28/09/2016

Resenha crítica da obra: “Discurso do Método” de René Descartes

Emerson Benedito Ferreira[1]

René Descartes nasceu em 31 de março de 1596 em uma cidade chamada La Haye (Reino Francês). Foi criado pela avó, pois perdeu sua mãe com treze meses de idade[2]. Aos dez anos, foi mandado para um colégio interno jesuíta onde obteve os primeiros estudos. É importante destacar que em 1610, Descartes toma conhecimento de que Galileu teria descoberto as luas de Júpiter, o que colocaria por terra toda a filosofia escolástica de que a terra seria o centro de todo o movimento, teoria esta advinda da Bíblia e de Aristóteles e difundida com volúpia nas escolas Jesuíticas. Na juventude conhece Isaak Beeckman, figura que lhe influenciaria em seu interesse nos estudos da matemática[3]. Nesta oportunidade, já estava diplomado em Direito.  Diplomado, parte para uma série de viagens pela Europa decidido “a buscar somente o conhecimento que pudesse ser encontrado em mim mesmo ou no grande livro do mundo”[4]. Muda para Holanda em 1628 e lá permanece até 1649. Faleceu no dia 11 de fevereiro de 1650, de pneumonia, aos 53 anos, na Suécia[5].

Dentre várias obras, Descartes publicaria, em 1637 ‘O Discurso Do Método’, objeto de nossos estudos. O autor divide a obra em seis partes. É interessante notar que para expor a sua filosofia e explicar o seu método, Descartes faz uso de uma narrativa autobiográfica, contando sua própria história, narrando sua trajetória e todos os eventos que o possibilitaram a desenvolver sua teoria.

Na primeira parte da obra, grosso modo, o autor faz um apanhado de toda sua educação, das disciplinas auferidas no colégio, dos livros que teve oportunidade de ler fazendo algumas críticas sobre o que estudou e aprendeu. Já enfadado de tudo, resolve abandonar os estudos e buscar conhecimento nas próprias entranhas do mundo, viajando e conhecendo pessoas[6].

Na verdade, sua intenção primaz era apresentar um método (criado e seguido por ele) que conduzisse a razão do indivíduo em busca do que era verdadeiro, ou seja, o seu desígnio não era ensinar nesta obra “o método que cada qual deve seguir para bem conduzir sua razão, mas apenas mostrar de que maneira me esforcei para conduzir a minha[7]”.

Na segunda parte, o autor apresenta os argumentos que julga necessário para pavimentar o caminho que será utilizado para discernir entre o verdadeiro e o falso. Entoa que está mais próximo de ser verdadeiro o simples raciocinar de um homem de bom senso a respeito das coisas do mundo do que a ciência que está contida em livros que reúne opiniões diversas de várias pessoas[8]. Assim, Descartes entende que somos como um edifício projetado desde a infância por muitos arquitetos. Nesse raciocínio, conclui que se usássemos do raciocínio desde criança, o nosso relacionamento com o mundo poderia ser bem diferente do que se tem[9].

Deste modo, na busca de alicerçar o seu próprio juízo, Descartes cria quatro preceitos lógicos:

 1º: Jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal, isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção[10];

2º: dividir cada uma das dificuldades que eu examinar em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las[11];

3º conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos (...)[12];

4º fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nata omitir[13].

 

Com estes preceitos, Descartes mostra quão era sua desconfiança em relação a tudo que foi-lhe ensinado. Assim, seria preferível rejeitar todas as opiniões[14] para posteriormente readmiti-las. E os preceitos metodológicos seriam os fios condutores que prestariam auxílio para a busca do que é verdadeiro.

Na terceira parte da obra, Descartes formulará suas máximas. Diz ele que são necessárias, pois se vai reconstruir o seu próprio juízo, retirando deles velhas opiniões e crenças ultrapassadas, deverá imprimir em si uma postura provisória, uma moral provisória. Dividiu-as em:

1ª – obedecer às leis e aos costumes de meu país, retendo constantemente a religião em que Deus me concedeu a graça de ser instruído desde a infância, e governando-me em tudo o mais (...)[15];

2ª – ser o mais firme e o mais resoluto possível em minhas ações, e em não seguir menos constantemente do que se fossem muito seguras as opiniões mais duvidosas, sempre que eu me tivesse decidido a tanto[16].

3ª – procurar sempre antes vencer a mim próprio do que à fortuna, e de antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo; e, em geral, a de acostumar-me a crer que nada há que esteja inteiramente em nosso poder , exceto os nossos pensamentos (...)[17];

4ª – passar em revista as diversas ocupações que os homens exercem nesta vida, para procurar escolher a melhor (...)[18].

 

Na quarta parte, Descartes, para discernir entre o verdadeiro e o falso, “passa a rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida a fim de ver se, após isso, não restaria algo em meu crédito que fosse inteiramente indubitável”.[19] Descartes usa aqui a razão para entender as coisas do mundo, pois salienta que “os nossos sentidos nos enganam às vezes”[20]. Diz ele que se posso me enganar com as impressões de meus sentido ou de pensamentos que tenho quando estou acordado (pois posso ter os mesmos pensamentos quando estou dormindo), tudo que tenho em concreto são ilusões. Mas, uma coisa é verdade: se estou pensando, eu existo (eu penso, logo existo)[21]”. Assim, constata o filósofo que era ele “uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material[22]”. E se não depende de coisa material, não depende do corpo pois o que pensa é a alma. Então, para Descartes, a alma é “inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, ainda que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é”[23].

Mas, continua Descartes, conhecer é uma perfeição maior do que duvidar. Mesmo o raciocinar, o pensar, foi colocado em mim por algo superior - Deus[24].  

Na quinta parte, resumidamente, descartes utiliza de seu método para descrever corpos e vai dos inanimados até o do homem. Discorre sobre a possibilidade de que os homens, em seu início, eram desprovidos de almas[25], assim como os animais. Neste contexto, o coração dos homens era composto de fogos sem luz[26]. Por fim, Descartes reitera a independência da alma em relação ao corpo.

Na sexta parte, Descartes finaliza fazendo uma síntese de seu caminho percorrido nas cinco partes anteriores. Discorre que no início de sua caminhada procurou:

Encontrar em geral os princípios, ou primeiras causas, de tudo quanto existe, ou pode existir, no mundo, sem nada considerar, para tal efeito, senão Deus só, que o criou, nem tirá-las de outra parte, exceto de certas sementes de verdades que existem naturalmente em nossas almas.[27]

 

Depois, o filósofo entoa que examinou:

Quais os primeiros e os mais ordinários efeitos que se podem deduzir dessas causas: e parece-me que, por aí, encontrei céus, astros, uma terra, e mesmo, sobre a terra, água, ar, fogo, minerais e algumas outras dessas coisas que são as mais comuns de todas e as mais simples, e por conseguinte as mais fáceis de conhecer[28].

 

E seguidamente, Descartes diz que quando:

Quis descer às que eram mais particulares, apresentaram-se-me tão diversas, que não acreditei que fosse possível ao espírito humano distinguir as formas ou espécies de corpos que existem sobre a terra, de uma infinidade de outras que poderiam nela existir, se fosse a vontade de Deus aí colocá-las, nem, por consequência, torná-las de nosso uso, a não ser que se vá ao encontro das causas pelos efeitos e que se recorda a muitas experiências particulares[29].

 

Assim, Descartes finalizaria o seu Discurso do Método, obra que abriria caminho para outras pesquisas e outras publicações. Com esta obra, ele mudaria conceitos filosóficos, colocando a subjetividade como conhecimento do mundo e distinguindo o corpo da alma, ambos sacramentados em tempos passados. Na verdade, sua intuição seria criar uma nova ciência, ciência esta com ênfase particular na experimentação. Desejava, sobretudo que estes estudos fossem usados em prol da humanidade, melhorando-a naquilo que fosse possível.

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Referências:

COTTINGHAN, J. Descartes: a filosofia da mente de Descartes. Tradução de Jesus de Paula Assis. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

__________. Dicionário Descartes. Tradução de Helena Martins. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.

DESCARTES, R. Discurso do método; Meditações; Objeções e respostas; As paixões da alma; Cartas. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

 


[1] Bolsista CNPq. Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Desenvolve investigações vinculadas à linha de pesquisa “Diferenças: relações étnico-raciais, de gênero e etária” e participa do grupo de estudos sobre “a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença” vinculado à UFSCar. É também Advogado, especialista em Direito Educacional e Filosofia da Educação pela FESL.

[2] COTTINGHAN, 1999, p.14.

[3] COTTINGHAN, 1999, p.15.

[4] COTTINGHAN, 1995, p.12.

[5] COTTINGHAN, 1995, p.15.

[6] DESCARTES, 1979, p.31.

[7] DESCARTES, 1979, p.30.

[8] DESCARTES, 1979, p.34/5.

[9]DESCARTES, 1979, p.35.

[10] DESCARTES, 1979, p.37.

[11] DESCARTES, 1979, p.37/8.

[12] DESCARTES, 1979, p.38.

[13] DESCARTES, 1979, p.38.

[14] DESCARTES, 1979, p.36/41.

[15] DESCARTES, 1979, p.41.

[16] DESCARTES, 1979, p.42.

[17] DESCARTES, 1979, p.43.

[18] DESCARTES, 1979, p.43.

[19] DESCARTES, 1979, p.46.

[20] DESCARTES, 1979, p.46.

[21] DESCARTES, 1979, p.46.

[22] DESCARTES, 1979, p.47.

[23] DESCARTES, 1979, p.47.

[24] DESCARTES, 1979, p.47.

[25] DESCARTES, 1979, p.54.

[26] DESCARTES, 1979, p.55.

[27] DESCARTES, 1979, p.64.

[28] DESCARTES, 1979, p.64.

[29] DESCARTES, 1979, p.64/5.

 

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