Psicanálise e Neurofeedback: Novas Perspectivas na Regulação Emocional.
Dulcinéia Alves Fernandes Fogari;
Mery Elbe Simões Ramalho;
Elza Maria Simões;
Ivan Carlos Zampin.
Resumo
O presente artigo propõe uma reflexão sobre as interfaces entre a Psicanálise e o Neurofeedback, investigando as possíveis contribuições dessa tecnologia para os processos de regulação emocional no contexto clínico. A partir de uma análise teórica, discute-se como o diálogo entre o inconsciente freudiano e os mecanismos neurofisiológicos da autorregulação cerebral pode ampliar as possibilidades terapêuticas contemporâneas. Argumenta-se que, embora se sustentem em paradigmas distintos, Psicanálise e Neurofeedback podem convergir no cuidado à subjetividade e na promoção de equilíbrio afetivo. Conclui-se que essa integração contribui para uma clínica mais sensível às dimensões simbólicas e corporais do sofrimento humano.
Palavras-chave: Psicanálise; Neurofeedback; Regulação emocional; Subjetividade; Clínica contemporânea.
1. Introdução
O avanço das neurociências nas últimas décadas tem produzido novos modos de compreender os fenômenos emocionais e cognitivos, abrindo espaço para tecnologias terapêuticas que atuam diretamente sobre o cérebro, como o Neurofeedback. Paralelamente, a Psicanálise mantém-se como uma das principais abordagens na compreensão da subjetividade e do inconsciente, sustentando o valor da palavra, da escuta e da transferência como instrumentos clínicos fundamentais.
Nesse cenário interdisciplinar, surge o desafio e a oportunidade de pensar como a autorregulação cerebral, promovida pelo Neurofeedback, pode dialogar com a regulação simbólica dos afetos proposta pela Psicanálise. Este artigo propõe discutir novas perspectivas na regulação emocional a partir dessa aproximação teórica, preservando o rigor epistemológico de cada campo, mas reconhecendo as pontes possíveis entre o simbólico e o neurofisiológico.
2. Fundamentação teórica
2.1 A regulação emocional sob o olhar psicanalítico
Desde Freud (1915), a Psicanálise compreende que os afetos não são apenas descargas biológicas, mas expressões do inconsciente, ligados à história de desejo e à dinâmica pulsional do sujeito. A regulação emocional, portanto, não se restringe a controlar emoções, mas envolve elaborar simbolicamente as experiências afetivas.
Autores pós-freudianos, como Winnicott (1965) e Bion (1962), destacam que a capacidade de regular emoções depende da presença de um ambiente suficientemente bom, que funcione como continente das experiências psíquicas. Assim, a função analítica pode ser compreendida como uma ampliação da capacidade de o sujeito “pensar seus pensamentos” e transformar angústias primitivas em representações.
2.2 O Neurofeedback e a autorregulação neural
O Neurofeedback é um método de treinamento cerebral que permite ao sujeito observar, em tempo real, seus próprios padrões de ondas cerebrais e aprender a modulá-los por meio de reforços visuais ou auditivos (HAMMOND, 2011). Baseado na neuroplasticidade, o processo visa promover o equilíbrio entre diferentes estados mentais tendo como foco, relaxamento e estabilidade emocional, sem o uso de medicamentos.
Estudos recentes indicam sua eficácia em quadros de ansiedade, TDAH e depressão (SCHAFFER; TEGELER, 2020). O princípio básico é que, ao oferecer feedback imediato das respostas cerebrais, o indivíduo desenvolve uma autoconsciência fisiológica, que repercute em maior controle emocional e bem-estar.
2.3 Psicanálise e Neurofeedback: diálogos possíveis
Embora Psicanálise e Neurociência partam de epistemologias distintas, ou seja, uma centrada na linguagem e outra no sistema nervoso, ambas se dedicam ao mesmo objeto, o sujeito em sofrimento. O Neurofeedback pode ser visto como um recurso complementar à escuta analítica, ajudando o paciente a alcançar estados de calma e estabilidade que facilitem o trabalho simbólico.
Do ponto de vista psicanalítico, o Neurofeedback não deve ser reduzido a uma ferramenta de correção comportamental, mas pensado como um instrumento auxiliar para favorecer o acesso às experiências inconscientes. A tecnologia atua no corpo, enquanto a Psicanálise oferece sentido ao que emerge dessa experiência promovendo uma integração entre o fisiológico e o simbólico.
3. Discussão
A aproximação entre Psicanálise e Neurofeedback sugere o surgimento de um modelo clínico ampliado, em que o inconsciente, o corpo e o cérebro são compreendidos de forma integrada. O Neurofeedback, ao contribuir para a regulação emocional, cria condições psíquicas propícias para o trabalho analítico, sobretudo em pacientes que apresentam ansiedade, impulsividade ou dificuldade de simbolização.
Por outro lado, a Psicanálise fornece ao Neurofeedback uma dimensão ética e subjetiva, lembrando que toda modulação cerebral está a serviço de um sujeito singular, e não de um ideal normativo de comportamento. Assim, o uso dessa técnica deve ser sempre acompanhado de uma reflexão sobre o desejo, a transferência e os significados emocionais que emergem na relação terapêutica.
Essa integração não propõe uma fusão entre os campos, mas um diálogo fecundo que respeita as diferenças epistemológicas e reconhece a complexidade do humano, que é simultaneamente biológico, psíquico e simbólico.
4. Considerações finais
A interlocução entre Psicanálise e Neurofeedback apresenta-se como uma abordagem inovadora e promissora no campo da saúde mental contemporânea, integrando dimensões subjetivas e neurofisiológicas do sofrimento humano. Enquanto a Psicanálise mantém seu papel fundamental como campo da escuta e da interpretação do inconsciente, o Neurofeedback oferece um caminho complementar para a autorregulação emocional e o equilíbrio do sistema nervoso. Essa convergência permite que o sujeito não apenas acesse suas questões simbólicas e históricas, mas também desenvolva uma base neurobiológica mais estável para sustentar esse processo.
Dessa forma, a articulação entre essas duas práticas não busca substituir uma pela outra, mas sim criar uma sinergia que potencializa os efeitos do tratamento. O Neurofeedback pode facilitar a abertura para o trabalho analítico, reduzindo sintomas como ansiedade e hipervigilância, ao passo que a Psicanálise garante que o sentido subjetivo dessas transformações seja elaborado. Essa integração representa um avanço significativo no cuidado em saúde mental, propondo um modelo que honra tanto a complexidade da mente quanto a materialidade do cérebro, sem reducionismos.
Assim, essa proposta contribui para uma clínica ampliada, sensível às demandas do sujeito moderno e às descobertas científicas atuais, reforçando que o cuidado emocional deve ser entendido como uma construção multidimensional, na qual corpo, cérebro e linguagem se entrelaçam de forma indissociável.
Essa perspectiva integradora responde a uma necessidade crescente de abordagens terapêuticas mais abrangentes, que considerem a totalidade da experiência humana. O paciente contemporâneo busca não apenas compreender suas origens psíquicas, mas também encontrar alívio para sintomas que muitas vezes se manifestam corporalmente. Através do Neurofeedback, é possível estabelecer uma base de regulação neurofisiológica que cria condições mais favoráveis para o processo analítico, permitindo que as intervenções psicanalíticas alcancem maior profundidade e eficácia.
Esta complementaridade entre as abordagens enriquece tanto a teoria quanto a prática clínica, oferecendo novos caminhos para o tratamento de condições complexas como trauma, depressão e transtornos de ansiedade. A união desses saberes demonstra que é possível transcender antigas dicotomias entre ciência e subjetividade, abrindo espaço para uma visão mais holística do ser humano. Desta forma, a clínica psicanalítica pode se renovar sem abandonar seus fundamentos, incorporando contribuições valiosas das neurociências para melhor servir aos que buscam cuidado emocional.
Referências
BION, W. R. Aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago, 1962.
FREUD, S. O inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1915.
HAMMOND, D. C. What is Neurofeedback? Journal of Neurotherapy, v.15, n.1, p.45–52, 2011.
SCHAFFER, S.; TEGELER, C. H. Neurofeedback: Mechanisms and Clinical Applications. Frontiers in Human Neuroscience, v.14, 2020.
WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1965.
Dulcinéia Alves Fernandes Fogari: Professora, Tecnóloga em Processos Gerenciais, Pedagoga, Psicanalista, Neuropsicopedagoga, Docente do Ensino Superior.
Mery Elbe Simões Ramalho: Pós-graduação em psicanálise, Pedagoga, Graduação em Artes, finalizando pós-graduação em neuropsicologia.
Elza Maria Simões: Bacharel em Administração de Empresas, Professora de Matemática, Matemática Financeira, Pedagoga, Graduado em Educação Especial, Especialista em Educação Especial.
Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio, Gestor Escolar e Especialista em Gestão Pública.