22/10/2017

Resenha: Correspondência Psicanalítica

Resenha acadêmica descritiva

CHEMAMA,       Roland;      MARTINS,       Marilande.       CORRESPONDÊNCIA PSICANALÍTICA: Como poderíamos conceber  atualmente  a  formação psicanalítica? 2ª Ed. 2015, 92p.

 

FONSECA Mateus Morel[1] 

BRUM, Mara Lucia T[2]  

 

O livro é escrito por um psicanalista Parisiense, Roland Chemama, ex-presidente da Fundação Europeia para a Psicanálise e da Associação Lacaniana Internacional (ALI). Entre seus insignes escritos encontram-se o Dicionário de psicanálise (2007), Depressão, a grande neurose contemporânea (2007) e a obra Elementos lacanianos para uma Psicanálise no Cotidiano (2002). Marilande Martins Abreu, ao lado de Roland, escreve o livro, sendo esta uma psicanalista em formação na época da publicação, pela Escola de Psicanálise do Maranhão (EPM). A doutora Marilande é professora da Universidade Federal do maranhão- UFMA- associada ao departamento de Sociologia e Antropologia da universidade. Outra obra publicada por Marilande é o livro: Um olhar sobre a tradição: Relacionando campo religioso e campo intelectual (2009). Por meio de uma troca de correspondências entre um psicanalista experiente e uma psicanalista em formação, o livro compõe-se como uma obra de fácil leitura e compreensão. Perpassa com o olhar de duas culturas distintas- francesa e brasileira- aspectos referentes ao início da prática psicanalítica e procura trazer ao leitor ferramentas capazes de fazê-lo refletir e, por si só, encontrar as respostas que mais se adaptem a sua realidade; sustentando-se sempre em bases teóricas sólidas aliadas ao senso crítico e interpretatividade dos apreciadores da arte psicanalítica. O livro contém um prefácio escrito pelo PHD Fernando Hartmann, nota e index. Carta I: Roland responde Marilande, em carta, em que esta se questiona acerca de estar ou não preparada para encarar o lugar de analista em um caso clínico. Roland congratula Marilande por ter sido procurada e solicitada por um horário de atendimento. Ele destaca o fato do jovem solicitante ter se referido ao termo análise e conclui que este queria ser ouvido- não apenas ter buscado a solução para uma problemática pontual. Roland afirma que o jovem encontra-se pronto para ocupar a posição de analisante. Ele explica que o fato dela estar insegura quanto a prática é um fator positivo, já que crer que existam garantias quanto a prática psicanalítica é um erro. Ademais, segundo Roland, no Brasil, em muitos lugares, evidencia-se uma prática analítica próxima a comunidade, devido a resposta  desta  prática  a uma demanda real. Carta II: Marilande propõe a Roland que as correspondências entre eles tornem-se públicas, a fim de sanar as dúvidas de mais jovens analistas, compondo assim, um livro. Ele responde que ainda não está bem certo de que essa troca possa originar um livro. Roland explana sobre a ideia de -Passe- da escola Lacaniana, em suma seria a passagem “... da posição de analisante à de analista” (p.18). Discorre sobre a responsabilidade das associações psicanalíticas na formação de analistas, que preferencialmente não devem reconhecer profissionais despreparados (usa do termo charlatões), entretanto, explica que mesmo o analista mais bem preparado não é garantia de sucesso. Consoante a Roland, atualmente há uma mecanicidade entre as relações, pondo tudo a termos fixos, contratos. O papel do analista implica em auxiliar nas desconstruções dessas representações advindas de um mundo mecanicista “que no fundo excluem o inconsciente” (p.19). Carta III: Rolland sintetiza que “a formação...” psicanalítica “[...] não acontece na associação” (p.21). A formação de um analista, segundo o autor, se dá por meio de uma transformação de cunho subjetivo que perpassa desde uma “renúncia às vaidades narcísicas até uma verdadeira mutação em relação ao saber”. “O desejo do analista”, de acordo com Roland, é a nova posição subjetiva alcançada pelo analisante, através da prática analítica, viabilizando a sustentação da transferência, e ainda, da cura; “uma nova formação do inconsciente” (p.22). Durante a análise, acidentes de discurso do analisante são salientados pelo analista, com o intuito de romper com padrões discursivos. Rompendo com o narcisismo. Reitera que a instituição (associação psicanalítica) não deve levar seus membros a comportamentos contraditórios aos da próprio tratamento analítico, bem como, regras burocráticas. Carta IV: Roland menciona que “no Brasil, os melhores analistas são mais sensíveis do que nós  ao valor próprio do corte na via institucional” (p.25). Cita a psicanalista Marta Macedo, que discorre sobre a problemática das relações sociais que culminam numa ideologia igualitária; “essa implica que cada um esteja atento. Antes de tudo a proteger seu lugar e sua audiência social” não se importando de manter relação com a “verdade”. Ao final da carta escreve que o analista não “trabalha numa solidão orgulhosa” (p.28), todavia, se tem base na instituição e meio social em que está inserido. Carta V: O psicanalista faz referência ao autor Sérgio Buarque de Holanda ao rememorar o conceito de “homem cordial” associado como característica inata do povo brasileiro. Porém, essa cordialidade se oporia a polidez, espécie de contrato; regras, rituais. Conforme Holanda, aludido por Roland, o “brasileiro é habitualmente rebelde a tudo isso que pode lhe parecer uma convenção social” (p.30). Roland trata do processo linguístico de aproximação entre o “sujeito do outro” que ocorre. Reafirma que ao analisante igualar-se ao analista, não há análise. Ao findar da carta, evoca a impossibilidade de uma previsão antecipada, de uma codificação “do modo como é conduzido o diálogo analítico” (p.32). Carta VI: O autor trata neutralidade  em  ambiente  terapêutico.  Exemplificando  que ao aparecer no  seting terapêutico, a pessoa do terapeuta, poderia prejudicar a análise, causando um incômodo entre esta e o cliente, ou ainda, padronizando um modelo ideal de ser. Roland conta que Lacan, não se privava de mostrar-se tal como era, “e não procurava nunca se fabricar como um personagem artificial” (p.34). Antes da despedida, reflete acerca da ética psicanalítica, em que o tratamento apenas se orienta quando há uma finalidade neste. Carta VII: Roland analisa a questão do dinheiro entre a relação analisante-analista. Propõe que devido ao neoliberalismo, a exploração torna-se uma prática tão presente no cotidiano das pessoas que estas tornam-se desconfiadas, problematizando, de forma reflexa, a remuneração do analista. Pondera que os analistas devem cobrar um valor, não irrisório, dos clientes (para que o cliente valorize este trabalho, e ainda, não se sinta endividado); todavia, considera que a análise não deve possuir um valor impossível de ser pago, para que não acarrete num afastamento das pessoas desta prática. Comenta que não cobra a primeira entrevista e que procura entender qual seria o “preço justo” para cada analisante, antes de fixá-lo. Carta VIII: Caso um analisante encontre-se impedido totalmente ou parcialmente de pagar a quantia correspondente a remuneração do analista, o autor, reflete que busca “considerar a natureza deste impedimento” (p.42). Se a dificuldade exprime “uma má vontade, uma agressividade inconsciente” (p42), Roland incita uma reflexão do cliente acerca deste fato, empenhando-se a não distanciar o analisante. Contudo, se a soma for maior que a quantia fixa, dá o troco sempre que possível, ou ainda, aceita uma quantia menor. Carta IX: Continuando o assunto da última carta, ilustra a situação de pacientes que se encontram em economias de perda (independentemente da situação financeira) que solicitam uma diminuição do valor da análise. Reiterando sua posição de provocar ao cliente uma reflexão acerca deste fato. Carta X: Ao tema dinheiro evocado em cartas anteriores, Marilande sintetiza, de acordo com Roland, que o paciente acaba por organizar formas repetitivas de comportamento, frente a temática abordada, acarretando gozo. O analisante encontra uma satisfação substitutiva sobre aquilo que a vida não o viabiliza durante as sessões analíticas. O autor remete-se ao pensamento de Freud sobre o princípio da abstinência, o qual afirma a pertinência de evitar essas satisfações substitutivas durante o processo analítico. Carta XI: Roland responde acerca dos questionamentos de Marilande referentes projeção de amor do analisante ao analista, e problemáticas afins. Disserta acerca da ideia de Falus, como objeto de poder. E as relações entre o Falus e os sexos, expondo que homens procuram, simbolicamente, a terem o Falus e mulheres, antes procuram ser. Carta XII: A disparidade em relação aos registros imaginário e simbólico relativos aos buracos do sujeito humano, citado por Lacan, entre homens e mulheres é abordado pelo psicanalista. Conforme Roland, a castração é encarada com maior negação pelos homens, “tentando suturar o buraco simbólico como aquele do imaginário” (p.58). E, as mulheres fazem menos frequentemente. Tendendo assim, a não suturarem (as mulheres) o que escutam com “uma representação que mesmo sem saber elas proporiam a seus analisantes” (p.58). Clarifica que a associação livre, como regra, tem como propósito evitar a censura, “o efeito de recalcamento sobre a palavra do sujeito” (p.59). Roland finda a carta interpretando que a prática psicanalítica não é atemporal e que concomitantemente a contemporaneidade dos discursos sociais há uma organização desta prática. Carta XIII: Prosseguindo ao que foi dito sobre a associação livre na carta anterior, o autor acrescenta que provocando o analisante a falar sobre tudo “o que lhe passa no espírito” (p.61) há uma maior probabilidade de instaurar-se discursos contraditórios. Como o lapsus. Fundamenta a respeito da “atenção flutuante”, uma escuta que busca “deixar-se surpreender” (p.58), já que o analista se esforça para não vincular de maneira particular uma importância especial para nada expresso pelo cliente. Carta XIV: Apoiando-se na literatura de Freud, Rolland, comenta acerca da transferência, que esta seria uma projeção de “sentimentos, desejos, afetos” (p.65), vividos pelo cliente durante a infância, para o analista. Ademais, Lacan considera, segundo o autor, a transferência “o motor do tratamento” (p.66). Carta XV: Aborda a problemática do tempo relacionado à prática psicanalítica. Fala sobre o direcionamento de um trabalho analítico menos focado “em explicações e queixas do analisante e mais com a estrutura de suas palavras” (p.72). Defende uma flexibilidade na duração das sessões. “O tempo do inconsciente não é tempo do relógio” (p.72). Carta XVI: Baseado em um caso clínico, o psicanalista pontua, primeiramente, que as resistências não são necessariamente fechamentos do inconsciente. Aborda também a ideia lacaniana que “o desejo do sujeito, é o desejo do outro” (p.75). Sendo que o outro é o inconsciente. O desejo, durante a análise, quando revelado, coincide ao desejo materno ou paterno. E por fim, que este desejo, para manifestar-se, necessita da figura do analista. Carta XVII: O tema “desejo do analista” é abordado no desenrolar da carta. Que seria a princípio uma resposta ao que seria era defendido pelos “teóricos da contratransferência” (p.77). Antes de despedir-se, pondera sobre a transferência do analista, que não se daria simetricamente a do analisante. Pois, o desejo e transferência do analista são “uma espécie de paixão a decifrar o saber do inconsciente” (p.80). Carta XVIII: Retomando a carta anterior, Roland, reafirma que o analisante ocupa-se de distinguir o objeto que motiva o seu desejo e reconhecer os significantes que percorrem sua vida. Reitera o posicionamento de Lacan sobre uma cisão entre significante e significado, e ainda, em “levar em conta a autonomia do significante” (p.82). Carta XIX: Na última carta do livro, Roland discorre sobre o significado da palavra paixão aplicado ao cenário psicanalítico. O autor ainda propõe uma reflexão: “O sujeito, paradoxalmente, é, para nós, responsável por seu inconsciente” (p.87). Partindo de uma afirmação lacaniana sobre a depressão, a qual mostra a psicanálise como um “remédio fornecido do exterior”[3](p.88), ou ainda, um “esclarecimento sobre a sua vida”(p88). O livro mostra a importância da troca de experiência entre profissionais, sendo a experiência fator importante para os novos analistas que desejam ingressar  ou exercer  a profissão.

 


[1] Graduando do curso de Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande- FURG. mateusmorelf@gmail.com

[2] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFPel, Mestre em educação –

UFPEL (2014); Especialista em Psicopedagogia Institucional pela UCB (2005) Especialista em Educação Infantil pela UCB (2004). Graduada em Pedagogia – FURG (1998), professora pesquisadora curso de Pedagogia EAD/UFPel ./ Pedagoga – Universidade Federal do Rio Grande – FURG . e-mail: marabrum@gmail.com

[3] O autor refere-se ao sujeito que sofre com a depressão que se propõe a ser analisante

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