REPENSANDO AS TECNOLOGIAS NA ERA DA INTERCOMUNICAÇÃO E DAS APRENDIZAGENS SOCIAIS
REPENSANDO AS TECNOLOGIAS NA ERA DA INTERCOMUNICAÇÃO E DAS APRENDIZAGENS SOCIAIS
RETHINKING THE TECHNOLOGIES IN THE ERA OF INTERCOM AND SOCIAL LEARNING
Antonio Carlos Basegio
Mestrando do PPG em Educação do UNILASALLE
Elaine Conte
Professora do PPG em Educação do UNILASALLE
elaine.conte@unilasalle.edu.br
Rosa Maria Filippozzi Martini
Professora do PPG em Educação do UNILASALLE
Resumo
Este estudo propõe uma reflexão hermenêutica acerca das possibilidades pedagógicas viabilizadas pela questão das tecnologias no contexto educacional, assim como de suas potencialidades de mudança social na contemporaneidade. Nesse sentido, percebe-se a relevância desses recursos nos processos educacionais e na formação dos novos contornos da heterogeneidade cultural, que surgem como sintoma social do impacto das tecnologias nas relações humanas. Desse modo, compreende-se que, na medida em que são estabelecidas ações de ensino e de aprendizagem reconstruídas discursivamente na aproximação humana, também está sendo proporcionada a inclusão social e digital. Para isso, urge que o sistema escolar repense sua práxis pedagógica e suas condições estruturais de funcionamento fetichizado, colocando-se em transformação com esse novo sujeito que vive em plena era da intercomunicação.
Palavras-chave: Tecnologias; Intercomunicação; Aprendizagens sociais.
Abstract
This study proposes a hermeneutical reflection on the pedagogical possibilities made possible by the issue of technology in educational settings, as well as its social change potential nowadays. In this sense, we see the importance of these resources in the educational processes and the formation of the new contours of the cultural heterogeneity, which arise as a social symptom of the impact of technology on human relations. Thus, it is understood that, in that actions are established teaching and learning reconstructed human discourse approach, also being provided social and digital inclusion. For this, it is urgent that the school system rethink their pedagogical praxis and its structural conditions fetishized operation, putting in transformation with this new guy who lives in the era of intercommunication.
Keywords: Technology; Intercommunication; social learning.
Introdução
De forma itinerante, a concepção de sociedade e os diversos setores educacionais, econômicos, políticos, sociológicos, dentre outros, têm se organizado de forma que a tecnologia funcione como um eixo norteador dos processos de mudança e indignação. Essa lógica evidencia que convivemos e discutimos a temática das tecnologias cada vez com maior intensidade, uma vez que estas já se encontram imbricadas no cotidiano da vida contemporânea, em defesa da dignidade humana e da democracia. Na verdade, os recursos tecnológicos existem desde os primórdios da humanidade, visto que o homem diferenciou-se dos outros seres vivos por sua capacidade de realizar operações mentais, as quais permitiram a produção de meios que garantiram sua evolução e sobrevivência ao longo dos tempos.
Em meados do século XX e despertar do século XXI surge o império da Sociedade da Informação. Este conceito define uma época de interconexões, quando o processo de globalização começa a se propagar e estabelecer um novo paradigma técnico e socioeconômico e, por conseguinte, trazendo novos contornos nas formas de vida do homem. Segundo Castells (1999), a revolução tecnológica deu origem ao informacionalismo e funcionalismo, tornando-se assim a base material desta nova sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação aberta tornaram-se supremos. Daí que no informacionalismo, as tecnologias assumem um papel de destaque em todos os segmentos sociais, permitindo o entendimento da nova estrutura social movimentada pela sociedade em rede de relações, e consequentemente, de uma nova economia de mercado, na qual a tecnologia da informação é considerada base indispensável na manipulação da informação e construção do conhecimento pelos indivíduos, pois “a geração, processamento e transmissão de informação torna-se a principal fonte de produtividade e poder” (CASTELLS, 1999, p.21). As redes sociais causam um movimento espontâneo via internet que penetra e perturba os espaços públicos institucionais ainda hoje burocratizados.
Destaca-se, que esse novo tempo tem adquirido outras dimensões e ressignificações, sendo também chamado de sociedade do conhecimento, que insere a educação na era da insegurança, uma vez que “a sociedade do conhecimento é uma sociedade da aprendizagem” (HARGREAVES, 2003, p. 37). Na perspectiva do autor, a produção do conhecimento - capital da tradição humana e recurso econômico da sociedade, depende da capacidade de seus membros se adaptarem às mudanças sociais, continuando a aprender de forma autônoma e coletiva em diferentes contextos culturais na era da internet. Já Fabela (2005) define como a sociedade da aprendizagem ou da cultura aprendente, na qual a pluralidade de atores contribui para a construção do conhecimento de forma contínua, processual e partilhada, numa perspectiva coletiva para além do sentido individualista de domínio da sociedade.
Em termos de sociedade pós-industrial, Bell (1977) considera que atualmente estamos vivendo uma revolução técnico-científica, em que a ciência e a técnica se constituem em forças produtivas predominantes, a sociedade seria sustentada na informação e as ideologias seriam supérfluas. Embora essas expressões apresentem sentidos diversos, elas traduzem o real impacto das tecnologias da informação e da comunicação na sociedade contemporânea, que são impelidas pelas redes digitais no ciberespaço. Tais debates trazem à tona o modo como tem sido organizado e expandido os meios multimidiáticos e informacionais, os quais padecem ao mesmo tempo às influências sociopolíticas e culturais do mundo contemporâneo.
Muitas discussões têm ocorrido acerca das tecnologias como um conhecimento humano, o qual não é neutro e tem sua origem nos contextos sócio-históricos da vida. Elas se constituem como um agir humano sobre o meio e o objeto, mas que também produzem ações que podem ser expressas através de diferentes linguagens no momento em que estabelecem interação. As tecnologias são importantes na vida, mas não implicam apenas em um problema técnico, de saber utilizá-las, e sim se justificam como enlaçador social para produzir novas formas de conhecimento prático ao longo da vida.
Para Heidegger (1999), a técnica moderna é um meio inventado e produzindo pelo homem, isto é, um instrumento de realização de fins industriais proposto pelo homem na sua relação com a natureza. Como instrumento propriamente dito, trata-se da aplicação prática da ciência moderna da natureza, fundada sobre um domínio particular no interior da sociedade. Mas, enquanto instrumento humano assim definido, a técnica moderna exige ser igualmente colocada sob o controle do homem, para que este consiga realizar a própria atividade humana. Assim, a fabricação das tecnologias visa tanto a determinação instrumental de manipular a técnica, quanto guiam o esforço antropológico em torno das necessidades a que elas servem. Tal concepção é justificada nas seguintes palavras:
[...] A civilização em si tem por finalidade cultivar, desenvolver e proteger o ser-homem do homem, a sua humanidade. É aqui que situa a mais debatida questão: será que a cultura técnica – e, por conseguinte a própria técnica –contribuiu em geral, e se sim em que sentido, para a cultura humana (Menschheitsbildung), ou arruina-a e ameaça-a. (HEIDEGGER, 1999, p. 17).
A experiência dos limites da técnica passa pela linguagem e pela ação do homem sobre o mundo, que, por meio das tecnologias simples ou complexas, requer planejamento e prática sistematizada cientificamente (KENSKI, 2011). Logo, desde a produção de brinquedos, alimentos, móveis, aparelhos eletrônicos e medicamentos, todas estas tecnologias têm como objetivo suprir as necessidades ou a produção de necessidades advindas da sociedade. Assim, esse processo corrente da técnica determina a cultura de cada período histórico, marcando a evolução da sociedade vigente. Portanto, a tecnologia constitui-se como o conjunto das ferramentas e as técnicas que correspondem aos usos que lhes destinamos em cada época. Desse modo, o uso de um equipamento em determinado tipo de atividade necessita de princípios científicos e práticos para efetivar seu caminho de reconstrução e renovação, uma vez que é parte da vida do homem, tanto nas formas de comunicar, agir e se relacionar com os outros e o mundo.
O surgimento do computador e da internet, possibilitaram a aproximação de fronteiras geográficas, quebrando inclusive antigas concepções de tempo e espaço. Como argumenta Lemos (2011), a globalização vem desarticular as fronteiras e os limites do sedentarismo, pois os novos dispositivos informacionais têm ampliado os deslocamentos físico e informacional. As mídias expandem a compreensão do mundo e do sujeito em redes de relação, produzindo intersubjetividade e experiências mútuas. Desde sempre, mídias produzem espacialização e subjetividade, historicizando-se pela escrita, pelo rádio, telefone, tevê, internet e pelas mídias digitais. Artefatos comunicacionais acentuam a mobilidade e aguçam a compreensão do nosso lugar no mundo e de nós mesmos. Isso se dá por tornar as informações acessíveis, seja por uma modalidade física maior (transporte), seja por uma modalidade informacional maior (mídia). (LEMOS, 2011).
Na atual sociedade, sob a égide da globalização, os meios de comunicação abalaram significativamente todos os espaços da vida social e a escola não passou incólume a essas mudanças. Desse modo, questionamos: de que forma a educação contemporânea tem sido instrumento dessas mudanças na comunicação, no acesso às informações e ao conhecimento? Nesse sentido, percebe-se que a crescente expansão das diversas tecnologias trouxeram novos desafios à educação, deixando muitas vezes a escola e seus professores bastante acanhados em relação às metodologias, abordagens e procedimentos diferenciados. Muitos desses educadores afirmam não dominar e até desconhecer as novas mídias digitais[1], tão presentes na vida e no vocabulário de boa parte dos educandos.
Nessa perspectiva, a escola como espaço transformador precisa atualizar suas práticas pedagógicas, valorizando a interdisciplinaridade e favorecendo a interconexão de conhecimentos. Para isso, necessita considerar os assuntos referentes ao cotidiano e ao de interesse de seus estudantes, os quais transportam consigo a imagem de um mundo que ultrapassa os limites do núcleo familiar, do professor e da própria escola. Portanto, compreende-se que a escola atual, na busca da sistematização do ensino e de suas práticas pedagógicas, pode encontrar nas tecnologias sua grande aliada. Porém, para qualificar o uso desses recursos, faz-se necessário que o professor tenha o entendimento para que eles servem, para que ele possa, de fato, favorecer o processo de ensino e de aprendizagem, bem como a inclusão social e digital de todos os atores presentes no cenário educacional, porque não adianta falar em inclusão tecnológica sem pensar antes em uma educação tecnológica. Nesse aspecto, cabe levar em conta a itinerância das tecnologias na configuração educacional para que esta se torne uma prática formativa e reflexiva, no sentido de construir e aprender com o outro, na dinâmica de cultivar o acesso ao conhecimento, que nos advém da linguagem compartilhada.
Assim sendo, é preciso que a escola consiga gerar um processo de mudança expressiva em sua organização, buscando desenvolver as novas disposições da sociedade atual. Por isso, acredita-se que nesse novo contexto educacional torna-se cada vez mais urgente a formulação de políticas públicas que venham repensar o currículo escolar, bem como as propostas metodológicas de formação de professores, para que se estabeleça uma relação dinâmica, criativa e de aprendizagem social. Em outras palavras, é condição sine qua non que a escola de hoje esteja permanentemente conectada em redes colaborativas de conhecimentos e de múltiplas relações, por meio de um processo dialógico que anime a força da disposição entre os sujeitos, as tecnologias e os mundos subjetivo, objetivo e social. Sendo assim, o ensaio propõe uma reflexão sobre a emergência das tecnologias, como recursos mediadores de saberes e de possibilidades pedagógicas de aprendizagens sociais na era da intercomunicação contemporânea.
Percursos das tecnologias
A força originária da técnica e das tecnologias não se apresenta para o mundo em eventos pontuais como se costuma dizer, mas se desdobra e se edifica mutuamente. Sobre a questão da técnica, Heidegger (1999) lembra que esta é caracterizada pela produção e o uso de ferramentas, máquinas e aparelhagem como um conjunto de instrumentos à ação do homem. Segundo ele, a técnica tem uma dimensão instrumental e antropológica, guiando esforços e relações como a física, como ciência experimental mediada por especulações científicas. Mas, o ponto crucial é descobrir a essência da técnica moderna, questionar os limites da instrumentalização e refletir sobre os desdobramentos e experiências, para desencobrir a técnica (da causalidade, do que é eficiente) e aprender a habitá-la por meio da linguagem. “Por isso, é preciso questionar a técnica, pois, questionar é a piedade do pensamento” (HEIDEGGER, 2002, p.38). Ou seja, a técnica não é essencialmente um puro fazer humano, pois isso resulta em dominar a técnica e ser controlado/dominado por ela (paradigma da instrumentalização), mas requer uma força que se desdobra no refletir sobre a técnica. O acesso à técnica nos advém da linguagem enquanto habitar o mundo e como atividade humana que cria, usa e ressignifica a própria técnica no deixar-viger, que é constitutiva da existência humana.
O homem é, assim, o ser que se comporta como o sendo, enquanto aberto e manifesto, porque o acontecimento fundamental é a visualização (Erblicken) da essência das coisas, criativa e antecipadora. Terminologicamente, nós dizemos: a maneira de ser homem é a existência. Somente o homem existe. (HEIDEGGER, 2007, p.185-186).
No tocante à tecnologia, Lima Júnior (2005) considera que esta tem uma gênese histórica e, como tal, é inerente ao ser humano, que a cria dentro de um complexo humano-coisas-instituições-sociedade, de modo que não se restringe aos suportes materiais, tampouco aos métodos (formas) de consecução de finalidades e objetivos produtivos. Ao não se limitar à assimilação e à reprodução de modos de fazer (saber fazer), ela torna-se um processo de aprender a pensar através do qual o ser humano autocria, a partir do que está disponível na natureza e no seu contexto vivencial, respostas aos problemas de seu contexto, superando-os. Nesse processo, o homem transforma a realidade da qual participa e transforma a si mesmo, descobrindo formas de atuação integradora e produzindo conhecimentos sobre elas, edificando assim novos horizontes de aprendizado mútuo da realidade.
Na maioria das vezes, quando se pensa em tecnologia, a primeira imagem que surge é a do computador, como um reflexo ou extensão do modo operativo de pensar humano, capaz de elaborar abstrações, dentro dos variados contextos encontrados, transformando a si mesmo e o mundo ao seu redor (LIMA JR, 2005). O funcionamento dos seus softwares (programas) são abstrações que ao serem utilizados pelo homem desencadeiam uma rede de acontecimentos e de significados. Cada programa representa algum sentido para o usuário, servindo-lhe como referência e permitindo-lhe encontrar soluções para problemas experienciados no seu contexto, alterando a realidade e a si mesmo. Todo esse processo é permeado de interesses, valores, possibilidades cognitivas, todos transitórios e diversificados, porém válidos.
A história tem nos mostrado que mudanças nos paradigmas tecnológicos impactam diretamente sobre os fatores sociais, políticos, econômicos, filosóficos e cognitivos do homem. A começar pela invenção da roda, do surgimento das caravelas, da criação da imprensa, da máquina a vapor e do advento da revolução industrial, uma nova forma de produção de conhecimento se estabeleceu. Logo, cada um desses eventos marcou e modificou profundamente o sistema de trabalho e de construção de outros recursos, trazendo também uma profunda alteração nas relações comerciais e educacionais. Sob esse prisma, observa-se que, desde o tempo do Australopithecus até chegar ao Homo Sapiens, a tecnologia se mostra importante nas questões relacionadas à sobrevivência e no progresso da espécie humana. Segundo Kenski (2011, p. 15), “as tecnologias são tão antigas quanto à espécie humana. Na verdade, foi a engenhosidade humana, em todos os tempos, que deu origem às mais diferenciadas tecnologias”.
Assim, a tecnologia pode ser compreendida como sendo todo o conhecimento que tenha a finalidade de equacionar problemas referentes às limitações do homem, tanto de caráter físico e intelectual. Ou seja, o homem se move impulsionado pela tecnologia, promovendo o desenvolvimento do mundo e, consequentemente, gerando o seu próprio desenvolvimento. Para Lévy (1998), a tecnologia faz parte da atividade humana, sendo uma linguagem que medeia as relações com o mundo. Como exemplo disso, temos os aparelhos eletrônicos, tão aliados do cotidiano do homem contemporâneo, como os celulares, os mp4, os computadores, secretárias eletrônicas, correios eletrônicos, listas, agendas, serviços eletrônicos e as redes sociais, que estabelecem e ampliam as possibilidades de comunicação e de interatividade.
Na verdade, a capacidade racional que o homem tem de integrar a episteme e a techné explica a grande diferença que há entre ele e os animais irracionais. Dessa forma, ao contrário daqueles que acreditam que as tecnologias são apenas recursos oriundos da internet, dos computadores, das sofisticadas máquinas da área médica, da construção civil, da robótica, da aviação e de tantas outras, nesse estudo, define-se a tecnologia como algo antropológico, simbólico, intersubjetivo e cognitivo. O conceito de tecnologia aqui adotado concilia a dimensão tecnológica e antropológica, no sentido de aprender a habitar o próprio mundo da linguagem.
Portanto, destaca-se que a tecnologia esteve e está presente em cada passo do complexo processo de desenvolvimento humano[2] e não se restringe a uma ferramenta, ou uma rede social. Lima Júnior (2005, p. 15) assegura ainda que a “técnica tem a ver com arte, criação, intervenção humana e com transformação. Tecnologia, em decorrência, refere-se a esse processo produtivo, criativo e transformativo”. Como já anunciava Marx (1987), quando o ser humano cria artifícios materiais e imateriais para atuar no seu meio pelo trabalho humano, transformando-o e ao transformá-lo acaba por modificar a si mesmo, ressignificando também o seu contexto e sendo ressignificado por ele. É possível inferir que a tecnologia torna o ser humano mais criativo, potencializando a intersubjetividade, que surge de complexos processos cognitivos, modificando esses mesmos processos no pertencimento mútuo.
É perceptível nos argumentos de muitos professores que a tecnologia apresenta-se a partir da intersubjetividade criativa do homem. Para esses profissionais, todas as ferramentas, utensílios e instrumentos elaborados resultam do desenvolvimento do conhecimento dos sujeitos em relação nos múltiplos momentos da história. Na verdade, existe uma relação imbricada entre homem, tecnologia, conhecimento e linguagem. Nesse sentido, pensar em tecnologia apenas como máquina ou aparelho é uma concepção reducionista, porque o homem ao criar um objeto desenvolve habilidades, ressignifica o conhecimento, como também ao manipulá-lo ele utiliza seu raciocínio, elabora operações mentais e suas capacidades intelectuais são modificadas no diálogo e na manipulação do conhecimento. Para Kenski (2011), a tecnologia é o conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam a um determinado tipo de atividade, como construir uma caneta esferográfica ou um computador, não importa, nessa tarefa o ser humano precisa pesquisar, planejar e criar o produto, o serviço, o processo. Assim, pode-se afirmar que o conhecimento está sempre presente na relação do homem com a linguagem tecnológica.
De outro modo, é possível pensar o uso da tecnologia apenas como facilitadora da transmissão de conhecimentos científicos organizados sistematicamente pelo professor. Essa situação fica caracterizada quando as tecnologias servem como ideologia de mercado associadas somente ao suporte de informação, tais como utilização de projetores de multimídia, televisão, vídeo, lousa digital, pendrive, etc. Nessa perspectiva, Pretto (1996, p.114) ressalta que “o uso como instrumentalidade esvazia esse recurso de suas características fundamentais, transformando-se apenas num animador da velha educação, que se desfaz velozmente, uma vez que o encanto da novidade também deixa de existir”. Para Adorno (2003), no que diz respeito à consciência coisificada, é preciso examinar a relação com a técnica quando os meios são fetichizados. Um mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva e não é questionada, como acontece atualmente, gera pessoas mecanizadas, que acabam perdendo o sentido humano da história, com vistas à emancipação.
Logo, o uso limitado da tecnologia não amplia a capacidade de reflexão e tampouco da autocriação de conhecimento, questionando os paradigmas educacionais vigentes. Assim, faz-se necessário repensar a tecnologia na educação como meio potencializador de aprendizagens sociais, desenvolvimento cognitivo e de acesso ao mundo, que advém da linguagem tecnológica como ponte integradora para o pensar humano na mobilização e reconstrução do conhecimento. Em relação a esta questão, Masetto, Moran e Behrens (2000, p. 171) advertem que:
[...] o professor que trabalha na educação, com a informática, há que desenvolver na relação aluno-computador uma mediação pedagógica que se explicite em atitudes que intervenham para promover o pensamento do aluno, implementar seus projetos, compartilhar problemas sem apresentar soluções, ajudando assim o aprendiz a entender, analisar, testar e corrigir erros.
Cada vez mais se torna evidente, que na sociedade contemporânea transmitir informações sem um esforço para pensar nas implicações sociais dos limites de tudo o que é técnico, fragmenta o conhecimento e a dimensão da atividade pedagógica. É preciso ir muito além, ou seja, se faz necessário ressignificar a questão da técnica a partir de um processo de ação e reflexão, em que ambientes planejados pelo professor permitam a reconstrução das tecnologias como disposição do que se desenvolve por uma construção coletiva. O professor, à medida que visualiza e propõem diferentes práticas pedagógicas, oportuniza que seus alunos passem da situação de sujeitos passivos à condição de agentes pensantes, numa perspectiva de conhecimento construído através de uma relação colaborativa e de construção mútua na força do desdobramento da práxis educacional. Sobre essa questão, destaca-se o papel social exercido pelo professor na promoção e compreensão da construção do conhecimento, tendo os processos de aprendizagem um potencial para novas habilidades e para o cultivo do crescimento das diferentes formas de linguagem.
No contexto atual a escola não pode mais ficar limitada a modelos de ensino que despreze todas as fontes de pesquisas da web, tais como as “redes sociais” e seu amplo sentido. Cada vez mais são acessadas as redes de relações, propagando, discutindo e trocando informações na força de uma grande reunião que anima, por meio dos diversos canais de pesquisas. A este fenômeno Castells (1999) denomina “sociedade em rede”, que tem como lastro revolucionário a apropriação da Internet, com seus usos e aspectos incorporados pelo sistema capitalista digital, situada num mundo repleto de possibilidades e caminhos, que é o mundo digital e do ciberespaço. Como lembra Lévy (1996), agora os “nativos digitais” trazem uma nova demanda para a educação, composta ainda por “imigrantes digitais”, que não tem ainda uma boa proficiência no que se refere à dimensão trazida pelas novas tecnologias. Sempre que a sociedade defronta-se com mudanças em suas bases sociais e tecnológicas, novas formas de aprender a habitar essas transformações são exigidas do professor.
Diante das novas tecnologias, por exemplo, não há mais espaço para verdades absolutas e, muito menos, para qualquer concepção de conhecimento que desconsidere a crítica e o questionamento. Nesse sentido, em sua defesa por uma escola mais comunicativa e democrática, Habermas descreve que a saída para essa condição passa pela desburocratização do processo pedagógico. “A constituição de uma legislação escolar deve embasar-se em procedimentos de tomada de decisão que considere todos aqueles envolvidos no processo pedagógico, como tendo capacidade de representar seus próprios interesses e de regular seus atos por iniciativa própria”. (HABERMAS, 1987a, p. 410).
Por conseguinte, é possível concluir que a tecnologia sofre a ação do homem, mas convive em perfeita simbiose, influenciando nas relações sociais, tornando a vida cotidiana mais simples e auxiliando na realização de muitas atividades humanas. Para que esse processo de fato aconteça no movimento antropológico do projetar-se da técnica, é preciso guiar todo o esforço pedagógico para ressignificar as aprendizagens sociais na encruzilhada da determinação tecnológica. Conforme assegura Kenski (2011, p. 41), “já não há um momento determinado em que qualquer pessoa possa dizer que não há mais o que aprender. Ao contrário, a sensação é a de que quanto mais se aprende, mais há para estudar, para se atualizar”.
Refletindo acerca desta questão, Paulo Freire (2002, p. 25), diz que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou sua construção”. A possibilidade de mudança requer novas posturas e práticas dos professores frente à educação tecnológica, onde todos possam ter acesso às informações e aos conhecimentos tecnológicos necessários, para tornarem-se cidadãos autônomos e emancipados, no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico. Assim, resistir ao desafio rumo a uma escola transformadora significa deixar nas mãos dos grupos dominantes uma educação tecnológica que não acontece, voltada apenas a interesses restritos a uma lógica do virtualizante. Nesse aspecto, Habermas (1987b, p. 70) indica que:
Não são, entretanto, novas tecnologias que demarcam o caminho do progresso de uma formação social nas etapas progressivas de reflexão; por seu intermédio se suprime o caráter dogmático de formas de dominação e de ideologias superadas, a pressão do quadro institucional é sublimada e o agir próprio à comunicação libera-se como (um) agir que promove a comunicação propriamente dita. Com isso, antecipa-se o objetivo de tal dinâmica, a saber: a organização da sociedade exclusivamente sobre a base de uma discussão livre de qualquer forma de dominação repressiva.
Talvez o ponto de partida para esse desafio esteja no reconhecimento dos limites das tecnologias na educação, a começar pela disposição constituída por incertezas, contradições, ambivalências e pelo subdesenvolvido sentido pedagógico atribuído às tecnologias, que requer um novo exercício de compreensão, de modo a favorecer a renovação da nossa capacidade de agir e educar no mundo. Com isso, podemos reconhecer que as tecnologias digitais nos fazem reaprender a conhecer, a nos comunicar, a debater, a ensinar, reaprendendo e ressignificando a integração dialógica do humano e do tecnológico nos processos de aprendizagem em transformação.
Referências:
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PRETTO, Nélson. Uma escola com/sem futuro: educação e multimídia. São Paulo: Papirus, 1996.
[1] O termo mídia digital refere-se à mídia eletrônica, que pode ser definida como o conjunto de veículos e aparelhos de comunicação baseados em tecnologia digital, permitindo a distribuição ou comunicação digital das obras intelectuais escritas, sonoras ou visuais. Meios de origem eletrônica utilizados nas estratégias de comunicação das marcas com seus consumidores, geralmente chamada de mídia digital. Assunto disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADdias_digitais. Acesso em: 20 Jan. 2016.
[2] Desde o evento do fogo mudanças sucessivas ocorreram na vida e nas relações humanas. A história comprova que após a descoberta do fogo, as relações foram ressignificadas e o homem passou a projetar novas formas de sobrevivência e hábitos. Nesse novo contexto, a carne dos animais caçados, que até então era consumida crua, passou a ser aquecida, originando outro sabor ao alimento. Da mesma forma, as noites frias tornaram-se mais suportáveis e esse mesmo fogo que apenas cozinhava, aquecia e protegia os corpos, passou a ser utilizado na metalurgia, provocando uma verdadeira revolução no desenvolvimento e nas relações socioculturais da época.