23/10/2018

Projeto Março Lilás: Construíndo Pontes de Acesso às Políticas Públicas Para as Mulheres no Município do Rio Grande

PROJETO MARÇO LILÁS: CONSTRUINDO PONTES DE ACESSO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES NO MUNICÍPIO DO RIO GRANDE

Thaís Gonçalves Saggiomo[1]

Anderson Pires de Souza[2]

Lucia de Fátima Socoowski de Anello[3]

Michele Silveira Azevedo[4]

Alisson Saggiomo Juliano[5]

 

Palavras-chave: Política Pública. Educação Popular. Feminismo.

 

Introdução

 A historicidade que defini os papeis de homens e mulheres na dinâmica societária, é a mesma que constrói e sustenta toda esfera de desigualdade socioambiental. A tese de Löwy (1995) que denuncia o sistema capitalista por operar numa perspectiva de desenvolvimento desigual e combinado, nos desafia a buscar nas construções Heleieth Saffiot (2013), melhor compreensão sobre a situação das mulheres na sociedade de classes. Para autora, a mulher atua na organização e manutenção da família desde a sociedade pré-capitalista, e como analisado por Marx, na dinâmica de produção capitalista sua jornada de trabalho torna-se ainda mais dura.

Frente a está problemática, e concretizada as condições necessárias para composição de um coletivo comprometido com a organização de uma rede para atendimento às demandas emergentes na realidade das mulheres no município do Rio Grande surge no ano de 2013 o Projeto Março lilás. Tal proposta, tem como objetivo concentrar esforços entre os coletivos institucionais e os movimentos sociais, para execução das metas voltadas à construção de políticas públicas para as mulheres. Segundo o governo municipal, o Projeto compõe as atribuições do poder público que consiste em,

 

Criar políticas públicas que permitam incluir as mulheres no processo de desenvolvimento, promovendo sua autonomia através de iniciativas auto-gestionárias. Fazer o enfrentamento à violência contra a mulher, em parceria com os governos Federal e Estadual. Promover o resgate social ao recorte de gênero, em situação de vulnerabilidade social, econômica e étnica. Ampliar a participação das Mulheres em Processos decisórios, cadeias produtivas e no governo municipal. (Frente Popular, Programa de Governo, 2012, p.46)

 

Desta forma, o Projeto Março Lilás em seus dois primeiros anos tomou corpo abrangendo a pauta das mulheres em todas as frentes de relações de gênero no município, aproximando as Secretarias Municipais e Estaduais, o Movimento de Mulheres, o poder judiciário local, e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG). As parcerias foram se consolidando no desenvolvimento das atividades, ao passo que também foram promovendo a abertura dos planejamentos das secretarias municipais para o levantamento, sistematização e encaminhamento das demandas específicas deste grupo.

A avaliação deste período, destacou a existência de uma rede de atendimentos que pouco estava sendo acessada pelas mulheres do município. Dados levantados no contexto comunitário, no judiciário, e, nas áreas da saúde e educação, justificaram a necessidade de construir as atividades de 2015 como espaços educativos capazes de identificar os “abismos” no acesso à política pública, ao tempo que disponibilizávamos no contexto das comunidades de maior vulnerabilidade socioambiental, estrutura de atendimento especializado.

Metodologicamente georreferenciamos a cidade em quatro grandes territórios, nos quais no período dos quadros sábados que compôs o mês de março de 2015 - além das atividades já instauradas no calendário, como, seminários e rodas de conversa com as mulheres do setor público - foi ofertado em cada localidade uma estrutura em tendas, mesas e cadeiras que receberam mais de três mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças, que buscaram atendimento na rede de políticas públicas.

Para análise desta experiência, buscamos apoio teórico em autores como Paulo Freire, Karl Marx, Heleith Saffioti, etc. capazes de auxiliar na identificação da estrutura física e conceitual que se destacam no material analisado, e nos permitem considerar – entre os achados desta pesquisa – a riqueza dialógica que se apresenta nos espaços educativos não formais voltados ao trabalho direto com as mulheres em contextos comunitários.

 

 

METODOLOGIA

Objetivamos neste trabalho refletir entorno do Projeto Março Lilás, executado no ano de 2015, buscando evidenciar - a partir da análise das atividades voltadas ao desenvolvimento de estratégias de aproximação e identificação das demandas presentes na realidade das mulheres do município do Rio Grande – a estrutura física e conceitual que se destacam na construção destes espaços de educação não formal, como elementos importantes para o aperfeiçoamento da oferta das políticas públicas voltadas às mulheres no município. O esforço metodológico para desenvolvimento desta pesquisa consiste em dois momentos: 1) análise documental baseada nas atas de reuniões para organização do Projeto e no relatório final de execução; e, 2) revisão bibliográfica a partir de uma perspectiva crítica, visando o aprofundamento sobre os achados da pesquisa.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A premissa de que a jornada de trabalho das mulheres no sistema capitalista é dobrada e significativamente desigual no contexto do mercado global, justifica a necessidade de amadurecermos sobre a importância das políticas públicas, como potencial instrumento de diminuição desta desigualdade, através da oferta de oportunidades que lhes são negadas ora pela dinâmica do mercado de trabalho, ora pela dinâmica da organização familiar, em nossa sociedade patriarcal, machista e excludente (SAFFIOT, 2013).

A partir da experiencia do Projeto Março Lilás, podemos evidenciar que as mulheres que compõe a realidade no município do Rio Grande, em especial as que compõem as áreas periféricas da cidade, encontram-se em extrema situação de vulnerabilidade socioeconômica, na qual apresenta-se de forma crescente os números relacionados a violência física e simbólica, ao uso de medicações para depressão, hipertensão e doenças cardiovasculares, ao abandono escolar, ao desemprego, bem como a reconfiguração familiar, na qual em grande maioria, o formato da “sagrada família”, já não se adequa mais.

Quando realizada a análise das atas, referente as reuniões do Projeto situamos a unidade do coletivo – ao evidenciar coerência na proposição do trabalho, na qual de um lado, registra-se que para as representantes do movimento das mulheres – a centralidade do trabalho, precisava atender as necessidades imediatas presentes no cotidiano das mulheres. E, de outro, destaca-se a preocupação nas falas das representações institucionais, ao registrar que apesar da oferta de serviços voltados especificamente para este público – os mesmos são pouco procurados.

Daí justifica-se o desafio de - montar a rede de articulação das políticas públicas e garantir o acesso a ela, processo que segundo os registros em ata, foi se constituindo enquanto espaço educativo, numa perspectiva que busca promover o diálogo com as mulheres no meio da comunidade. Sobre este, segundo registro em relatório, as mulheres atendidas manifestam que além dos serviços nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, assistência jurídica, habitação, etc... dispor de espaço adequado para as crianças e para o lazer, como parte integrante da atividade, foram estratégias de fundamental importância para garantia da participação e envolvimento do público local.

Neste sentido, observamos que a proposição de oferta da política pública articulou-se a organização de um ambiente educativo – com aprendizagem dialógica, numa perspectiva que Maria da Gloria Gohn, aponta como dimensões próprias da Educação não-formal, sendo elas:

     [...] a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; etc. [...] (GOHN, 2016).

 

Outro fator analisado, refere a capacitação dos profissionais para o desempenho de suas funções, na qual a orientação situa-se na construção de um diálogo capaz de compreender o contexto das necessidades imediatas, bem como da falta de acesso ao que no momento da ação entrava-se disponível no setor público. Tal dinâmica para Freire (1987) instaura a construção do diálogo autêntico, composto pela troca de vivências e conhecimentos, no qual os sujeitos envolvidos são convocados a dizer a sua palavra mediada pela realidade onde estão inseridos.

Deste diálogo, desvelam-se algumas situações chaves para compreensão das dificuldades de acesso às políticas públicas, dentre elas destacamos: 1) o nível de isolamento socioeconômico das mulheres, onde evidenciamos desde a ausência de documentos, como a Carteira de Identidade e de trabalho, à falta de estrutura disponível para cuidado dos filhos em fase não escolar; 2) pouca ou nenhuma formação escolar e/ou profissional, restringindo o trabalho destas mulheres ao âmbito das atividades domésticas – quando os limites de analfabetismo, e desconhecimento sobre o uso dos produtos – não às impedem de exercer a profissão; 3) o nível de comprometimento da desumanização, no qual a naturalização da violência física e simbólica, instauram-se enquanto meio de manutenção da sobrevivência; e, 4) a habilidade de ressignificar suas necessidades e construir alternativas a partir das condições do próprio meio.

Ao que se refere sobre a compreensão de necessidades imediatas, buscamos em Marx (1989) a categoria emancipação política, compreendendo que está melhor representa as relações sociais constituídas por homens e mulheres, em seu esforço de manutenção da vida. Sobre esta categoria o autor afirma que ainda é necessário, o amadurecimento da sociedade civil pautada em premissas e necessidades individuais, numa lógica de amadurecimento unilateral, que resulta na impossibilidade de formação de uma sociedade capaz de romper com a estrutura do capital, e efetivamente se reorganizar num nível intelectual e prático, de forma que contemple outras relações entre homens, mulheres e natureza.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, destacamos o potencial do Projeto Março Lilás ao efetivar a parceria entre os diferentes setores de atendimento direto às mulheres do município, ficando evidente a importância da participação dos movimentos sociais, no processo de construção da dinâmica de aproximação das mulheres no ambiente comunitário.

Salientamos a inovação na oferta das políticas públicas articulada a proposição de um ambiente educativo e comprometido com o diálogo autêntico. Ratificamos a percepção, na análise da síntese do processo de avaliação das atividades, na qual registra-se a satisfação de aproximadamente 90% das mulheres que participaram do processo avaliativo. Sendo apontado como pontos fortes do evento, o local, o atendimento, a assistência social, o trabalho com as crianças, os cursos rápidos voltados a saúde mental e física, etc.

Porém, ao que se refere os pontos fracos do evento, registra-se a fragilidade na divulgação, e o não atendimento de todas as expectativas - principalmente no que se refere a cursos de capacitação profissional e/ou geração de renda. Inferimos que estas indicações estão diretamente relacionadas aos itens registrados no âmbito das situações que dificultam o acesso das mulheres às políticas públicas no âmbito municipal, compreendo que neste trabalho, revê-la novos desafios no que tange o atendimento das necessidades, que se manifestam imediatas no cotidiano das mulheres em situação de vulnerabilidade social.

 

 

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1987. (O Mundo, hoje; 21). 

GOHN, Maria da Glória. Educação Não-formal na Pedagogia Social. In: I Congresso Internacional de Pedagogia Social, 1., 2006, disponível no site: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092006000100034&lng=en&nrm=abn>. Acesso em: 18 abril. 2017.

LÖWY, Michael. A Teoria do Desenvolvimento Desigual e Combinado. Actuel Marx, 1995.

MARX, Karl. A Questão Judaica. 2 ed. Tradutor: Artur Morão. [s.l]: LusoSofia:Press, 1989.  

SAFFIOT, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3ª.Ed. São Paulo: Expressão Popular. 2013.Thaís 


[1] Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental. E-mail: thaisfurg@yahoo.comm.br;

[2] Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental. E-mail: a-psouza@hotmail.com

[3] Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental. E-mail: luciaanello@hotmail.com

[4] Professora e Assessora Pedagógico 5ª Coordenadoria Regional de Educação – RS. E-mail: michelesilveiraazevedo@gmail.com

[5] Prefeitura Municipal do Rio Grande. E-mail: alisjuliano@gmail.com.

 

 

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