28/04/2018

Presente, o futuro de ontem

Presente, o futuro de ontem.

Augusto Albuquerque Moura [1]

Introdução

Brasil um “país do futuro”, este é um jargão bastante conhecido da população, mas convenhamos parece que este tal futuro promissor está muito longe de ser alcançado, não é a toa que convivemos em uma sociedade carente de ética e por que não dizer de etiqueta, aqui considerada não apenas como sinônimo de bons modos e condutas protocolares, mas como a externação de pequenos gestos éticos no dia a dia de cada pessoa.

Falar em presente é falar em precariedade do ensino público, desigualdades sociais, corrupção, desemprego, famílias desestruturadas e violência social, episódios estes vivenciados por todos nós, jovens, adultos e idosos, por este prisma, consideremos então que falar em futuro é sinônimo de falar sobre as crianças e adolescentes, que dentro em breve nortearão os rumos de nossa nação.

Mas então, qual o caminho a ser seguido para atingirmos o tão prometido “país do futuro”? Quais medidas devem ser adotadas hoje para que esse futuro chegue? Será que dependemos exclusivamente de aspectos econômicos para nos tornarmos uma sociedade melhor ou essa evolução pode ser alcançada trilhando caminhos alternativos? Afinal o que leva um jovem a delinquir, quais os fatores que desviam sua atenção de seu desenvolvimento social e intelectual para a simples satisfação de seus desejos primitivos?

Creio que o âmago desta celeuma está concentrado na discussão da formação do ser humano e de seu modo de interagir em sociedade, o desenvolvimento humano pleno, por meio das relações de ensino-aprendizagem e interpessoais, é a resposta para atingirmos em alguma medida um quinhão do Estado utópico que ansiamos, pois hodiernamente, o destino de uma pessoa dentro de nossa sociedade é delimitado nos bancos escolares; escola esta que abrirá ou fechará portas, e ao fechá-las estar-se-á automoticamente abrindo uma porta para que o submundo da criminalidade recrute este jovem, dê um sentido distorcido a sua vida, e por consequência mantenha nosso sistema social cíclico, perpetuando as desigualdades sociais, a corrupção, o desemprego, a existência de famílias desestruturadas e a violência social.

Vivemos em uma sociedade carente de valores, onde aquele que injustamente aufere uma vantagem é chamado de esperto e visto como uma pessoa de sorte, ao passo que aquele que é honesto e refuta eventual vantagem é intitulado pelo coletivo como ingênuo e não merecedor da sorte. Esses preceitos se devem não apenas as nossas bases culturais erigidas ao longo do tempo com a construção de nossa nação, mas principalmente pela carência de um sistema de ensino voltado para a formação omnilateral de cidadãos, gerando pessoas críticas, que questionem as bases atuais de nossa sociedade, uma vez que, temos hoje um sistema de ensino limitado a moldar “peças” substituíveis, ou seja, simples mão de obra.

Diante deste cenário, verifica-se a necessidade de discutir nosso sistema de ensino, para tanto, é necessário retrocedermos nos primórdios e verificar a exegese do ensino, do trabalho e do mercado, para então verificarmos no presente os caminhos a serem trilhados para construirmos uma sociedade mais pacífica e igualitária.

 

1 MERCADO, TRABALHO E ENSINO

 

A história da humanidade está vinculada a evolução da atividade laboral humana, sendo assim a forma de relacionamento social sofreu mutações conforme a evolução das relações de trabalho, nesse sentido a economia exerceu e exerce preponderante influência nesta confluência de interesses, desta feita os conhecimentos conquistados por meio do acesso à educação possui o viés de definir o destino de classes sociais, abrindo ou fechando portas para os componentes destas classes, sendo assim, determinar os objetivos da educação e as formas de educar é sinônimo de direcionar o destino de vida dos componentes das classes sociais.

Outro fator importante a se destacar é o papel exercido pelo Estado sobre as pessoas que vivem em seu território, o qual exerce o monopólio do exercício legítimo da força sobre a sociedade, com isto por meio do exercício do poder legítimo é capaz de influenciar decisivamente a ação e comportamento das pessoas.

Neste ponto, verificamos que o exercício do poder legítimo é inerente ao Estado, contudo existem dentro desta sociedade poderes paralelos exercidos, ante a ausência estatal, por organizações criminosas, poderes estes ilegítimos, porém reais e influentes sobre determinado grupo social residente em locais esquecidos pelo Poder Público Estatal, muito comum em periferias e favelas de cidades onde as normas comportamentais são determinadas pelo grupo dominante, ou seja, o crime organizado.

 

1.1 EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO

 

Sopesando o que foi dito anteriormente é nítido que a ausência estatal gera abandono, por consequência abrindo espaço a ser ocupado por poderes ilegítimos, nesse ínterim é necessário que ao menos estas pessoas em situação de vulnerabilidade possuam capacidade mínima para discernirem sobre as formas de resistirem a esta violação, rebelando-se contra o sistema excludente vigente e perseguindo a redução das desigualdades sociais e reflexamente obrigando o Estado, com seu poder legítimo, a romper as barreiras impostas pelos poderes paralelos e atrair para sua zona de proteção em um primeiro momento, as periferias e favelas, e em um segundo momento, ao promover maior igualdade social, acabando com as zonas periféricas de exclusão social.

Ora, mas como se fazer isto? Qual o caminho a ser trilhado pelo Estado? Quais os investimentos necessários e em quais setores? Estas são perguntas recorrentes, para as quais sempre soubemos a resposta: Por meio da melhoria das condições de ensino da população e consequente formação do ser humano em sua integralidade.

Sendo assim, é necessário que compreendamos a educação, para tanto é necessário compreender também a evolução das relações de produção e do mercado de consumo criado para dar sustentação a permanente produção. Mas para produzir é necessário deter o conhecimento de como fazer algo.

Neste contexto, conforme Coelho (2009) antes do surgimento das primeiras civilizações o modo de produção era o comunismo primitivo, em que não havia Estado, divisão social do trabalho, classes sociais e nem propriedades, portanto não havia excedentes e nem riqueza, tão somente absoluta igualdade, mas também escassez e miséria, desta feita, o excedente econômico surge com a criação da agricultura e da divisão social do trabalho, que por consequência gera as classes sociais, passando a algumas terem maior influência sobre as demais, resultando por fim no surgimento do Estado.

Ao sair do comunismo primitivo, vivenciamos, conforme Karl Marx uma luta incessante de classes, podendo ser representados pelos modos de produção dominantes, o modo de produção asiático: no qual uma classe dominante com cunho religioso explorava tribos e comunidades rurais e comandava a construção de grandes obras; o modo de produção antigo: fundado na escravidão e com divisão de classes, onde a dominante (Patrícios) era a proprietária dos fatores de produção, gerando conflitos com a classe dominada (escravos), contrapondo senhores e escravos; o modo de produção feudal baseava-se na existência da nobreza, que detinha a propriedade da terra, e dos servos da gleba, sendo que neste sistema temos a dominação fundada no uso da terra; por fim temos o modo capitalista, onde as classes fundamentais seriam a burguesia, detentora dos meios de produção e o proletariado, detentor da força de trabalho, contudo formalmente livres para vender sua força de trabalho aos burgueses em troca de salário. O sistema capitalista é alicerçado na divisão entre proletariado e burguesia, onde esta ao deter os meios de produção tem em suas mãos uma forma de dominação e exploração, já o proletariado por deter a força motriz, só restaria vender a sua força de trabalho a burguesia para sobreviver, força de trabalho a qual era estritamente necessária para alavancar este regime de mercado baseado na geração constante de mais-valia para fortalecer o capital reinvestindo continuamente nos meios de produção (Coelho, 2009).

Diante deste cenário, Karl Marx defende que o Estado passa a exercer a função de garantia de dominação do grupo social preponderante, que no caso seria aquele que detém os meios de produção, o qual definiria as diretrizes sociais, sobre o grupo social dominado, ou seja, o que não detém o capital, por conseguinte, caberia ao grupo dominado compreender este processo e por meio da revolução tomar o poder e implementar um sistema socialista, com forte intervenção do Estado para garantir uma menor concentração de renda e maior desenvolvimento humano, para por fim, chegar-se ao regime comunista de igualdade social plena, contudo não como o comunismo primitivo, onde havia escassez de recursos, para tanto Karl Marx enxerga no sistema capitalista o caminho para se atingir um Estado Comunista com abundância de recursos.

Diante deste cenário evolutivo é nítido que para haver produção deve existir mão de obra, a qual deve saber-fazer o que se espera que produza, portanto os detentores dos meios de produção necessitam e são dependentes da mão de obra da classe dominada, sendo assim, para a manutenção de seus poder e lucros a educação se apresenta como uma ferramenta de adestramento do capital humano, criando um sistema dual de ensino, onde as classes dominadas são educadas exclusivamente para exercerem atividades laborais manuais, restringindo-se as necessidades do mercado de trabalho e ao necessário para a operação de máquinas ou para o desempenho de função específica.

Neste contexto, o homem consubstanciasse em uma peça substituível na engrenagem, tolhido de qualquer chance de pensar de maneira crítica sobre sua condição de existência, pois ao se atrever a tal questionamento correrá o risco de ser substituído e ficar desempregado, por consequência sem os recursos financeiros necessários para manter suas necessidades básicas de sobrevivência.

 

1.2 A EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE PERPETUAÇÃO DA DOMINAÇÃO SOCIAL

 

A educação acompanhou e esteve lado a lado durante a evolução das relações sociais, todavia o seu caráter pleno, de politecnia, com desenvolvimento omnilateral, possibilitando ao ser humano a compreensão dos métodos de trabalho em sua completude, com interdisciplinariedade, garantindo o domínio das noções basilares das ciências linguísticas, matemáticas, naturais e sociais, só foi possível após intensa luta da classe operária por adequadas condições de qualificação que lhes possibilitassem o pleno desenvolvimento humano.

Não obstante, o proletariado sempre foi relegado ao ensino técnico adstrito à capacitação para a execução de trabalho manual, ao passo que a classe dominante possuía um ensino propedêutico que possibilitava a formação de líderes e profissionais intelectualizados, para tanto, esta elite tinha acesso aos cursos superiores, os quais, neste cenário eram utópicos para a classe operária, que era educada apenas como artífices e para conhecimento e domínio de parte do processo produtivo.

Sobre o assunto dissertam Araújo e Rodrigues (2010 p. 52):

Não se trata, portanto, de uma formação capaz de promover qualificações amplas e duradouras entre os trabalhadores, pelo contrário, o ideário consiste em continuar perpetuando a divisão social e técnica do trabalho, essencial para a própria sobrevivência do capital, capaz de garantir uma mão de obra sempre disponível para os desígnios do capitalismo. Sob essa perspectiva tem se dado a configuração da escola brasileira destinada aos trabalhadores, à classe destituída dos meios e objetos de produção: uma educação que lhe propicia tão-somente os requisitos mínimos para “manusear os parafusos da fábrica”, alijando-os de uma formação integral que, no dizer de Gramsci (1978)11, propicie-lhes tanto os conhecimentos provenientes da societas rerum, de modo a garantir os saberes científicos necessários para dominar e transformar a natureza, quanto os da societas hominum, promovendo uma consciência sobre seus direitos e deveres, introduzindo-os na sociedade política e civil.

 

Sobre o tema posiciona-se Ramos (2008, p. 2) afirmando que:

 

[...] a história da dualidade educacional coincide com a história da luta de classes no capitalismo. Por isto a educação permanece dividida entre aquela destinada aos que produzem a vida e a riqueza da sociedade usando sua força de trabalho e aquela destinada aos dirigentes, às elites, aos grupos e segmentos que dão orientação e direção à sociedade. Então, a marca da dualidade educacional do Brasil é, na verdade, a marca da educação moderna nas sociedades ocidentais sob o modo de produção capitalista. A luta contra isso é uma luta contra hegemônica. É uma luta que não dá tréguas e que, portanto, só pode ser travada com muita força coletiva.

 

Com isto, temos um processo educativo que ceifa o ser humano da sua essência de desenvolvimento e progresso intelectual permanente, uma vez que neste cenário o homem é visto apenas como uma peça de engrenagem substituível.

O processo ensino-aprendizagem neste cenário não é enxergado como a busca de condições para a autonomia do aluno, mas sim, um modelo que busca a robotização do ser humano, limitando ao homem trabalhador apenas ao saber-fazer em detrimento da compreensão da totalidade do processo produtivo, relegando a sua subjetividade apenas àquela capaz de aumentar as taxas de lucro do detentor dos meios de produção (MACHADO apud ARANHA, 1997).

 

2 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA COMO FATOR DE REVOLUÇÃO SOCIAL

 

A Educação Profissional e Tecnológica, pautada na politecnia e formação omnilateral do ser humano, tem o condão de romper esta estrutura dual e excludente, até então vigente, pois, conforme Ramos (2008, p. 2): “a concepção da escola unitária expressa o princípio da educação como direito de todos”, de outro modo, a politecnia é cabal para elevar o homem à compreensão do trabalho como forma de alcançar seu desenvolvimento sócio intelectual pleno, pois compreender os processos produtivos de forma integral, somado a compreensão das ciências linguísticas, matemáticas, naturais e sociais, torná-lo-á capaz de promover evoluções neste processo, por consequência deixando de ser uma mera peça da engrenagem, evoluindo para um fator elementar da sociedade e sua constante evolução.

Sobre a escola unitária e a politecnia explica Ramos (2008, p. 2):

A concepção da escola unitária expressa o princípio da educação como direito de todos. Uma educação de qualidade, uma educação que  possibilite a apropriação dos conhecimentos construídos até então pela  humanidade, o acesso a cultura, etc. Não uma educação só para o trabalho manual e para os segmentos menos favorecidos, ao lado de uma educação de qualidade e intelectual para o outro grupo. Uma educação unitária pressupõe que todos tenham acesso aos conhecimentos, à cultura e às mediações necessárias para trabalhar e para produzir a existência e a riqueza social. Uma educação dessa natureza precisa ser politécnica; isto é, uma educação que, ao propiciar aos sujeitos o acesso aos conhecimentos e à cultura construídos pela humanidade, propicie a realização de escolhas e a construção de caminhos para a produção da vida. Esse caminho é o trabalho. O trabalho no seu sentido mais amplo, como realização e produção humana, mas também o trabalho como práxis econômica. Com isto apresentamos os dois pilares conceptuais de uma educação integrada: um tipo de escola que não seja dual, ao contrário, seja unitária, garantindo a todos o direito ao conhecimento; e uma educação politécnica, que possibilita o acesso à cultura, a ciência, ao trabalho, por meio de uma educação básica e profissional. É importante destacar que politecnia não significa o que se poderia sugerir a sua etimologia, a saber, o ensino de muitas técnicas. Politecnia significa uma educação que possibilita a compreensão dos princípios científico-tecnológicos e históricos da produção moderna, de modo a orientar os estudantes à realização de múltiplas escolhas.

 

O sentimento de dignidade da pessoa humana perpassa pelo atendimento de todas as necessidades ínsitas ao ser humano, não podendo limitar-se apenas as suas necessidades fisiológicas, provendo-lhe somente o necessário para que se alimente e vista, uma vez que nossa natureza humana requer mais que isso, temos necessidades afetas a segurança pessoal, as relações sociais, a manutenção de autoestima e principalmente perseguimos como seres humanos um sentido para nossas vidas que nos levem ao sentimento de auto realização.

Portanto ao se relegar ao homem o conhecimento do todo se esta restringindo a sua capacidade de auto realização pessoal, com isto, ao mantermos um sistema de ensino limitativo voltado exclusivamente para as necessidades do capitalismo, que apresenta as pessoas falsas promessas, ao pregar a utópica existência de espaço para todos e que todos poderão com muito trabalho e esforço serem o que quiserem ser, maquiamos as alarmantes desigualdade e exclusão social reinantes neste sistema, com isto produzimos cada vez mais pessoas frustradas, violentas e depressivas.

Por este ângulo, como fórmula de ilustrar este debate cabe trazer a baila a pirâmide da hierarquia das necessidades de Maslow, teoria a qual propõem que o ser humano para atingir a auto realização, necessita primeiramente satisfazer necessidades primárias, e neste contexto apresenta a educação como uma das necessidades em maior patamar em sua pirâmide:

  1. primeiramente deve prover suas necessidades fisiológicas básicas, obtendo comida, água, abrigo, calor, sexo, repouso e sono, no mercado de trabalho seriam horários flexíveis, descanso físico e mental, providas estas necessidades passaria para o segundo nível da pirâmide;
  2. composto pelas necessidades de segurança, tais como sentir-se seguro em sua casa, possuir um emprego com garantias de estabilidade, um plano de saúde, bom salário;
  3. posteriormente o homem objetivaria atender suas necessidades sociais, consistente em poder constituir uma família, ter amigos, receber carinho, pertencer a um grupo e ser aceito;
  4. após isto chegamos ao 4º estágio de sua pirâmide, relacionada as necessidades de estima, que engloba o respeito, o status e o reconhecimento social por suas capacidades singulares, ou seja, a capacidade de uma pessoa de se orgulhar de si própria, como também no mercado de trabalho seria ser reconhecido pelos resultados de seu trabalho, ser promovido ou receber um aumento de salário;
  5. no ápice da pirâmide Maslow apresenta as necessidades de auto realização, onde o indivíduo atinge a capacidade de conhecer e compreender o mundo a sua volta, consegue aproveitar todo seu potencial, com capacidade para fazer com satisfação aquilo que gosta de fazer, com criatividade, talento e desenvolvimento pessoal, possuindo influência em decisões e autonomia no trabalho;
  6. modernamente, apresenta-se como desdobramento da necessidade de auto realização a necessidade de satisfação estética, quando se busca a perfeição por meio de aspectos de aparência simétrica, esforçando-se o ser humano para atender os padrões de beleza vigentes na sociedade. A figura 1 demonstra claramente a hierarquização proposta por Maslow.

 

Figura 1: Pirâmide das necessidades de Maslow.

Fonte: http://jovemadministrador.com.br/consumismo-x-piramide-de-maslow-uma-outra-visao-da-teoria/

 

 

A auto realização proposta por Maslow, nos dias atuais, se mostra difícil de saciar, pois em razão da cultura consumista que mantém o sistema capitalista vigente e que se impregnou na inconsciente da sociedade contemporânea, quanto mais saciamos nossos desejos, mais desejos surgem para serem saciados.

Neste cenário o indivíduo pautará suas decisões baseado nas necessidades que julgar mais importantes para ele, as quais geralmente serão as necessidades em moda no mercado de consumo, por consequência tornando-se refém deste sistema cíclico, e ao mesmo tempo, frustrando-se, pois por questões sociais, culturais e econômicas, apenas pequena parcela da população conseguirá ter acesso a todos os bens de consumo que são impropriamente divulgados como fundamentais para a vida do ser humano, neste sentido, as necessidades básicas do indivíduo sofre verdadeira mutação, pois em seu inconsciente passa a projetar a aquisição de bens materiais como condição para sua satisfação pessoal.

Isto muito se deve ao fato da carência de capacidade crítica do indivíduo, da falta de uma formação educacional que lhe proporcione meios para compreender as relações que lhe cerca em seu dia a dia, a discernir e a questionar o sistema imposto.

Em virtude deste cenário, de ausência de educação adequada para a população que proporcione a cada um o seu desenvolvimento humano, a criminalidade se apresenta para muitos como uma forma alternativa para subverter este sistema, com isto, por meio da retirada forçada da riqueza alheia, que aos olhos dos menos favorecidos se apresenta como uma riqueza acumulada de forma injusta, assim, cometer crimes contra o patrimônio surge como uma forma de fazer uma pseudo justiça social, tomando de volta aquilo que entende ser excesso nas mãos alheias.

Esta situação é fomentada pela cultura consumista e pelo sistema de educação dual, onde o indivíduo ao mesmo tempo em que se vê limitado em sua capacidade de ascensão social, também se depara com o desejo que possuir determinados bens, por vezes apenas pelo fato de satisfazer sua necessidade de pertencimento, afinal se isto está na moda e muitos tem, logo para me sentir realizado necessito ter também, entretanto minhas condições financeiras não permitem o meu acesso a este bem, portanto, delinquir apresentasse como uma alternativa para o alcance do objetivo que em condições normais seria inalcançável.

Por conseguinte, vivemos um avanço exponencial da violência urbana, com ingresso cada vez mais cedo de jovens no crime organizado, não é a toa que nossa população carcerária é composta predominantemente de pessoas de 18 a 30 anos, demonstrando assim ser este um grupo de risco e que merece atenção da sociedade, como também, que há alguma falha no nosso sistema de desenvolvimento social que está gerando a violência juvenil.

E neste ponto nos deparamos novamente com o assunto educação, uma vez que nosso sistema atual de ensino, que se limitou durante muito tempo a formação básica para o mundo do trabalho, nem isto consegue mais fazer, gerando alta evasão escolar, temos um sistema que visa apenas o preparo de estudantes para o vestibular, para concorrerem entre si, desta feita, deixamos de lado o espírito cooperativo, e muitos jovens que se enxergam menos competitivos abandonam o meio escolar, conformando-se em se tornarem simples mão de obra em nossa sociedade e a satisfação de suas necessidades básicas.

Portanto, a implementação de uma Educação Profissional e Tecnológica voltada para a politecnia e ensino unitário, tem o condão de revolucionar o cenário atual, passando o trabalho a ser a extensão da realização do ser humano e não apenas o meio necessário para a sua sobrevivência.

 

 

Considerações finais

 

Pelo exposto, o investimento em ensino unitário e politécnico e o fomento à pesquisa são cruciais para revolucionarmos os processos de ensino-aprendizagem, refletindo em maior atratividade do meio escolar, em redução das desigualdades sociais, culminando na inclusão social, inserindo no meio acadêmico integrantes de todos os estamentos sociais.

No cenário nacional atual, educar os jovens com a inserção de valores éticos, sociais e laborais é conditio sine qua non para a melhoria de vida social e avanço do nosso país, para que assim fique definitivamente relegada a ideia de ensino dual e segregacional em nossa sociedade, evitando-se que haja um retrocesso nas conquistas sociais e de ensino-aprendizagem.

Se quisermos chegar ao tão sonhado país do futuro, precisamos investir no presente, para as atuais crianças não se transformem daqui duas décadas em um problema de segurança nacional, para que assim, nossos presídios possam ser esvaziados com a redução dos índices criminais, por meio da construção de uma sociedade crítica e pacífica, onde o estado de bem estar social seja garantido pelo Estado, o qual de forma ativa passe a representar o povo e não apenas as classes dominantes.

Sobre isto o antropólogo Darcy Ribeiro já profetizava em 1982, bradando que "Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios." (INSTITUTO, 2017). Infelizmente os governantes que se sucederam no poder ao longo dos 30 anos que se passaram não deram atenção para esta singela frase, por consequência amargamos hoje um caos no nosso sistema de ensino e também um caos no sistema penitenciário, cenário este muito fértil para o surgimento de poderes paralelos, para a perpetuação do crime organizado, ao mesmo tempo, também fértil para manutenção de uma sociedade corruptível, com desvios de recursos públicos de setores básicos para o bolso de poderosos, em sua grande parte integrantes da classe dominante, que no presente se portam como donos do país, reproduzindo perpetuamente o presente como o futuro de ontem.

 

Referências

 

ARANHA, A. V. S. O conhecimento tácito e a qualificação do trabalhador. Trabalho e Educação, Belo Horizonte, n. 2, ago./ dez., 1997.

 

ARAÚJO, R. M. L.; RODRIGUES, D. S. Referências sobre práticas formativas em educação profissional: o velho travestido de novo frente ao efetivamente novo. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 36, n. 2, maio/ago. 2010.

 

Coelho, R. C. Estado, governo e mercado. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração/UFSC; [Brasília]: CAPES: UAB, 2009.

 

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Sistema prisional: quem conhece o tamanho do problema? Jan. 2017. Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/564463-sistema-prisional-quem-conhece-o-tamanho-do-problema-artigo-de-adrimauro-gemaque>. Acesso em: 12 out. 2017.

 

RAMOS, M. Concepção do ensino médio integrado. [2008]. Disponível em: < http://forumeja.org.br/go/sites/forumeja.org.br.go/files/concepcao_do_ensino_medio_integrado5.pdf>. Acesso em: 12 out. 2017.

 

 

 

 

[1] (Especialista em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e Bacharel em Ciências Militares – Área da Defesa Social pela Academia de Polícia Militar do Rio Grande do Sul, curriculum lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4388901P2

 e-mail: aalbuquerquemoura@gmail.com)

 

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×