20/06/2023

PROTAGONISMO INFANTIL – O ato de aprender como forma de resistência

Protagonismo-infantil2

ALIPIO, Andréia Nunes Pereira.[1]

ARRUDA, Alexssandra Rodrigues de.[2]

MATOS, Ivonete Gonçalves de.[3]

BUENO, Solene Sousa Rodrigues.[4]

ROCHA, Valdinete Ribeiro.[5]


RESUMO

Contemporaneamente, os estudos acerca da infância enfatizam a importância da participação ativa das crianças em diferentes âmbitos, tanto nas demais práticas sociais em que estão inseridas como, também, sendo protagonistas de seus próprios aprendizados. Desde os anos 1980, pesquisadores têm contribuído com a concepção e o reconhecimento das crianças como sujeitos sociais e autores de suas próprias vidas. Tais estudos têm oportunizado aportes cruciais para repensarmos o papel que a criança possui frente às demandas da sociedade, que fazem parte do cotidiano infantil (FRIEDMANN, 2018). À luz dessa perspectiva, é fundamental propiciar caminhos em que as crianças exerçam seus direitos, sua liberdade de escolha e a compreensão mais profunda da situação das crianças por meio de suas próprias expressões e posicionamentos. Ainda segundo Friedman (2018), a concepção do protagonismo infantil tem um caráter social, ético, cultural, político e espiritual, que convida o universo adulto a repensar seu ponto de vista em torno da infância bem como suas práticas, ações e projetos no que concerne a sua inserção na sociedade. Sendo assim, analisamos no presente estudo, a relevância de possibilitar ao público infantil a garantia de exercitarem seu protagonismo na construção do seu conhecimento no contexto escolar e diante disso se faz mais que necessário também se fundamentar nos estudos do educador Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997), o qual foi o mentor da educação para a consciência: uma educação vista como prática de liberdade, pressuposto básico de sua prática pedagógica, sendo assim voltando-se ao protagonismo infantil é de fundamental importância supracitá-lo, uma ação cultural para a liberdade (FREIRE, 2003).

Palavras-chave: Protagonismo. Conhecimento. Construção.


INTRODUÇÃO

      A educação infantil também conhecida como ensino infantil, sofreu uma série de mudanças ao longo da história. As crianças de 0 a 6 anos somente passaram a ter atendimentos especializados a partir das mudanças sociais e econômicas que aconteceram no século XVIII e XIX.

      Como aponta Kuhlmann (2003), a Educação Infantil tem um sentido bem amplo, envolvendo toda a educação da criança na família, na comunidade, na sociedade e na cultura em que vive. As instituições de ensino surgiram durante a primeira metade do século XIX, em vários países do continente europeu, que envolveram o crescimento da industrialização e a urbanização. Com o advento da revolução industrial, com a substituição das ferramentas de trabalho pela máquina, houve uma necessidade de integrar as mulheres e crianças no trabalho das fábricas, este movimento trouxe um enorme impacto na sociedade daquela época, isso fez com que toda a classe operária se submeter ao regime das fábricas e das máquinas.

      Essas mudanças que a revolução trouxe para a Europa possibilitou a entrada em massa da mulher ao mercado de trabalho, mudando a forma das famílias de cuidar e educar. Com as fábricas funcionando o mais rápido possível, com o ingresso de algumas mulheres no mercado de trabalho, com duas jornadas e a crescente participação dos pais no trabalho nas fábricas, houve a necessidade de deixarem as crianças na responsabilidade de algum adulto, a partir desta necessidade que surgiu às primeiras organizações não instrucionais. As organizações adotavam atividades de canto e memorização que eram realizadas por mulheres em suas casas.

      Estes ambientes onde as crianças ficavam eram submetidas a maus tratos, naquela época era aceita essa violência para que as 5 crianças ficassem quietas, pois, a preocupação das famílias era sobreviver. Cada dia que se passa com as famílias trabalhando via-se mais e mais crianças nas ruas e precisando de cuidado. Foi assim que surgiram as primeiras instituições na Europa e nos Estados Unidos. Essas instituições tinham o objetivo de cuidar, higienizar, alimentar e dar assistência às famílias.

      A partir da segunda metade do século XIX, que surgiram as primeiras creches, asilos e orfanatos. No Brasil na década de 70, com o aumento das fábricas, iniciaram um movimento de mulheres que lutaram pelas creches, esses locais eram de caráter assistencialista, seu intuito era auxiliar as mulheres que trabalhavam. Dessa forma, é importante salientar que, mesmo que as crianças tenham sempre existido, a infância não existiu simultaneamente, conforme destaca Sarmento (2003):

A ideia de infância é uma ideia moderna. Remetidas para o limbo das existências meramente potenciais, durante grande parte da Idade Média, as crianças foram consideradas como meros seres biológicos, sem estatuto social nem autonomia existencial. [...] Daí que, paradoxalmente, apesar de ter havido sempre crianças, seres biológicos de geração jovem, nem sempre houve infância. (SARMENTO, 2003, p. 3)

 

      Somente em 1988 na Constituição Federal que a criança passou a ter direito a educação, foi a partir desse momento que o olhar para a criança mudou, a educação deixou de ser assistencialista e passou a ter um caráter pedagógico. Em 1990 com o estatuto da criança e do adolescente ECA, a Lei Federal 8069/90, que a criança foi reconhecida como um sujeito de direitos, somente na década de 90 que a educação passou a ser aceita como a primeira etapa da educação básica.

      A educação infantil passou a ser de responsabilidade dos municípios, sendo dividida em duas modalidades, creches e pré-escolas. A creche abrange a criança de 0 a 3 anos e a pré-escola de 4 a 5 anos. O termo creche é vinculado a uma educação em 6 tempo integral em que atende à criança de 0 a 3, este consiste em um espaço onde a criança tem uma assistência física e pedagógica. A pré-escola tem um funcionamento parecido com a da escola, está funciona em meio período.

      O ensino é obrigatório, não tem um currículo formal e desde 1988 tem como base o referencial curricular nacional da educação infantil. O referencial curricular Nacional da educação Infantil é um conjunto de reflexões sobre conteúdos e objetivos a serem alcançados na educação infantil. Esse é o que aproxima às práticas escolares a diversidade cultural, as Diretrizes Curriculares Nacionais e a LDBEN.

      As escolas são o espaço onde as crianças se desenvolvem diariamente, aprendendo sobre si mesmas e ao se relacionar com o próximo. Os alunos aprendem desde seus primeiros anos, muito mais do que os conteúdos disciplinares. Os professores e os métodos pedagógicos têm um papel relevante na transformação dos alunos, em cidadãos éticos, críticos e reflexivos. Para orientar esse trabalho tão essencial para a sociedade, o RCN foi substituído pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que atende toda à educação básica. A BNCC define competências que os alunos devem desenvolver em cada fase da educação. Em vigor desde 2018, a Base propõe que as crianças sejam protagonistas de seus próprios aprendizados, tendo cada vez mais a voz e a participação nos processos de aprendizagem.

 

PROTAGONISMO EM AÇÃO

      A palavra “protagonismo” segundo Ferreira (2004), vem da origem etimológica do termo “protagonistés”, do idioma grego, que representava um ator principal de uma peça teatral, uma qualidade do sujeito que se destaca em qualquer situação ou acontecimento. O uso desse termo é encontrado diferentes interpretações, alguns preferem usar “participação”, para propor "uma abordagem mais democrática na ação social, sem colocar em destaque um protagonista singular" (FERRETTI, ZIBAS, TARTUCE, 2004).

      O protagonismo dentro das práticas escolares tornou-se fundamental para que a criança tenha a possibilidade de perceber, interpretar, analisar, propor e agir em seu meio social. Essas práticas e vivências no contexto escolar traz um melhor desenvolvimento na construção do conhecimento, fazendo com que as crianças sintam se envolvidas, comprometidas e interessadas. Este tema traz instigação de novos estudos investigativos para melhor compreensão da criança protagonista em meio às práticas escolares da Educação da Infantil.

      Na perspectiva pedagógica de Loris Malaguzzi, a criança é valorizada em suas múltiplas potencialidades e atendida em sua individualidade. Malaguzzi foi pedagogo e educador de Régio-Itália, o criador da ideia de Reggio Emília, sendo até hoje um sistema educacional reconhecido mundialmente. Segundo Malaguzzi (1999) para que essa valorização da criança protagonista aconteça é preciso:

Reconhecer o direito da criança de ser protagonista e a necessidade de manter a curiosidade espontânea de cada uma delas em um nível máximo. Tínhamos de preservar nossa decisão de aprender com as crianças, com os eventos e com as famílias, até o máximo de nossos limites profissionais, e manter uma prontidão para mudar pontos de vistas, de modo a jamais termos certezas demasiadas. (MALAGUZZI, 1999, p. 62)

 

      Nesse sentido, para Malaguzzi (1999) em sua abordagem educacional a relação ensino e aprendizagem não tem apenas uma definição. Essa perspectiva traz um novo olhar para a educação e a sustentação da Pedagogia da escuta. 8 A pedagogia da escuta é uma prática pedagógica que trabalha com o agir livre da criança na sala de aula, tornando possível à criança a manifestação do protagonismo. Essa abordagem acolhedora reconhece o aluno como um sujeito de direitos, onde ele passa a opinar, expressar e interagir com o meio, possibilitando em suas decisões. Segundo Fillipini (2009) escreve que a imagem das crianças evoluiu a partir de nossas experiências junto a elas, cada criança é protagonista do seu conhecimento, que é construído quando está em convívio com o outro.

      A criança é aberta a reciprocidade, elas recebem e passam todo o seu conhecimento, com isso constrói o seu eu. Quando falamos sobre protagonismo temos um amplo campo de atuação das crianças nessa área. Contudo, é preciso ter atenção de não reduzir o protagonismo infantil à apenas uma participação em uma atividade, mas sim, permitir que o aluno dentro e fora do espaço escolar tenha a sua atuação ativa. Conceder esse espaço para o protagonismo não é tirar a responsabilidade do adulto no meio que aquela criança está inserida.

      A capacidade de tomar suas decisões sozinhas, ou seja, para que a criança se torne protagonista de suas ações dentro do ambiente educacional ela necessita exercer poder e participação. No momento dessas práticas que permitem a criança protagonista dentro e fora do ambiente escolar, é primordial serem orientadas, mesmo que de longe, o adulto, professor ou os pais precisam observar, somente quando necessário intervir na ação.

      Nas práticas escolares à criança reconhecida como um sujeito de direitos, exercendo influência no espaço escolar, na aprendizagem, durante a sua participação, ou seja, ela interage no seu processo de ensino e aprendizagem.

 

PRINCIPIOS DA PARTICIPAÇÃO FRENTE AO PROTAGONISMO INFANTIL

      Os princípios da Participação e do Protagonismo Infantil ganharam grande visibilidade quando, juntamente com outros dez princípios, foram dando forma ao que os autores italianos denominaram de progettazione (sem tradução para o português).

      Escolheram preservar a palavra original, pois, conforme Rinaldi (2012), é difícil encontrar um termo exato para descrever os processos que se dão na cidade de Reggio Emília/Itália. Alguns escritores ingleses empregaram diversas expressões para denominar a maneira como os professores em Reggio Emília trabalham e planejam com as crianças, seus colegas docentes e pais de alunos. No entanto, Rinaldi salienta que prefere manter a palavra progettazione, na sua originalidade, para denominar a forma de trabalho encontrada nestas escolas.

      A autora ainda acrescenta que este conceito representa uma abordagem elaborada acerca das hipóteses iniciais e do trabalho de sala de aula, estando sujeita a modificações no decorrer do processo, dado que este não ocorre de forma linear, pois pode ir e voltar dependendo da maneira como seus protagonistas interajam. Esta forma de planejamento opõe-se ao termo programmazione que, por sua vez, traz a ideia de currículos, programas ou estágios (RINALDI, 2012).

      Podemos dizer que os doze princípios da proposta pedagógica das escolas 4 de Educação Infantil reggianas encontram-se interligados, uma vez que um completa-se no outro, sendo difícil separá-los. O planejamento no Enfoque Emergente, como o próprio nome já diz, emerge no decorrer dos processos com as crianças, sendo que o professor, à luz dos princípios que o embasam, ao mesmo tempo em que se utiliza destes, prepara situações que interliguem os interesses das crianças às suas próprias concepções pedagógicas e escolhas, originando projetos que produzam aprendizagens não só para as crianças, mas também para os demais envolvidos. Nesta perspectiva, refletir e planejar significa dar atenção ao que emerge do grupo, das famílias e de todo o contexto educacional no decorrer do percurso a ser trilhado, estando atento para poder fazer com e para as crianças. Rinaldi (1999) define o planejamento como:

(...) Um método de trabalho no qual os professores apresentam objetivos educacionais gerais, mas não formulam objetivos específicos para cada atividade de antemão. Em vez disso formulam hipóteses do que poderia ocorrer, com base em seu conhecimento das crianças e das experiências anteriores. Juntamente com estas hipóteses, formulam objetivos flexíveis e adaptados às necessidades e interesses das crianças, os quais incluem aqueles expressados por elas a qualquer momento durante o projeto, bem como aqueles que os professores inferem e trazem à baila à medida que o trabalho avança (p. 113).

 

      Percebe-se, nesta passagem acima, que este tipo de planejamento envolve as próprias crianças no desenrolar do trabalho de sala de aula, dando sentido e sistematizando as aprendizagens destas, por meio da valorização de suas manifestações e interesses. Porém, para que isto ocorra, os professores precisam estar atentos ao que está sendo manifestado à sua volta, fazendo constantes intervenções, dialogando e construindo vínculos, para que o trabalho possa avançar e ter maior significado tanto para o grupo, quanto para ele próprio. Neste sentido, o planejamento é organizado por projetos, isto é, por ações que orientam os gestos e o olhar da criança (GALLARDINI, 1996).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

      Ao refletir sobre a temática apresentada neste artigo, sobre o protagonismo infantil, é que trazemos as considerações finais deste estudo. O desenvolvimento da presente pesquisa possibilitou uma análise de como as ações do protagonismo podem favorecer o processo de ensino-aprendizagem, identificando quais são as estratégias de ensino que os docentes utilizam em sala de aula.

      Salientamos que, o protagonismo acontece de forma cotidiana, onde quer que as crianças vivam e cresçam, na escola, nos núcleos familiares, em comunidades, espaços públicos; enfim o protagonismo infantil se faz presente no cotidiano. Percebe-se que durante a construção deste artigo, o Protagonismo Infantil é um tema de extrema relevância dentro do contexto educacional, porém, uma temática pouco discutida.

      Muitos profissionais encontram dificuldades de aplicar ações que favorecem o protagonismo nas práticas escolares, por falta de recursos ou estrutura das instituições de ensino. Nas escolas, de modo geral, a organização dos espaços, as atividades e/ou projetos desenvolvidos, não tem favorecido e colocado em ação o Protagonismo. Um fator lamentável é essa falta de estrutura, que algumas escolas da rede de ensino públicas apresentam. Como dito neste estudo, como aplicar o protagonismo se o docente não tem um espaço adequado, com a participação e o apoio de toda gestão escolar.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA, A. B. H. (2004). Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. (3a ed.): Positivo. Acesso em: 25 mai. 2023.

FERRETTI, C. J., Zilbas, D. L., e Tartuci, G. L. P. P. (2004). Protagonismo Juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio. Cadernos de Pesquisa, 34, 411 - 423. Acesso em: 05 maio 2020.

KUHMANN JR. Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998.

MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, Carolyn, GANDINI, Lella, FORMAN, George. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 69. Acesso em: 18 abr. 2020.

RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emília: Escutar, investigar e aprender. Tradução: Vânia Cury. – 1.ed. – São Paulo: Paz e Terra, 2012.

RINALDI, Carla. O Currículo Emergente e o Construtivismo Social. IN: EDWARDS, Carolyn (org.). As Cem Linguagens da Criança: A abordagem de Reggio Emília na Educação da Primeira Infância/Carolyn Edwards, Lella Gandini, George Forman; tradução Dayse Batista. – Porto Alegre: Artmed, 1999. 320p.

 

[1] Servidora da Secretaria Municipal de Educação de Primavera do Leste – MT. Licenciada em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Institucional, Educação Infantil e Letramento.

[2] Servidora da Secretaria Municipal de Educação de Primavera do Leste – MT. Licenciada em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional.

[3] Servidora da Secretaria Municipal de Educação de Primavera do Leste – MT. Licenciada em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia e Educação Infantil.

[4] Servidora da Secretaria Municipal de Educação de Primavera do Leste – MT. Licenciada em Pedagogia. Especialista em Educação Infantil, Letramento Perspectivas de Trabalho em Creches e Escolas.

[5] Servidora da Secretaria Municipal de Educação de Primavera do Leste – MT. Licenciada em História. Especialista em Psicopedagogia Institucional.

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