A Fundação Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente (Fundação CASA) conseguiu dar início a um programa mais eficiente de readaptação de adolescentes infratores à sociedade graças a descentralização dos complexos e reformulação dos projetos pedagógicos. A conclusão é de uma pesquisa apresentada pelo advogado Cauê Nogueira de Lima em fevereiro, na Faculdade de Educação (FE) da USP, sob a orientação do professor Roberto da Silva.
A Fundação trabalha como ação social que substitui a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), e as mudanças no seu regimento interno procuram adequar as práticas institucionais aos preceitos do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), do governo federal, dando maior eficácia ao processo de recuperação de adolescentes infratores. Diferentes tipos de aulas, forte acompanhamento psicossocial, descentralização e municipalização das unidades diferenciam o trabalho realizado na Fundação CASA.
“A preocupação com o futuro do adolescente (pós-internação) é o que faz toda a diferença no novo modelo. Em minha pesquisa de campo, percebi, nas unidades que empregam os novos modelos pedagógicos, que alguns jovens começavam a construir um projeto de vida viável após alguns meses de internação, tendo por base o trabalho”, aponta Lima, autor da dissertação de mestrado O fim da era FEBEM: novas perspectivas para o atendimento socioeducativo no estado de São Paulo.
Entre as mudanças listadas por Lima, estão: redução do tamanho das unidades das fundações – abrigando cerca de 50 adolescentes cada –, proximidade entre a unidade e o local em que vive a família do adolescente e, principalmente, diferentes projetos pedagógicos. “Os adolescentes são inseridos nas unidades de acordo com a idade, o delito cometido e o local em que reside sua família”, diz o pesquisador, que acredita que os novos modelos – educacionais e administrativo – são decisivos no trabalho de readaptação do menor.
Reeducação São três modelos pedagógicos: o primeiro é tradicional, apresentando aulas escolares e atendimento socioeducativo, buscando um ambiente de escola regular. Nesse projeto, também há cursos profissionalizantes oferecidos por instituições externas à Fundação CASA. Já o segundo projeto é chamado de Modelo Pedagógico Contextualizado (MPC), que separa os adolescentes em “níveis”, conforme sua evolução nas atividades realizadas. Lima explica que o jovem recebe noções de autopercepção, como tentativa de reeducação e readaptação ao ambiente social. Como resultado do trabalho gradativo, os adolescentes avançam de nível, ampliando suas responsabilidades e podendo inclusive trabalhar fora da Fundação CASA, voltando aos alojamentos apenas para dormir. O MPC também garante cursos profissionalizantes adaptados às necessidades de cada cidade. “Em Franca, por exemplo, são feitos trabalhos na indústria de couro; em Sorocaba, os trabalhos são feitos em transportadoras”, diz o pesquisador.
O terceiro e último modelo pedagógico se chama Daytop e agrupa jovens em diferentes estágios do programa, fazendo-os trabalhar em equipe: “É uma mescla do ambiente de uma república de estudantes com uma empresa privada: há cooperação e hierarquia”, explica Lima. O advogado conta que a tentativa de reconstrução da vida dos jovens, nesse projeto, é feita por meio de atividades em que cada um ocupa o papel mais adequado ao seu nível de crescimento e responsabilidade no programa. “Há grupos hierarquizados responsáveis pela limpeza, administração, comunicação interna e manutenção”, diz.
Segundo Lima, uma ação que pode fazer diferença na evolução dos trabalhos da Fundação CASA (e que já está sendo empregada em algumas unidades) é a chamada gestão compartilhada. “É quando cada município passa a auxiliar e intervir nos trabalhos feitos nas unidades instaladas nos mesmos. Isto é feito com a ajuda e acompanhamento da sociedade civil, por meio de uma organização não governamental. Assim, a coordenação de cada unidade é feita por um diretor e funcionários de segurança vindos da própria Fundação CASA e um gerente e funcionários de acompanhamento vindos de uma ONG do município”. Lima enfatiza que a gestão compartilhada permite que a sociedade acompanhe de perto o processo de recuperação dos jovens.
Melhorias e pendências A partir da análise de 15 unidades da fundação, o pesquisador concluiu que a competência técnica nos trabalhos pedagógicos e psicológicos foi refinada em relação à Febem. “Os projetos que estão sendo desenvolvidos são muito superiores aos anteriores porque têm foco no futuro do jovem, na construção de um projeto de vida após a internação”, diz.
Porém, ainda há ressalvas: nenhuma das unidades visitadas tinha assistência jurídica, o que é obrigatório segundo o SINASE; há cidades que não possuem organizações não governamentais que trabalhem com adolescentes, o que faz com que ONGs menos preparadas assumam os cargos da gestão compartilhada; poucas unidades aplicam adequadamente os novos modelos pedagógicos e administrativo; e as estruturas de poder, por vezes, impedem que atividades sejam cumpridas em algumas unidades. “Se o prefeito é de um partido e o governador é de outro, ou ainda se a fundação não contar com o apoio do Judiciário local, a possibilidade de os projetos não funcionarem corretamente aumenta muito”, diz Lima. Há também muitos jovens que, ao terminarem o programa de reeducação não têm um local adequado para retomarem suas vidas.
O advogado, porém, ressalta que a Fundação CASA tem know-how para compartilhar, e que os novos projetos são capazes de melhorar as situações de decadência e fracasso na reeducação de menores infratores.
Mais informações: email caue@bighost.com.br, com o pesquisador Cauê Nogueira de Lima (Envolverde/Agência USP de Notícias)
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