03/05/2018

Predominância do Gênero Masculino na Gestão do Ensino Superior: Breve análise das eleições para reitoria da UNEB e UESB nos Quadriênios 2018-2021 e 2018-2022

Josias Benevides da Silva[1]

Luci Mara Bertoni[2]

RESUMO

O texto faz uma breve análise das eleições para a escolha de gestores das universidades públicas estaduais da Bahia, especificamente o caso das eleições para a reitoria da Universidade do Estado da Bahia em 2017, gestão do quadriênio de 2018-2021, e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia no ano de 2018, quadriênio 2018-2022. A finalidade deste artigo é verificar como as relações de poder se manifestam nos pleitos eleitorais para a escolha de reitores da UNEB e da UESB, e em que medida há influência de uma lógica patriarcal nesse processo. Para tanto, optamos pela metodologia da pesquisa bibliográfica e documental, bem como da observação direta e indireta, durante os pleitos eleitorais (2017 e 2018), em uma abordagem qualitativa. Os resultados dessa investigação apontam que, embora houvesse chapas de mulheres na concorrência dos respectivos pleitos eleitorais, sendo essas mulheres conhecidas nas academias e com competências comprovadas em vários cargos de gestão, pela vantagem percentual dos votos, com mais de 60% nos dois casos analisados, observa-se que por razões diversas o gênero masculino continua sendo predominante nas reitorias das universidades estaduais baianas.     

Palavras-chave: Gestão do Ensino Superior. Gênero. Eleições para reitores. 

1 INTRODUÇÃO

Na gestão do ensino superior das universidades públicas estaduais da Bahia é visível, ao longo de sua história, a predominância do gênero masculino nas reitorias dessas instituições. Assim, as relações do poder hierárquico nas Instituições do Ensino Superior (IES), em boa medida, seguem a mesma lógica das relações de poder observadas na sociedade capitalista contemporânea. Nesta perspectiva, a lógica patriarcal, em que o poder do gênero masculino sobrepõe ao feminino, especialmente em cargos de liderança nos espaços públicos da sociedade, torna-se facilmente observado.      

Dessa forma, o presente artigo tem como finalidade analisar os resultados das eleições para reitores da UNEB (2018-2021) e da UESB (2018-2022), observando as relações de poder na lógica patriarcal, a partir dos seguintes questionamentos: será mesmo uma coincidência a UNEB em 2017 e a UESB em 2018 ter escolhido para reitoria de suas respectivas gestões, pessoas do gênero masculino que tiveram a maioria absoluta dos votos, embora houvesse chapas compostas por mulheres? Por que nos que os homens têm a supremacia do poder? Será por influência da relação historicamente patriarcal, assim como se observa na política brasileira?  

Na lógica patriarcal da política brasileira, observa-se que, mesmo com a lei das cotas (Lei nº 12.034/2009), que institui o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo (feminino e masculino), esse percentual não é preenchido e quando o é, dificilmente as mulheres são eleitas, especialmente nos altos cargos legislativos e executivos da política.

Essa mesma lógica da representação política em que há uma predominância dos homens brancos, também pode ser percebida nos altos cargos das instituições públicas, a exemplo das reitorias das universidades públicas estaduais da Bahia:

Para a reitoria da UNEB as gestões nos períodos de (1983/1984), (1984/1985), (1986/1989), (1990/1993), (1994/1997), (2006/2013), (2014-2017) e (2018/2021) foram e é liderada pelo gênero masculino, enquanto o gênero feminino liderou apenas a gestão nos anos de 1998 a 2005. Na UESB, semelhante ao que ocorre na UNEB, é nítida a supremacia da gestão masculina sobre a gestão feminina, já que a primeira comandou a reitoria por dez mandatos - (1981/1982), (1982/1984), (1987/1991), (1991-1995), (1995/2002), (03/05/2002), (10/06/2002), (2002/2010), (2010/2018) e (2018/2022) -, enquanto a gestão do gênero feminino apenas uma, no período de (1984-1987), lá nos primórdios da UESB.

Sobre essa predominância do gênero masculino nos cargos de reitores da Universidade do Estado da Bahia e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (18 gestões masculinas e 02 femininas), em que apenas 10% das mulheres chegaram à reitoria das respectivas universidades, enquanto 90% dos homens ocuparam o mais alto cargo da hierarquia nessas instituições, revelando a supremacia masculina sobre o gênero feminino nesses cargos de poder, é que discutiremos neste texto.

Assim, durante os anos de 2017 e 2018 acompanhamos a movimentação em torno das eleições para a escolha de reitor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), com o intuito de verificar como se daria a questão da escolha em relação ao gênero feminino e masculino. Nossa observação foi feita diretamente, a partir dos debates e do cotidiano da comunidade acadêmica, bem como pela observação indireta, via entrevistas realizadas pelos canais de TV das respectivas universidades. 

2 BASE TEÓRICA DO ESTUDO

Governar é gerir programas e projetos para atender às demandas e necessidades sociais, a partir dos recursos advindos dos impostos que a população paga. As diversas instituições, especialmente as públicas, auxiliam os governos federal, estaduais e municipais a realizarem a gestão pública. A etimologia da palavra gestão vem do latim (gerere) e significa governar, conduzir, dirigir (OLIVEIRA, 2005). “A gestão é, pois, a atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos para atingir os objetivos da organização” (LIBÂNEO, 2007, p.318).

É preciso que a democracia participativa funcione no interior da democracia representativa. “Os grupos e não os indivíduos são os protagonistas da vida política numa sociedade democrática” (BOBBIO, 2000, p.35).

A gestão de uma universidade, especialmente no contexto atual, não é tarefa fácil, dado a sua complexidade, e exige uma equipe muito bem capacitada para essa tarefa. Se a universidade é multicampi[3], o desafio é ainda maior. Segundo Fialho (2005), a universidade, para cumprir suas finalidades estatutárias e de gestão, no seu tripé ensino, pesquisa e extensão, precisa levar em conta seu contexto político, histórico, geográfico, econômico, logística da distribuição de recursos, do corpo docente, fluxo de informações e comunicação, dentre outros fatores.

A forma de escolha dos reitores das universidades públicas brasileiras, a partir do processo de redemocratização do país na década de 80 do século passado, é feita pelo voto da comunidade acadêmica (estudantes, técnicos e professores), seja pelo voto universal ou paritário – um terço para cada categoria – e, em muitos casos, o governo procede à escolha em uma lista tríplice.

Segundo Trigueiro (2002), pode ocorrer de não os mais qualificados serem escolhidos para o cargo da reitoria, mas sim os que estejam mais afinados com o embate “político-eleitoral”, em que se façam articulações corporativistas alheios aos compromissos da comunidade acadêmica.

Geralmente, os processos de escolha dos dirigentes e as formas de votação nas eleições diretas são:

[...] três processos de escolha de dirigentes: o autocrático, no qual o detentor de poder do mando (governo, prefeito, proprietário) escolhe e nomeia o dirigente da IES; o indireto, no qual o dirigente é escolhido por um colégio eleitoral representante da comunidade (às vezes apenas o segmento docente), que apenas indica uma lista para a escolha e nomeação pela autoridade competente; e direto, no qual, embora a nomeação do eleito dependa de autoridade superior, a escolha do dirigente se dá com a participação e o voto direto da comunidade universitária. O autor identifica também três formas de votação para eleições diretas: a universalidade – pela qual todos os votantes têm o mesmo peso na votação, independente do segmento ao qual pertençam e de seu número; a proporcionalidade – quando os indivíduos participam em seu conjunto e o peso de seus votos é calculado de acordo com o segmento a que pertença cada um; e a paridade – na qual, a partir do entendimento de que os segmentos são numericamente diferenciados, atribui-se peso igual aos três segmentos que compõem a comunidade acadêmica. (TRIGUEIRO, 2002, p.127).

Vale lembrar que, para além da ocupação nas reitorias, cargos importantes das universidades, a exemplo de grupos de estudos, museus, pós-graduação lato e stricto sensu, associações, sindicatos, extensão e pesquisa, são ocupados por mulheres e sem a atuação delas essas universidades não seriam as mesmas e não teriam a visibilidade nacional e internacionalmente que possuem hoje. Contudo, embora as mulheres tenham, muitas vezes, destaque entre seus pares dentro das academias científicas, não têm a mesma visibilidade que têm seus colegas do sexo oposto. Dessa forma, a hierarquia do poder dentro das universidades se estende à hierarquia do poder na sociedade.

Embora a estrutura da gestão universitária seja também composta por mulheres: pró-reitoras, vice-reitoras, diretoras de departamentos, coordenadoras de colegiados, coordenadoras de núcleos de pesquisa e grupos de estudos, chefes de laboratórios e coordenadoras de cursos de pós-graduação, muitas dessas exercem poderes limitados e com pouca autonomia para tomar decisões.

            No ambiente das instituições, portanto, é que se manifestam as relações de poder, já que ele é a busca de todos os seres humanos e está distribuído conforme a economia, a ideologia e a política.

Porém, segundo Foucault (1979), o poder tem que ser analisado como algo relacional, que circula e nunca está ali, aqui ou acolá; nunca é apropriado em definitivo; funciona e se exerce em rede.  

Nos estudos de Bobbio (2012, p.82), semelhantes aos de Foucault, o poder pode ser classificado em três tipos: “econômico, ideológico, e político, ou seja, da riqueza, do saber, e da força” e complementa:

o que têm em comum estas três formas de poder é que elas contribuem conjuntamente para instituir e para manter sociedades de desiguais divididas em fortes e fracos, com base no poder político, em ricos e pobres, com base no poder econômico, em sábios e ignorantes, com base no poder ideológico[...].(BOBBIO, 2012, p.83).

De fato, é nessa atmosfera capitalista que se dão as relações de poder na sociedade contemporânea. Isso não difere da realidade dentro das universidades, onde a hegemonia do poder se concentra nas mãos de quem mais se aproxima da riqueza, do saber e da força, identificando-se mais com o gênero masculino e com a etnia branca, fato facilmente observado nas galerias expostas nas salas das reitorias das universidades públicas estaduais da Bahia.   

O poder não é um problema em si mesmo; ele é necessário em toda ação de liderança ou autoridade. O poder circula livremente entre as pessoas e assume diferentes características, fases e configurações. O poder não é absoluto como se pensa; ele é relativo e se apresenta entre os grupos e pessoas, pode ser concedido, usurpado ou disfarçado e manipulado.

Nessas relações de poder, historicamente, está implícita a força do patriarcado, que se configura enquanto liderança dos homens sobre as mulheres, dos chefes de família sobre as donas de casa, dos pais sobre os filhos, com raras exceções onde o matriarcado prevalece.

El patriarcado há mantenido a las mujeres apartadas del poder. El poder no se tiene, se ejerce: no es una esencia o una sustância, es una red de relaciones. El poder nunca es de los individuos, sino de los grupos. Desde esta perspectiva, el patriarcado no es otra cosa que uno sistema de pactos interclasista entre los varones y espacio natural donde se realizanlos pactos patriarcales es política. (VARELA, 2013, p.188).

De acordo com Saffioti (2015), o patriarcado é uma forma historicamente mais recente de dominação e poder do masculino sobre o feminino e, portanto, uma questão da relação de gênero a ser discutida. Dessa forma, faz-se necessário pontuar as interseções entre gênero, sexo, classe, raça/etnia que nos interessa para compreendermos as relações de poder que estão postas na atual sociedade capitalista em que vivemos.

Por outro lado, “[...] Assumir o poder não consiste na fácil tarefa de retirá-lo intacto e imediatamente se apropriar dele, o ato de apropriação pode envolver uma alteração do poder que lhe possibilitou ser assumido [...]” (BUTLER, 2017, p.21).

Ainda sobre o poder, Nietzsche (2009) vai dizer que esses homens superiores do humanismo tomaram a origem da linguagem como máxima expressão do poder senhorial, registrando cada coisa e acontecimento com a marca do poder sonoro.

Ao tratar da memória manipulada[4], na prática, diz Ricoeur (2007, p.93): “[...] para abusos, no sentido forte do termo, que resultam de uma manipulação concertada da memória e do esquecimento por detentores de poder [...]”.

Assim sendo a memória é manipulada por aqueles que detêm o poder, em boa parte da história por homens ricos e brancos, tratam de jogar no esquecimento a luta e as conquistas das mulheres que tanto contribuíram e contribuem para o bem estar da humanidade.

Pelo poder ideológico de quem domina, consegue, portanto, fazer desse processo de manipulação da memória, algo aceito, com poucas resistências, como se fosse natural e que não devesse ser discutido e corrigido. Dessa forma, mantem-se subalternas ao poder aquelas mulheres que embora representem grande parte da população, fazem parte das minorias subjugadas e menosprezadas socialmente.

[...] O processo ideológico é opaco por dois motivos. Primeiro, permanece dissimulado [...] mascara-se ao se transformar em denúncia contra os adversários [...]. Por outro lado, esse processo é extremamente complexo [...]. Definitivamente a ideologia gira em torno do poder [...] (RICOEUR, 2007, p.95-96).

Nesta perspectiva, em seu livro intitulado “A dominação Masculina”, Bourdieu (2012) denuncia a naturalização dessa dominação de gênero como se as coisas fossem assim mesmo e não culturalmente, socialmente e historicamente construídas, o que abre possibilidades para ser de outra forma, isto é, buscar o equilíbrio entre os diferentes gêneros com uma justa distribuição do poder. Utopia ou não, é preciso sonhar e buscar esse equilíbrio.

[...] sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento. (BOURDIEU, 2012, p.7-8).

Porém, essas relações não se dão de maneira tranquila, passiva e fácil. Trata-se de um território em disputa e constantes afirmações.  Espaços de hegemonia e contra hegemonias, em que o poder transita, a partir da dialética e do conflito, conforme ilustra Radl-Philipp (2014 p. p.49):

Es preciso indagar, entonces, en el proceso de la construcción social de las identidades de género conceptualizando a éste como un proceso sumamente complejo y complicado en el cual el propio sujeto construye y reconstruye activamente los contenidos estructurales de los roles de género, esto es, analizar desde una óptica teórico-interaccionista esta dinámica de la construcción social de las identidades de género.

 

Historicamente, exploradas e oprimidas, as mulheres recebem menos proteção das leis trabalhistas, diferença salarial, diferença na jornada e condições de trabalho, em relação aos homens, sendo-lhes negada à própria cidadania. (COSTA; SARDENBERG, 2008).

Nesse sentido, a lógica da supremacia masculina pode ser notada em todos os espaços de poder, inclusive dentro das Universidades Públicas estaduais da Bahia, em que, os principais cargos da alta hierarquia, a exemplo das reitorias, predominantemente, tem sido ocupadas pelos homens que compõem o quadro docente dessas instituições. 

3 METODOLOGIA

Como foi mencionado na introdução, uma das técnicas de coleta de dados foi a observação, que segundo Santos (2012), embora a técnica de observação seja uma das mais antigas utilizadas pela filosofia e pela ciência, ainda é muito interessante e atual. Não se trata apenas de ver e ouvir, pois quando feita de forma sistemática e organizada, torna-se um valioso instrumento para a coleta de dados na pesquisa científica.  

Por outro lado, acompanhamos a manifestação de candidatos e eleitores, pelas redes sociais, além da pesquisa documental que versava sobre o assunto em voga, pois, como diz Bell (2002, p.90): “A maioria dos projetos de ciências da educação exigem a análise documental”.

Com base na literatura disponível sobre a temática buscamos compreender esse fenômeno das eleições para a escolha de reitores, assim como os conceitos em torno das relações de poder e domínio patriarcal nos espaços públicos da sociedade.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, embora alguns dado numéricos são apresentados apenas para dar sustentação ao diálogo, no sentido de responder questões particulares e trabalhar com significados, crenças, valores e atitudes. (MINAYO, 2015).

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Observando os debates que ocorreram na cidade de Brumado-Ba, em 19 de setembro de 2017, durante a campanha de reitores para a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e na cidade de Vitória da Conquista, em 05 de abril de 2018, durante a campanha para a reitoria da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), foi possível perceber que as chapas compostas por mulheres ao cargo de reitoras não deixaram nada a desejar aos seus oponentes e concorrentes das chapas formadas por homens.

Pela mesma forma, observamos que durantes as entrevistas pelos meios de comunicação, as mulheres demonstravam firmeza na defesa de suas propostas, a partir de uma formação sólida e de uma vivência acadêmica e científica que lhes credenciavam a uma vaga de reitora nas universidades supracitadas.

No debate que ocorreu na cidade de Brumado, a chapa que disputa à reeleição, formada por dois homens brancos, articulou várias caravanas de estudantes, técnicos e professores de vários campi da UNEB, que se manifestavam com grande euforia e gritos de vitória, em uma demonstração de superioridade. As demais chapas, com seus representantes e apoiadores, de forma mais modesta adentraram ao recinto do debate e aguardava a pronunciação dos seus líderes.

A chapa “Somos Todos UNEB”, composta pelos candidatos à reeleição, o professor José Bites e o pró-reitor, Marcelo Ávila, membros da atual gestão, portanto, foi sorteada para iniciar a apresentação e de maneira enfática citou suas principais ações durante a gestão na reitoria, como se fosse uma prestação de contas à comunidade acadêmica. Com isso, reafirmavam o tempo todo que pela sua gestão bem sucedida se credenciava como a melhor chapa de todas ali presentes para dar sequência à gestão da UNEB. Essa chapa fez questão de dizer que as demais autoridades da Universidade estavam com eles, especialmente os diretores dos campi, o que parecia ter intuito de intimidar seus adversários. Embora durante o debate o clima fosse de respeito e cordialidade, não deixou de existir críticas entre os candidatos ali presentes.

Já a chapa “Novos Caminhos UNEB, diversidade e participação”, composta pelo professor Valdélio Santos Silva e Márcia Guena, ambos negros, foi a segunda chapa a se apresentar. Fizeram questão em dizer que representavam as diferenças dentro da universidade e estavam preocupados com as incidências de racismo e de discriminação. Repudiavam o golpe que foi dado na política nacional e defendia uma sociedade justa, humana e igualitária. Falaram de suas respectivas formações e de suas atuações em projetos importantes, a exemplo da criação da lei de cotas para negros e afrodescendentes na universidade.

Finalmente, a terceira chapa a se apresentar, que trazia como slogan: “A UNEB com a nossa cara”, formada por uma mulher negra, candidata à reitora, a professora Carla Liane e o professor Joabson Figueredo, além de falar da sua sólida e consistente formação acadêmica, fez questão de referir que era a atual vice-reitora e, nesta função, desempenhou um importante papel junto à elaboração e execução de projetos que visavam à melhoria financeira, técnica, acadêmica e científica da universidade. Apresentava-se como representante da etnia negra e das mulheres.

Em todas as questões debatidas naquele evento, parece-nos ter havido certo equilíbrio, mas o tempo todo a chapa formada apenas pelo sexo masculino, que era reitoria naquele momento, procurava ressaltar seu êxito na gestão e se colocar como melhor alternativa de todas.  A supremacia patriarcal, assim, se tornava evidente.

Decorrido o calendário de todo o processo eleitoral para a escolha de representantes à reitoria da UNEB, no dia 04/10/2017 foram realizadas as eleições, com seguintes resultados:

A chapa composta pelos homens brancos, pleiteantes à reeleição, obteve 64,46% dos votos válidos. A chapa composta pela mulher negra e o homem branco para reitora e vice-reitoria, respectivamente, teve 14, 22% dos votos. Enquanto que a chapa liderada pelo homem negro, pretendente ao cargo de reitor, e a mulher negra no cargo de vice-reitora totalizaram uma porcentagem de 17, 91. Os demais foram votos nulos e brancos.             Cabe ressaltar, no entanto, que do total de docentes, discentes e técnicos habilitados a votar, uma parcela muito pequena foram às urnas para escolher seus representantes, o que demonstra uma baixa participação e grande desinteresse da comunidade acadêmica para escolher seus gestores.

  No ano seguinte às eleições para compor a reitoria da UNEB, procedeu-se a eleição da UESB, em 11 de abril de 2018, ambos os casos para o quadriênio de 2018-2021. Durante a campanha os candidatos e candidatas puderam expor suas ideias e apresentar suas propostas, no sentido de convencer o eleitorado a fazer suas escolhas conscientes no processo democrático e participativo do pleito eleitoral à reitoria da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Ocupando os diferentes espaços físicos e virtuais, os membros das chapas homologadas, teceram seus debates e discutiram questões da gestão financeira, administrativa e acadêmica da UESB.

No último debate que ocorreu na UESB no dia 05 de abril de 2018, no auditório Glauber Rocha, a participação da comunidade acadêmica foi bem significativa, haja vista o grande movimento de pessoas durante o evento. Após suas respectivas apresentações pessoais, conforme as regras estabelecidas pela Comissão Eleitoral, os candidatos e candidatas expuseram suas propostas de trabalho e responderam questionamentos ali levantados, de forma respeitosa e cordial, mas sem deixar de tecer suas críticas uns aos outros, ao exaltar a qualidade de sua chapa e diminuir às dos seus oponentes.

O candidato a reitor da chapa “Alternativa Acadêmica: em defesa da UESB”, o professor Daniel de Melo Silva, deixou a entender, em sua fala que, as candidatas mulheres tinham um “relacionamento muito privilegiado com o governador do Estado”.

A chapa “Renova UESB: uma outra universidade é possível”, composta pelos professores Luiz Otávio de Magalhães e Marcos Henrique Fernandes, apoiada pela atual gestão, ao que pareceu, tinha maior apoio dos técnicos, enquanto a chapa liderada pelo professor Daniel, apoio dos docentes e a chapa  “Tempo de Replantar Sonhos: criar uma universidade popular”, formada pela professora Márcia Santos Lemos e a professora Nelma Gusmão de Oliveira, maior apoio dos discentes.

Os membros da chapa “Renova UESB: uma outra universidade é possível” respondiam de forma vaga e genérica às questões que lhe foram feitas. A chapa “Alternativa Acadêmica: em defesa da UESB”, através de seus componentes, procurava respostas mais consistentes, porém, as mulheres, da chapa “Tempo de Replantar Sonhos: criar uma universidade popular”, demonstravam profundo conhecimento sobre as questões da instituição, no que se refere à gestão financeira, administrativa e acadêmica, além da firme defesa de uma universidade pública, popular, gratuita e de qualidade, respeitando as diferenças e as diversidades. A chapa liderada pelo professor Luiz Otávio deixou a entender que, as questões políticas são alheias à universidade, o que causou perplexidade para muitos ali presentes.

Em outros momentos da campanha, sejam nas manifestações dos candidatos dentro da universidade, em contato direto com os eleitores, sejam via televisão e redes sociais, as candidatas mulheres apresentaram sua proposta de trabalho focando a democracia, a participação, a descentralização e a questão da defesa a uma universidade pública, gratuita e popular, mas isso não lhes garantiu êxito nos resultados das eleições como podemos constatar a seguir.           

Quanto aos resultados das eleições para a escolha de reitores da UESB, semelhante à logica da supremacia masculina nas eleições da UNEB, a chapa composta pelos homens teve a maior porcentagem dos votos, 61,09%, enquanto a chapa formada   pelas professoras mulheres apenas 19,61% seguida pela chapa liderada pelo professor Daniel, com 17,23%.   

É importante destacar que há diferença na forma de escolha de gestores na UNEB e na UESB: enquanto na primeira se dá de forma paritária entre os três corpos acadêmicos (docentes, técnicos e discentes), com 1/3 cada um, na segunda, a escolha é feita considerando a soma de 2/3 para docentes e técnicos e um 1/3 para os estudantes.

Nas demais questões o processo é semelhante, seguindo a lista tríplice para a escolha definitiva do governador do Estado que, geralmente, respeita a vontade da maioria dos eleitores da comunidade acadêmica e nomeia o mais votado.

  Coincidência ou não, esses dois casos aqui apresentados, bem como o histórico das eleições para reitores das universidades públicas estaduais da Bahia, conforme já apresentado, assemelha-se à logica do poder patriarcal observado em todo o processo da política nacional, em que os principais cargos executivos, legislativos e judiciários das nossas instituições têm sido historicamente, ocupados por homens brancos da elite brasileira.     

CONCLUSÃO

Embora nos pareça que haja equilíbrio entre o gênero masculino e feminino, no que se refere à formação e atuação acadêmica, científica e profissional dentro das Instituições do Ensino Superior, aqui especificamente no caso do Estado da Bahia, onde se deu a pesquisa, nota-se que os números em torno das eleições, para escolher os gestores das universidades públicas estaduais, sugerem a lógica da supremacia masculina, onde os homens se mantêm no poder e lideram as principais instituições do país, perpetuando a crença de que são mais capazes e competentes para tomar conta dos nossos destinos.

Assim como os homens, as mulheres são dotadas de competências e habilidades, mais ainda nas universidades públicas, para não somente serem lideradas, mas também para liderar e assumir cargos de poder dentro e fora das instituições educacionais.

É curioso o fato de que nem sempre a maioria divulgada nos resultados das eleições confere a maioria dos membros da comunidade acadêmica, pois o número de votantes que estão aptos a escolher seus representantes é muito maior do que aquele número que comparece às urnas para votar, já que no processo livre de votação, o que importa é a maioria dos que comparecem e não a maioria de todos os eleitores da instituição.  

Cabe, então, à comunidade acadêmica refletir sobre o papel e a influência das mulheres na gestão universitária, e buscar garantir a igualdade de direitos e oportunidades, tão requerida pelos movimentos feministas e de gênero nos últimos tempos.       

REFERÊNCIAS

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[1] Professor assistente da UNEB e doutorando em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB, orientando da professora doutora Luci Mara Bertoni. E-mail: jbenevides@uneb.br   

[2] Professora Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Doutora em Educação Escolar (UNESP) com Pós-doutorado em Educação e Gênero (USC - Espanha). Professora do Programa de pós-graduação em Memória: Linguagem e Sociedade (UESB). E-mail: profaluci@uesb.edu.br

[3] Segundo Fialho (2005, p.51) o termo sequer encontra-se absorvido pela língua vernácula, mas já é consagrado na literatura sobre o assunto, e significa mais que pluri ou multi, significa interdependência, simbiose.  

[4] Memória manipulada para Ricoeur, é aquela em que os detentores de poder procura distorcer os fatos e fazer valer a versão que os enobrecem, retirando qualquer versão que coloque em risco a suas respectivas supremacias.

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