07/07/2020

PRODUÇÃO CERÂMICA E CAPACIDADE DE GERAR IMPACTOS AMBIENTAIS

Ana Jéssica da Silva Passos

Bióloga, Técnica em análises de cerâmicas arqueológicas do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade do Estado da Bahia

Cristiana de Cerqueira Silva Santana

Arqueóloga, Professora Adjunta e Coordenadora do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade do Estado da Bahia

 

Origem da Cerâmica

A palavra cerâmica é de origem grega “kéramos” que significa terra queimada ou argila queimada. A cerâmica é considerada o material artificial mais antigo produzido pelo homem, sendo de grande resistência e frequentemente encontrado em escavações arqueológicas. Pesquisas indicam que a cerâmica já era produzida por grupos humanos desde há aproximadamente 10-15 mil anos atrás (AFANCER, 2019).

A cerâmica é universal e está presente em praticamente todas as culturas.

Está presente nas origens de praticamente todas as culturas. Vasos Canopos egípcios, urnas funerárias indígenas, estatuetas précolombianas, o Exército de Terracota do Imperador Qin na China, todos estes são exemplos do quanto a cerâmica faz parte da história da humanidade (ALMEIDA, 2014, p. 2).

Para Oliveira (2011) a cerâmica está presente na história da humanidade e é utilizada em todas as sociedades desde as mais antigas quando começaram a utilizar a argila crua, perpassando a adição da queima que proporciona durabilidade e impermeabilidade.

A origem da cerâmica está no fato de suprir algumas das necessidades básicas, mas, especialmente as necessidades culturais humanas, conforme salienta Almeida (2014, p. 2):

(...) de modo a suprir algumas das nossas mais básicas necessidades: transportar e armazenar água, preparar alimentos, honrar os mortos e os deuses, ou simplesmente para libertar nossas fantasias e o nosso imaginário, saindo assim do ramo utilitário e entrando no lúdico, com brinquedos e miniaturas de coisas que nos cercavam e talvez ainda nos cerquem.” (ALMEIDA, 2014, p. 2)

Ainda sobre a origem da cerâmica, Cuchierato et al (2005, p.2) relata que não se pode afirmar qual sociedade ou cultura a desenvolveu, dada a sua ampla distribuição e presença em todo o mundo, assim:

Quando se refere ao artesanato cerâmico ou a cerâmica artesanal podemos afirmar ele é inerente ao ser humano desde os primórdios da civilização e nenhum povo pode ser considerado seu criador, pois surgiu em todos os continentes paralelamente, não só como ornamento do seu cotidiano como ligado às necessidades da sua alimentação. (CUCHIERATO et al.2005, p.2).

A cerâmica passou a substituir as vasilhas feitas de frutos como o coco ou a casca de certas cucurbitáceas (porungas, cabaças e catutos). A cerâmica teve grande importância para o desenvolvimento das sociedades humanas, pois, o seu surgimento possibilitou o armazenamento de produtos da agricultura que antes provavelmente eram descartados ou sofriam ataques de pragas (ANFACER, 2019).

Segundo a ANFACER (2019), atualmente no Brasil o uso e a produção de cerâmica artesanal encontram-se disseminada em todas as regiões, especialmente no Norte e Nordeste do país. No Brasil, as técnicas ainda hoje utilizadas não condiziam com aquelas trazidas pelos portugueses, mas sim técnicas próprias, com decorações próprias. Essas técnicas são relatadas por Almeida (2014, p. 3):

Antes dos portugueses introduzirem o torno cerâmico, as populações indígenas que habitavam o nosso território usavam-se de duas técnicas principais para a construção do corpo da peça cerâmica: o acordelamento e a modelagem. O uso de uma ou de outra variava de acordo com o a serventia da peça depois de pronta. No caso do acordelamento, ou roletado, ele consistia basicamente na superposição de cilindros feitos de argila, formando anéis espiralados. Geralmente utilizada na produção de peças que precisam ser “levantadas”, a técnica do roletado é ainda hoje usada em diversas comunidades cerâmicas tradicionais, principalmente para a construção de potes e moringas. Já a modelagem, por sua vez, consiste na confecção de uma peça a partir de um bloco inteiro de argila, manipulado até tomar a forma de estatuetas, cachimbos, dentre outros (ALMEIDA, 2014, p. 3).

Após a descoberta da cerâmica as sociedades humanas passaram utilizá-la em várias atividades, posteriormente as demais culturas foram aprimorando até chegar ao que há de mais moderno, que é a produção de porcelana. Conforme a própria história da cerâmica:

O lido com a cerâmica – um dos mais antigos ofícios da história humana –, surgiu a partir da transformação das propriedades físicas e químicas da massa argilosa, de modo a suprir algumas das nossas mais básicas necessidades: transportar e armazenar água, preparar alimentos, honrar os mortos e os deuses, ou simplesmente para libertar nossas fantasias e o nosso imaginário, saindo assim do ramo utilitário e entrando no lúdico, com brinquedos e miniaturas de coisas que nos cercavam e talvez ainda nos cerquem. A cerâmica é universal. Está presente nas origens de praticamente todas as culturas. Vasos Canopos egípcios, urnas funerárias indígenas, estatuetas précolombianas, o Exército de Terracota do Imperador Qin na China, todos estes são exemplos do quanto a cerâmica faz parte da história da humanidade (ALMEIDA 2014, pag. 2).

 

Comunidades tradicionais ceramistas

De acordo com o Decreto 6.040/2007, os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) são definidos como:

(...) grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007).

Estão incluídos entre os PCTs do Brasil: “os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiro, os extrativistas, os ribeirinhos, os caboclos, os pescadores artesanais, os pomeranos, entre outros” (BRASIL, 2007).

As comunidades tradicionais apresentam maneiras próprias de lidar com o seu território e com sua cultura, com a lida do trabalho, com o tempo, enfim, apresentam uma forma de funcionar que nem sempre é semelhante a outras. Para Castilho et al (2017, p. 192): “A cultura está sempre enraizada em uma base territorial, proveniente da integração do homem com a comunidade, seja ela mais fechada como a de etnias indígenas e comunidades tradicionais ou mais aberta/globalizada”. É importante ainda lembrar que a cultura é “o ambiente simbólico de reconhecimento e identidade, o espaço compartilhado de práticas e valores e, nesse sentido, torna-se o principal elemento de agregação social para as comunidades” (CASTILHO et al., 2017, p. 192).

A interação das comunidades com o ambiente natural identificado como seu território é essencial para a existência dessas comunidades, pois elas dependem do seu território para o trabalho e para a sua cultura, tendo assim, uma forte relação econômica e afetiva. Assim, para continuar com a sua cultura é necessário permanecer e preservar o seu território. Destaca Castilho et al., que a “A cultura está sempre enraizada em base territorial, proveniente da integração do homem para adequar-se às adversidades do local, construindo assim sua identidade” (CASTILHO et al., 2017, p. 193).

As práticas de trabalho das comunidades ceramistas tradicionais estão calcadas na extração de insumos minerais (argilas) e vegetais (lenha) que, a depender da produção pode gerar degradação ambiental. Nesse sentido, nem sempre uma prática cultural artesanal e tradicional pode estar livre de gerar impactos ao meio ambiente.

Santilli (2005) enfatiza que:

(...) as populações tradicionais não-indígenas receberam forte influência indígena, que se revela não só nos termos regionais, como nas diversas tecnologias patrimoniais de preparação de alimento, cerâmica, técnicas de construção e instrumentos de caça e pesca (SANTILLI, 2005, p.88).

Calegare et al (2014), em seu trabalho sobre APs ressaltam a importância das comunidades tradicionais para a criação, legalização e manutenção de Unidades de Conservação.

Nesse sentido, as comunidades podem degradar, contudo, se bem orientadas, podem contribuir e muito na manutenção e gestão dos ecossistemas nativos.

 

Impactos ambientais gerados pela produção ceramista

Em quase todos os estudos sobre cerâmicas voltados para o meio ambiente esses correspondem a impactos negativos devido à extração de insumos da natureza. Cunha (2013) ao estudar o polo cerâmico de Poti Velho, localizado em Teresina no estado do Piauí considera que um dos maiores problemas da atividade oleira em Poti Velho é de impacto negativo sobre o meio ambiente, provocado pelo processo de queima de lenha como fonte de energia, e impacto no local onde se extrai a argila.

Amorim destaca em seu trabalho com ceramistas de Maragogipinho, que consiste também em um polo ceramista localizado no Recôncavo Baiano que:

A degradação ambiental causada pela atividade oleira relaciona-se com a obtenção dos insumos necessários ao processo produtivo, como retirada do barro, retirada da lenha, ademais alteração da qualidade do ar, modificação da paisagem, entre outros. [...] Os impactos que o solo é submetido com a mineração artesanal possuem menor extensão, são de ocorrência pontual, porém apresentam potencial de causar efeitos drásticos, como movimentação profunda das camadas do solo, retirada de vegetação e mudança no regime de escoamento, tornando-os extremamente vulneráveis aos processos erosivos e aos problemas derivados da erosão como, perda de fertilidade e instabilidade do solo (Amorim, 2016, p.4, 5 e 6).

Ainda em se tratando da produção cerâmica em Maragogipinho, Pinto Neto (2008) revela que além da exaustão das jazidas de argila e da extração de vegetação nativa, outro fator preocupante com relação aos problemas ambientais causados pela atividade é o descarte de resíduos advindos da perda de peças quando ocorre descontrole da temperatura no momento de queima. Segundo o autor esses impactos causados sob este ambiente, devido principalmente ao descarte de detritos interferiram diretamente na flora e na fauna aquática local.

Em entrevistas com artesãos da comunidade de Potes, localizada no município de São João da Varjota, Piauí, Carvalho (2016), relata que os entrevistados percebem a escassez dos recursos que são usados diariamente como, por exemplo, a dificuldade em encontrar a lenha para a queima das peças, porém, que não há muita preocupação com o desmatamento, destruição de habitats, erosões causadas pela extração de argila.

Ao tratar da devastação da caatinga Giulietti e colaboradores ressaltam que as indústrias cerâmicas, “[...] apesar de serem usuárias tradicionais podem causar devastação no bioma caatinga” (GIULIETTI et al, 2004, p.66).

Silva e colaboradores em seu trabalho na comunidade de Fazendinha pertencente ao município Bragança, Pará, relatam também em seu trabalho que “dentre os principais problemas ambientais instalados na área, observou-se que ao longo da área de exploração existe remoção da vegetação, assoreamento do igarapé Camarão (já extinto) e do igarapé Simão” (SILVA et al, 2009, p.88).

Para SILVA et al (2008):

Por tradição, os artesãos locais utilizam a lenha como matriz energética para o suprimento de seus fornos, porém a utilização desse recurso, além de ser uma prática que causa inúmeras agressões ao meio ambiente, faz com que o setor enfrente sérios problemas de abastecimento, uma vez que por ser um recurso muito disputado, inclusive por outros segmentos profissionais, acaba por exaurir, os remanescentes locais e por comprometer até os mais distantes, como é o caso da vegetação da caatinga, largamente utilizada no município, (SILVA et al, 2008, pág. 88).

Conforme descrito acima são vários os impactos gerados durante a produção cerâmica, cabendo às comunidades estarem atentas ao seu sustento, mas, mantendo o próprio ambiente da qual dependem, ambientalmente sustentável.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, C. A cerâmica popular baiana: suas origens e principais influências: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN,11., 2014. Gramado. Anais eletrônico. Gramado: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014.

AMORIM, C.R. A Atividade Oleira E Suas Implicações Ambientais E Socioeconômicas No Distrito De Maragogipinho, Município De Aratuípe, Bahia, Cruz das Almas - Bahia. IV CONGRESSO BAIANO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAl,4.,2016, Anais [...], 2016. p.4.

ANFACER. História da Cerâmica. São Paulo,2019. Disponível em: https://www.anfacer.org.br/historia-ceramica. Acesso em: 10 de janeiro de 2020 as 18:02.

BRASIL. Decreto Nº 6.040, de 7 de Fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Lex: Diário Oficial da União, 1, DF, 2007. Suplemento

CALEGARE, M. G. A.; HIGUCHI, M. I. G; BRUNO, A. C. S. Povos e comunidades tradicionais: das áreas protegidas à visibilidade política de grupos sociais portadores de identidade étnica e coletiva. Ambiente & Sociedade. v. XVII, n. 3 p. 115-134. jul.-set. 2014.

CARVALHO, F. M. C; ARAÚJO, J. L.L. Produção artesanal de peças em argila da comunidade Dos Potes, Piauí, Brasil: Viabilidade de desenvolvimento econômico e conservação ambiental. Revista ESPACIOS, v. 37, n 36, p.5, 2016.

CASTILHO, M. A.; DORSA, A. C.; SANTOS, M. C. L. F.; LIVEIRA, M. M. Artesanato e saberes locais no contexto do desenvolvimento local. Interações, Campo Grande, v. 18, n. 3, p. 191-202, 2017.

CUNHA, L.C.C. Diagnóstico da percepção ambiental dos trabalhadores das olarias e ceramistas do pólo cerâmico do Poti-Velho- Teresina-PI e o Fim da atividade oleira. In: Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental, 4., 2013, Salvador. Anais ... Salvador: UNIJORGE, 2013. p.5.

CUCHIERATO, G; MOTTA, J.F.M.; TANNO, L.C.; CABRAL, Jr. M.; RODRIGUES, N. de M.; SALDANHA Jr. A. A. Cerâmica artesanal no Alto Vale do Ribeira (SP). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CERÂMICA, 49, 2005, São Pedro. Anais... São Paulo: ABC, 2005.

GIULIETTI, A.M.; BOCAGE NETA, A.L.; CASTRO, A.A.J.F.; GAMARRA-ROJAS, C.F.L.; SAMPAIO, E.V.S.B.; VIRGÍNIO, J.F.; QUEIROZ, L.P.; FIGUEIREDO, M.A.; RODAL, M.J.N.; BARBOSA, M.R.V.; HARLEY, R.M. Diagnóstico da vegetação nativa do bioma Caatinga. In: SILVA, J.M.C.; TABARELLI, M.; FONSECA M.T.; LINS, L.V. (orgs.). Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações prioritárias para a conservação (Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2004.

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PINTO NETO, A. D. A atividade ceramista artesanal de Maragogipinho e a relação com a degradação ambiental: perspectivas e sustentabilidade.2008. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana), Universidade Federal da Bahia, 2008.

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