23/01/2018

Prisão após condenação em 2ª instância está prestes a ser revista pelo STF

Por Guilherme Cremonesi*

O início das atividades pelo Supremo Tribunal Federal em 2018 está sendo bastante agitado. Dentre as diversas polêmicas, o Plenário deve retomar as discussões sobre a prisão após decisão de segunda instância.

Isto porque, ao apagar das luzes de 2017, o Ministro Marco Aurélio, Relator das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) Nºs 43 e 44 propostas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que buscam a declaração da constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal (segundo o qual a prisão somente poderia se dar após sentença condenatória transitada em julgado), liberou os processos para serem incluídos na Pauta de julgamento do Pleno. Até fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal vedava a prisão até transito em julgado da condenação, ou seja, até que fossem julgados todos os recursos cabíveis.

Neste sentido, vale destacar trecho do acórdão do HC nº 84.078 de relatoria do Min. Luiz Fux, o qual afirma que “A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados – não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e embargos, além do que ´ninguém mais será preso’. Eis o que poderia ser apontado como incitação à jurisprudência defensiva, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa as garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço.”

Tal entendimento fundava-se no princípio constitucional da presunção de inocência bem como no art. 283 do Código de Processo Penal o qual estabelece que “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

No entanto, em fevereiro de 2016, ao julgar o HC nº 126.292, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, o Supremo Tribunal Federal mudou de posicionamento e passou a admitir o início da execução de pena e, consequentemente, a prisão, após a condenação em segunda instância, sem que fosse necessário o trânsito em julgado da sentença.

Naquela oportunidade, votaram a favor da prisão após a decisão de 2ª instância os Ministros Teori Zavascki, Edson Facchin, Luis Roberto Barroso, Dias Toffolli, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Gilmar Mendes. Contra a prisão após decisão de 2ª instância votaram os Ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Rosa Weber.

Embora a referida decisão não tenha efeito vinculante, ou seja, não seja obrigatória para todos os casos, passou a ser aplicada genericamente e em larga escala por todo o país.

Em outubro de 2016, ao julgar liminares nas Ações de Declaração de Constitucionalidade nºs 43 e 44, por 6 votos a 5, o Pleno do Supremo Tribunal Federal manteve o início do cumprimento da pena após a decisão de segunda instância, ou seja, admitiu a possibilidade da prisão após a condenação pela segunda instância.

E há mais. Em novembro de 2016, o STF reconheceu a repercussão geral da matéria (ARE 964.246) e reafirmou o novo entendimento permitindo a prisão após decisão de 2ª instância.

Ocorre que, o mérito das ADC’s 43 e 44 ainda não foram julgados e, ao longo de 2017, o próprio Supremo Tribunal Federal sinalizou mudança de entendimento sobre a prisão após decisão de segunda instância, rejeitando, por diversas oportunidades, a prisão nesses casos.

Neste aspecto, destaca-se a mudança de posicionamento do Ministro Gilmar Mendes, o qual afirmou que, embora o precedente de 2016 (HC 126.292) tenha admitido a prisão após decisão de 2ª instância, não a tornou obrigatória.

Após o Ministro Marco Aurélio ter liberado, em dezembro de 2017, as ADC´s para serem incluídas na Pauta de julgamento do Pleno, com a retomada das atividades em 2018, caberá a Ministra Carmen Lúcia marcar o julgamento.

Em que pese o assunto ainda divida os Ministros, as recentes decisões e, especialmente a mudança de posicionamento do Ministro Gilmar Mendes, sinalizam novamente a modificação de entendimento sobre tema, a fim de que se admita a prisão apenas após o julgamento do Recurso Especial pelo Superior Tribunal de Justiça conforme proposto pelo Ministro Dias Toffolli.

Além da mudança de entendimento do Ministro Gilmar Mendes, a corrente contrária à prisão após decisão de segunda instância pode ganhar mais um voto. O voto do Ministro Alexandre de Moraes, que ingressou no STF após a morte do Ministro Teori Zawaski.

Isso porque, a despeito de estar seguindo a decisão do plenário e admitindo a prisão após decisão de segunda instância, Alexandre de Moraes, por mais de uma oportunidade, ressaltou a importância de se rediscutir o tema.

O tema por si só já é bastante relevante, na medida em que interfere na liberdade dos indivíduos e, ganha ainda mais destaque em tempos de Lava Jato e às vésperas do julgamento da apelação do ex-presidente Luis Inacio Lula pelo TRF 4 que ocorre amanhã, dia 24 de janeiro de 2018, deixando no ar a pergunta: Se a condenação de Lula for mantida em segunda instância, será ele preso conforme entendimento do Plenário do STF ou não?

Ademais, a mudança de posicionamento de 2017 teria algum aspecto político ou estaria fundada apenas em questões puramente jurídicas?

Como consequência das operações da Lava Jato e o julgamento do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal rever a prisão após a condenação segunda instância pode transmitir a sensação de retrocesso e impunidade para a sociedade como um todo, causando grande agitação.

A despeito disso, bem como da conotação política que possa ensejar a revisão do tema - principalmente considerando a possível mudança de entendimento do Ministro Gilmar Mendes – o fato é que cuida-se, ou ao menos deveria cuidar-se - de decisão puramente jurídica e, para que assim seja tratada, é importante tirarmos os véus políticos e do clamor popular.

Desse modo, sob a perspectiva jurídica, a Constituição Federal é clara ao determinar em seu art. 5º, LVII que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.” Ou seja, não há dúvida de que, segundo a Constituição Federal, não é admitida a prisão após decisão de segunda instância, devendo aguardar-se o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Trata-se de cláusula pétrea que, claramente, veda a prisão após a decisão de segunda instância, não cabendo ao judiciário flexibilizar a sua aplicação. Isso porque, não cabe ao judiciário legislar, mas tão somente aplicar a lei. O afastamento do princípio da presunção de inocência somente seria possível através de Emenda à Constituição.

E aqui, vale relembrar que, pelo menos 30% das decisões de segundo grau são reformas nos Tribunais Superiores (STJ e STF).  Nessas hipóteses, vale questionar como seria possível reparar uma prisão injusta ocorrida após decisão de segunda instância na hipótese de revisão pelos Tribunais Superiores?

Desse modo, mesmo que em um primeiro momento a revisão do tema, com a proibição da prisão após decisão de segunda instância, possa parecer um retrocesso ou uma decisão política sob a perspectiva leiga, o fato é que o judiciário não pode ser refém dos anseios populares, devendo obedecer estritamente a Constituição, sob pena de se gerar grave instabilidade jurídica capaz de atingir não só os “poderosos”, mas todo e qualquer cidadão.

Por fim, é importante lembrar que o princípio da presunção de inocência com a vedação da prisão antes do trânsito em julgado não se trata de um privilégio, mas sim de uma garantia básica inerente ao estado democrático de direito.

*Guilherme Cremonesi é Head do time de Direito Penal Empresarial e Compliance no escritório Finocchio & Ustra Advogados e é especialista em Direito Penal Econômico pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – FGV-Law.

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