, o escrevente precisa pensar que possui uma variedade de leitores, com preferências diferenciadas e há uma necessidade de padronizar sua escrita para tentar adequar-se a esse público.

Marques coloca ainda que, ao escrever, o fato de o leitor não estar presente naquele momento faz com que o escritor sinta-se livre para argumentar, questionar, opinar sobre assuntos que, se estivesse conversando com alguém, não conseguiria. Durante esse processo, o escrevente terá a oportunidade de ler e reler seu trabalho buscando sempre sua melhora, reescrevendo-o quando necessário, fazendo pesquisa. Dessa maneira, depois de a escrita ser publicada, cada leitor irá ler interpretar o texto da sua maneira, refletindo sobre o que foi dito pelo autor sem a intervenção do mesmo, possibilitando que cada um, com seu conhecimento e experiências tenha um entendimento distinto. Portanto, Mário finaliza este capítulo dizendo:

[...] importa escrever para buscar o que ler; importa ler para reescrever o que se escreveu e o que se leu. Antes o escrever, depois o ler para o reescrever. Isso é procurar; é aprender: atos em que o homem se recria de contínuo, sem se repetir. Isso é pesquisar. (MARQUES, 2001, p. 90)

No quarto capítulo, intitulado Escrever, o princípio da pesquisa, o autor problematiza sobre o ato de escrever no âmbito da pesquisa e, segundo ele, para isso é necessário que determinemos um tema. Portanto, para ele, esta é uma escrita intencional que possui alguns objetivos:

Mas na pesquisa o escrever se torna regrado, conduzido por intencionalidades precisas: a) tematização, ou constituição do tema que se pretenda abordar, sob a forma de uma clara indagação feita à experiência que se vai conduzir, isto é, sob a forma de hipótese capaz de guiá-la de modo explícito e sistemático; b) a convocação de uma comunidade argumentativa; c) o desenvolvimento da interlocução de saberes no trabalho da citação sob a ótica da hipótese-guia e na forma de argumentação discursiva; d) nos passos andados e na versatilidade do método, a afirmação de um estilo; e) um processo permanente de sistematização, validação discursiva e certificação social, que perpasse todos os momentos da pesquisa em causa; f) a apresentação clara e objetiva da pesquisa com vistas ao entender-se o pesquisador com seus possíveis leitores interessados. (MARQUES, 2001, p. 91-92)

Segundo Marques, este tema deve ser considerado, pelo pesquisador, uma paixão, pois o mesmo deve ter prazer ao escrever e pesquisar tal assunto. Portanto, somente o próprio escrevente pode escolher sobre o quê deseja redigir, não podendo aceitar imposições alheias, de modo que o seu trabalho possua a sua identidade. Com isso, será possível interpelar os interlocutores que, de acordo com o livro, são de três tipos: os do campo empírico, os do campo teórico e os interessados à escuta.

O pesquisador deve saber modelar todos esses saberes, experienciais e teóricos, a fim de estruturar sua pesquisa, dessa forma, é necessário trabalhar em cada capítulo para, logo após, juntar todos para compor a obra final. Assim, o autor deve realizar leituras sobre seu próprio texto para refletir sobre a importância de cada tópico escolhido e, em sua perigrafia, sistematizá-lo em Título, Bibliografia, Notas, Sumário, Introdução, Conclusão e Prefácio, sendo recomendado por Mário seguir esta ordem de criação.

No último capítulo do livro, Escrita e pesquisa na universidade, Mário Osório Marques aborda a imposição da escrita feita pela escola e sua distinção da oralidade, pois para aprender a escrever é necessária a sistematização e intencionalidade dos processos de aprendizagem. A universidade é o espaço no qual os estudantes obtém iniciação científica, estão imersos no mundo da pesquisa e praticam a escrita, criando monografias e diversos outros materiais. Portanto, a pesquisa na universidade não pode estar presente apenas na pós-graduação, mas sim, desde o início da vida escolar para que o indivíduo questione, reflita, enfim, pesquise. Dessa forma, complementa o autor:

O processo formativo da pesquisa importa se faça fio condutor do sistema educacional, da educação infantil à universidade, da tesoura e cola com que se inicia a criança às artes do ler, escrever e pesquisar aos desafios dos experimentos de laboratório [...]. Não é suficiente permanecermos no nível das críticas que se fazem ao ensino informativo e enciclopédico [...]. Importa, isto sim, buscar um ensino mais formativo, com maior participação e empenho de alunos e professores, que compartilhem responsabilidades solidárias de investigação de temas que escolham como eixos da reconstrução de seus saberes. [...]. (MARQUES, 2001, p. 133)

O livro é muito interessante e o autor entende bem o sentimento de quem está iniciando a escrita, em que sentimentos de inquietação, ansiedade e angústia tomam conta do indivíduo. Além disso, traz conhecimentos muito válidos sobre a história da escrita, mostrando a transformação da mesma ao longo dos anos. Sua linguagem metafórica, distinta das demais, mostrou-se um tanto dificultosa de compreender no começo, porém, ao longo da leitura, tornou-se convidativa justamente pelo fato de mesclar a poesia com uma escrita do âmbito educacional.

Considero que, na sociedade atual e com as transformações que estão ocorrendo ao redor do mundo, seria ilógico se a escrita também não se modificasse, já que as tecnologias vêm ganhando força no século XXI e, portanto, precisa-se conhecer e praticar a escrita no mundo tecnológico. Assim, tanto para mim quanto para algumas pessoas, pode não ser tão confortável render-se à escrita diretamente no computador, pois ainda há escritores que prefiram o papel, mas não se pode negar os avanços nestes campos e, por isso, a relevância de estar sempre disposto a descobrir novos caminhos.

O texto se apresenta como um guia de como se deve escrever, por onde se deve começar e terminar. Contribuindo para o processo da escrita acadêmica, recomendo a todos aqueles que desejam se aperfeiçoar na arte de escrever, propiciando ao aluno entrar em contato com a escrita formal, vindo esse a criar interesse pelo ato de escrever.   

Reitero sob meu ponto de vista que o ato de ler agrega muitos conhecimentos, possibilitando olhar para o mesmo objeto de formas variadas, podendo analisá-lo por diferentes anglos. Desse modo, antes mesmo do escrever é indispensável desenvolver uma cultura de leitura nas escolas a fim de ampliar o repertório de saberes dos estudantes para que, assim, possuam fontes que contribuam para a sua escrita além daquilo que faz parte do seu cotidiano.

Portanto, acredito que, saber interpretar um texto ou uma obra é fundamental para o desenvolvimento acadêmico do pesquisador em qualquer área do conhecimento. Partindo desse pressuposto, é imprescindível que a pesquisa deva ser iniciada na Educação Básica, através de experiências do cotidiano e que o docente lhes forneça materiais para acrescer em sua aprendizagem e que desperte o interesse dos educandos sobre a mesma e sobre a escrita. Por fim, concluo que é pensando por este viés que a pesquisa ganha espaço na escola e que não continue sendo apenas algo exercido nas universidades, já que é algo muito enriquecedor em aspectos sociais e profissionais para a formação do indivíduo.

 

[i] Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande- FURG. patricksilva@furg.br

[ii] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFPel, Mestre em educação –UFPEL (2014); Especialista em Psicopedagogia Institucional pela UCB (2005) Especialista em Educação Infantil pela UCB (2004). Graduada em Pedagogia – FURG (1998), professora pesquisadora curso de Pedagogia EAD/UFPel/Pedagoga – Universidade Federal do Rio Grande – FURG. e-mail: marabrum@gmail.com

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