23/08/2016

POR QUE ESTUDAR?

Dênio Mágno da Cunha*

Umberto Eco tornou-se referência na minha vida a partir do momento em que li “O Nome da Rosa”. Não vou contar a estória aqui porque vale a pena ler o livro e assistir ao filme. Mas não vou deixar de dizer que um dos aspectos da narrativa é a jornada em busca do conhecimento, a curiosidade, a vontade de saber mais, características do estudo. E também a guarda do saber e a competição silenciosa pela verdade. Muitas são as verdades na estória.

Há também um elemento concreto que é a biblioteca e sua localização: no alto, acima das disputas terrenas; local que se alcança depois de corredores e longas escadas; lugar de silêncio e estudo. Para se chegar lá e ter acesso a todo aquele conteúdo, obras raras, pagãs ou sagradas, havia de se submeter ao desafio de uma longa jornada. É simbólica a cena em que os personagens, o monge franciscano Guilherme de Baskervile e seu ajudante, Adso de Melk, demonstram um estado de estase ao acessarem aquele ambiente, surpresos com tantas obras e conhecimentos. Monges, enfileirados atrás de pequenas mesas estudavam os livros, retirando deles o conhecimento de séculos, sobre os mais diversos temas. Horas e horas de estudo e escrita gastas para sintetizarem e popularizarem (se podemos falar assim) aqueles conhecimentos raríssimos. Conhecimento que era restrito, inacessível, guardado a sete chaves, recluso. Estamos na Idade Média.

De volta ao futuro, não consigo deixar de relacionar a estória de o “Nome da Rosa” a duas situações emblemáticas na minha vida. O incêndio do Colégio do Caraça em 1968, que fez desaparecer sob cinzas boa parte do seu acervo; e a jornada que empreendi para fazer Doutorado em Educação na Universidade de Sorocaba. Naquela terra distante, eu era Adso acompanhando Guilherme de Baskerville.

Mas a intenção deste texto é conversar sobre a presença do estudo nas nossas vidas.

Desde pequeno estamos acostumados a ouvir: “ vai estudar menino!!”; “deixa de brincadeira e vai pegar nos livros”; “vai arrumar prá ir pra escola!!!”; “vai fazer o dever, preguiçoso!!”. Por aí vai. É assim que cada vez mais cedo, nossos pais nos incentivam ao estudo. Mesmo nas comunidades rurais mais pobres, onde crianças tem ainda hoje de ajudar na lida diária, os pais desejam que seus filhos, através dos estudos, alcancem uma vida melhor. Raras, raríssimas, são hoje as comunidades em que apenas o conhecimento hereditário/cultural é considerado o único necessário.

Como podemos perceber, de formas diferentes, todos têm a sua jornada em busca do conhecimento. Algumas jornadas mais longas, outras mais próximas; umas difíceis, outras fáceis. Na era da cibercultura (Pierre Levy) e da modernidade líquida (Bauman), o conhecimento – ou a informação para ser mais preciso – está literalmente ao alcance das mãos. As bibliotecas são públicas, estão acessíveis nos celulares e só não tem resposta aquele que não pergunta. Se tens uma dúvida, basta acessar o aparelho móvel que ele lhe dará a resposta. Fácil.

Se quando comecei a estudar, a fonte da informação clássica era uma coleção de 20 livros chamada Enciclopédia (Barsa ou Mirador), nem sempre disponível, hoje basta acessar o Google ou o Wikipédia para que as respostas apareçam. Se no passado tínhamos de escrever à mão o resultado da pesquisa, hoje basta fixar o dedo na tela do aparelho móvel para transferir o texto para outro lugar. É tranquilo e favorável. Estamos no paraíso dos estudiosos.

Mas temos estudiosos hoje em dia? Claro que sim, sem dúvida. Os jovens são extremamente estudiosos em sua grande maioria; os que não estudam são poucos. Só que não. Ainda faltam condições de acesso ao ensino e os que acessam, são frutos de uma cultura educacional em que o verbo estudar não é prática diária.

Infelizmente a velocidade e a ansiedade por respostas, rápidas e imediatas, nos levam a ausência de reflexão pedida pelo estudo. A constatação é que as condições não estão fáceis e nem favoráveis ao estudo. A verdade é que o conhecimento adquirido é frágil e não resiste a duas etapas de questionamentos. Nossos alunos, sempre falando de modo geral, não estudam, apenas repetem o que ouvem.

Se a vida fosse uma Olimpíada, a grande maioria de nossos estudantes (de qualquer nível), não passaria da fase de classificação. Finalistas e campeões como Rhany Rodrigues são raros e motivo de festa midiatíca. Nossos estudantes de modo geral, peço desculpas se estiver falando bobagem, esqueceram-se do significado da palavra estudo. Fazem o suficiente para alcançarem os resultados mínimos, decoram conceitos e respostas. No meio de tantas outras atividades, buscam pela resposta certa que lhes dará pontos, assinalando a letra correta. Universidades e outras instituições de ensino que os transformam em estudantes de tempo integral são poucos, assim como são poucos os que compreendem a natureza integral do estudo - não é uma questão de tempo e sim de intenção. Fazer faculdade é uma coisa; estudar é outra. Estudar exige entrega e dedicação.  

De certa forma, ainda vivemos na Idade Média quando apenas uns poucos frequentavam os mosteiros, e tinha condições de aprofundar seus conhecimentos. A grande maioria ficava na periferia, recebendo o basicão. Há uma cena em “O Nome da Rosa” que ilustra essa situação.

Sempre foi assim e assim continuará a ser? Espero que não.

Temos condições técnicas e humanas para possibilitar o acesso à informação para toda a gente. O que nos falta é a vontade de encarar o desafio de transformar a mentalidade e o processo de ensino nas escolas, deixando para trás uma cultura da “educação bancária”, como nos ensina Paulo Freire, seguindo em direção da cultura do ensino crítico, reflexivo e aplicado, centrado no estudo. De Brasília aos professores mal pagos de nossas escolas do Brasil rural, passando pelo ensino privado, médio e superior das grandes redes de ensino, e pelas escolas públicas das periferias até o sucateamento de nossas Universidades públicas, falta-nos ações transformadoras. Elas são ainda muito poucas para o tamanho de nosso desafio. Falta-nos um pacto pela transformação da cultura do ensino-aprendizagem em cultura do estudo crítico.

Para não dizer que não falei de flores é bom ressaltar que existem ilhas de excelência em todas estas instâncias. Em Brasília há pessoas sérias pensando novos rumos para a educação; no Brasil Rural e nas periferias das grandes cidades existem escolas, professores e alunos que desafiam suas pobres condições; entre as instituições privadas e as públicas existem aquelas que buscam o ensino de qualidade, retirando seus alunos do anonimato, verdadeiros centros preocupados com a formação. Mas ainda são em menor número do que necessitamos, não é uma prática geral.

A partir da palavra necessidade, retomo o título do texto de hoje: Porque Estudar? Por que necessitamos construir uma nova Nação, no modelo que sonhamos. Lugar onde o cidadão é respeitado; onde as instituições públicas funcionam a favor do país e não a favor de interesses privados; lugar onde viceje a confiança e não a desconfiança; nação da riqueza humana; lugar onde a utopia faz-se realidade, onde a condição humana é humana. Somente a mudança do paradigma educacional centrado no desempenho quantitativo para outro centrado na qualidade e na formação pelo estudo será capaz de nos fazer evoluir como nação independente.

Tudo isso poderá ser alcançado se cada um dos nossos estudantes e professores compreenderem a função do estudo em sua vida. A cada um em que implantarmos a centelha do estudo outros tantos surgirão. A missão dos professores e transformarem salas de aula em salas de estudo, só assim estaremos construindo as condições para mudar o país pela educação.

Pensem no assunto e enquanto pensam assistam o vídeo Entrevista com Maria.

 * Professor em Carta Consulta e Una/Unatec. Doutorando Universidade de Sorocaba. Acredita na transformação do país.

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