09/09/2025

POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: UM RESGATE TEÓRICO

RESUMO

A internacionalização do ensino superior é um processo estratégico para o desenvolvimento científico e social do Brasil, impulsionado por complexos fatores da globalização. Contudo, sua implementação no país enfrenta desafios estruturais significativos, como a instabilidade de financiamento e as assimetrias institucionais, que condicionam seu potencial. Este artigo analisa as políticas e estratégias de internacionalização das IES brasileiras, utilizando o referencial teórico consolidado na literatura para interpretar o cenário atual. A análise aborda dimensões contemporâneas do debate, incluindo a “Internacionalização em Casa” (IaH) como estratégia de inclusão, a ascensão do intercâmbâmbio virtual e a relevância da cooperação Sul-Sul.

Palavras-chave: Globalização; Ensino Superior; Políticas de Internacionalização; Estratégias de Internacionalização.

ABSTRACT

The internationalization of higher education is a strategic process for Brazil’s scientific and social development, driven by complex factors of globalization. However, its implementation in the country faces significant structural challenges, such as funding instability and institutional asymmetries, which condition its potential. This article analyzes the internationalization policies and strategies of Brazilian Higher Education Institutions (HEIs), using the consolidated theoretical framework from the literature to interpret the current scenario. The analysis addresses contemporary dimensions of the debate, including “Internationalization at Home” (IaH) as an inclusion strategy, the rise of virtual exchange, and the relevance of South-South cooperation.

Keywords: Globalization; Higher Education; Internationalization Policies; Internationalization Strategies.

1.INTRODUÇÃO

A internacionalização do ensino superior consolidou-se como um tema central no debate acadêmico e um pilar estratégico para o desenvolvimento de nações que buscam se inserir na economia do conhecimento. Embora a ideia de intercâmbio acadêmico possua raízes históricas, sua manifestação contemporânea é distinta e mais complexa, impulsionada não apenas pela busca do saber, mas por uma teia de fatores econômicos, políticos e sociais que redefinem o papel da universidade no século XXI. Para o Brasil, a inserção qualificada de suas Instituições de Ensino Superior (IES) no cenário global é fundamental para enfrentar desafios nacionais complexos, desde a vigilância em saúde pública e a transição energética até o desenvolvimento sustentável da Amazônia, áreas em que a colaboração científica internacional não é uma opção, mas uma necessidade.

A motivação para este movimento é tipicamente apresentada a partir de uma dupla perspectiva. Por um lado, fundamenta-se em uma visão humanista, que entende a cooperação como um vetor para o avanço do conhecimento humano, assentado sobre o senso de comunidade internacional. Por outro, em um cenário de globalização avançada, a internacionalização é percebida sob uma ótica pragmática, como uma resposta estratégica às oportunidades de um mercado cada vez mais competitivo. No Brasil, essa dualidade é vivida com particular intensidade. O processo tem ganhado tração nas últimas décadas, mas enfrenta desafios estruturais, como a forte dependência de financiamento público, a instabilidade decorrente de ciclos políticos e econômicos, e o impacto da flutuação cambial, que afeta diretamente a viabilidade de programas de mobilidade. O risco da "fuga de cérebros" emerge como uma consequência potencial de uma internacionalização mal gerenciada, que exporta talentos sem criar condições para seu retorno e absorção. O estado de Minas Gerais, com sua densa rede de universidades federais e estaduais de pesquisa, exemplifica tanto o potencial quanto as vulnerabilidades da internacionalização no país.

Diante do exposto, este artigo propõe-se a analisar o processo de internacionalização das IES, utilizando o arcabouço teórico consolidado na literatura internacional para interpretar as políticas e estratégias em curso no Brasil. A análise se aprofundará em dimensões contemporâneas do debate, como a ascensão da "internacionalização em casa" (IaH) como estratégia de inclusão, as novas modalidades de intercâmbio virtual que redefinem as fronteiras da colaboração, e a crescente relevância da cooperação Sul-Sul como contraponto ao modelo tradicional de colaboração com o Norte Global

2.AS FORÇAR DA GLOBALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL

                  A globalização é um fenômeno de natureza primordialmente econômica, mas suas implicações transcendem essa esfera, atravessando os domínios social, cultural, político e educacional da sociedade. Este processo resulta em uma intensificação sem precedentes do fluxo mundial de conhecimento, pessoas, ideias e valores. Neste cenário, conforme adverte Altbach (2004), é imperativo que os sistemas e as instituições acadêmicas não ignorem as novas tendências políticas, econômicas e científicas que definem o contexto global. No Brasil, essas macrotendências não apenas chegam como reflexos, mas são ativamente reconfiguradas pelas condições locais, gerando um panorama complexo de oportunidades e desafios. Para uma análise aprofundada, decompõe-se este impacto em três dimensões interconectadas: o paradigma econômico-político do neoliberalismo, a emergência da economia do conhecimento e a revolução digital.

2.1.O Paradigma Econômico-Político: Neoliberalismo e a Universidade como Ator de Mercado

                  A primeira dimensão de impacto refere-se à ascensão do paradigma neoliberal, que tem orientado a reestruturação de economias nacionais para alinhá-las às tendências globais. Uma de suas consequências mais diretas para o ensino superior público é a contínua redução de subsídios estatais. No Brasil, essa tendência foi materializada e intensificada por políticas de austeridade fiscal, que impuseram severas restrições orçamentárias às universidades federais, impactando diretamente sua capacidade de investimento em pesquisa, infraestrutura e, crucialmente, em ações de internacionalização.

                        Essa dinâmica reconfigura o papel do Estado, que transita de uma posição de "provedor do bem-estar" para a de "estruturador de mercados". Tal mudança pressiona as universidades a revisarem seus modelos administrativos, buscando uma maior autonomia financeira e adotando práticas de gestão focadas na eficiência econômica. Com isso, as instituições são compelidas a diversificar suas fontes de receita, recorrendo a convênios com o setor privado, à prestação de serviços e ao fortalecimento de suas fundações de apoio. Em Minas Gerais, por exemplo, as principais universidades federais, como a UFMG, e estaduais, como a UEMG, operam nesse ambiente de constante busca por recursos complementares para viabilizar seus projetos estratégicos.

                  Como consequência, o ensino superior, historicamente concebido como um bem público, passa a incorporar lógicas e práticas da esfera privada. A educação começa a ser tratada como um produto comercializável, e os estudantes, em certas esferas, como consumidores, o que acirra a competição entre as universidades. Essa competição não se dá apenas pela captação de alunos, mas também por projetos de pesquisa financiados, por parcerias estratégicas e por uma melhor posição nos rankings nacionais e internacionais, que se tornam uma vitrine de prestígio e um fator de atração de talentos e recursos. Esse fenômeno, conhecido na literatura como "capitalismo acadêmico", incentiva uma cultura de empreendedorismo dentro das universidades, onde a produção de patentes e a criação de startups a partir de pesquisas acadêmicas são cada vez mais valorizadas como indicadores de sucesso e relevância social.

2.2 A Emergência da Economia do Conhecimento e a Pressão por Inovação

                  A segunda dimensão, que atua em uma aparente contradição com a primeira, é a consolidação da economia do conhecimento, que acentua a importância estratégica das universidades para o desenvolvimento econômico de um país. Se, por um lado, o neoliberalismo pressiona por cortes, a economia do conhecimento exige investimentos massivos em ciência e tecnologia. Neste contexto, as instituições de ensino atuam como "fábricas do conhecimento" , sendo responsáveis por gerar a inovação e formar o capital humano altamente qualificado que constituem os pilares para o crescimento econômico.

                  No Brasil, essa percepção fundamenta os Planos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, que colocam as universidades no centro da estratégia de desenvolvimento do país. A principal característica deste novo paradigma é a velocidade com que o conhecimento é gerado, acumulado e, crucialmente, depreciado ou superado. Isso impõe uma aceleração constante do progresso científico e tecnológico, demandando que a pesquisa universitária seja não apenas rigorosa, mas também ágil e conectada às demandas da sociedade e do mercado. Para responder a esse desafio, o modelo da "Hélice Tripla" (Universidade-Empresa-Governo) torna-se um referencial importante, orientando a criação de ecossistemas de inovação. Em Minas Gerais, esse modelo é visível em parques tecnológicos como o BH-TEC, que integra a UFMG, o Governo do Estado e diversas empresas de base tecnológica, buscando transformar o conhecimento acadêmico em desenvolvimento econômico e social.

2.2.A Revolução Digital: Tecnologias como Vetores de Transformação e Desigualdade

                  A terceira dimensão, que atua como catalisadora e infraestrutura para as anteriores, é o avanço das tecnologias de informação e comunicação (TICs). O potencial dessas tecnologias é vasto, permitindo o acesso remoto à informação e viabilizando a educação a distância por meio de processos interativos entre docentes e discentes. O impacto das TICs, no entanto, vai muito além do ensino a distância. Elas redefiniram a própria prática da pesquisa científica, possibilitando a formação de redes de colaboração globais que compartilham grandes volumes de dados (Big Data) e trabalham conjuntamente em projetos complexos, como os de genômica ou de modelagem climática.

                  A ascensão de plataformas de Massive Open Online Courses (MOOCs) e, mais recentemente, de metodologias de "internacionalização virtual" ou Collaborative Online International Learning (COIL), transformou o panorama da cooperação acadêmica. A pandemia de COVID-19, em particular, acelerou drasticamente essa transição, forçando as IES a adotarem modelos de intercâmbio digital como alternativa à mobilidade física. Para as universidades brasileiras, essa se tornou uma importante via para a internacionalização de baixo custo.

                  Contudo, a revolução digital no Brasil ocorre em um cenário de profunda desigualdade. O "abismo digital" — a disparidade no acesso a equipamentos e à internet de alta velocidade — cria novas formas de exclusão. A promessa de uma educação global e acessível para todos através da tecnologia esbarra na realidade de que muitos estudantes, especialmente os de baixa renda, não possuem as condições materiais ou a literacia digital necessária para participar plenamente dessas iniciativas.

                  Em síntese, as universidades brasileiras, e as mineiras em particular, operam na complexa intersecção dessas três forças globais: a pressão por eficiência fiscal e diversificação de receitas (neoliberalismo); a demanda por relevância estratégica e inovação (economia do conhecimento); e as oportunidades e desafios da transformação digital. Diante desses múltiplos impactos, as instituições têm sido compelidas a responder de forma estratégica, e a principal resposta tem sido a internacionalização de suas atividades, um processo cuja conceituação será abordada a seguir.mediante a internacionalização das atividades, cuja definição será apresentada a seguir.

3.A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE INTERNACIONALIZAÇÃO

           

                  O conceito de internacionalização, hoje central para a estratégia universitária, percorreu um longo caminho de maturação teórica. Sua evolução reflete as próprias transformações do ensino superior e do contexto global.

3.1.A Genealogia do Conceito: De Atividade a Processo Estratégico

                  Nas suas acepções mais antigas, a internacionalização era frequentemente definida de maneira aditiva e fragmentada, como um conjunto de atividades específicas, tais como a mobilidade de estudantes e docentes, a adaptação curricular ou a assinatura de convênios de cooperação. Essa abordagem, predominante no período pós-guerra, via o intercâmbio acadêmico muitas vezes como um instrumento de soft power e diplomacia cultural, focado em ações pontuais e desarticuladas da missão central da instituição.

                  A contribuição seminal de Jane Knight (1993, 2003) representou uma virada paradigmática ao propor uma definição mais robusta e integrada. Em sua formulação mais consolidada, a internacionalização é o “processo no qual se integra uma dimensão internacional, intercultural ou global nos propósitos, funções e oferta de educação pós-secundária”. A análise detalhada desta definição revela sua profundidade. O termo "processo" a distingue de atividades isoladas, ressaltando seu caráter contínuo e dinâmico. A tríade "internacional, intercultural e global" expande o escopo para além das relações entre nações (internacional), incluindo a diversidade cultural dentro das comunidades (intercultural) e o contexto mundial mais amplo (global). Finalmente, a menção a "propósitos, funções e oferta" indica que a internacionalização deve permear todas as dimensões da vida universitária: desde sua missão e valores até suas atividades primordiais de ensino, pesquisa e extensão.

                  Apesar de sua ampla aceitação, essa definição processual também foi alvo de críticas. Autores como Stier (2002) e Van der Wende (1997) alertaram para o risco de a internacionalização se tornar um fim em si mesma, desprovida de um propósito finalístico claro, como a melhoria da qualidade educacional. Esse debate foi crucial para que o campo avançasse, reconhecendo que o "como" e o "para quê" da internacionalização são tão importantes quanto o processo em si.

3.2.O Paradigma da "Internacionalização em Casa" (IaH) como Resposta à Crise da Mobilidade

                  Em resposta às limitações da mobilidade física — que, por razões econômicas, sociais e curriculares, historicamente atinge uma parcela minoritária da comunidade acadêmica —, consolidou-se nas últimas décadas o conceito de "Internacionalização em Casa" (IaH). Originado na Europa a partir da constatação de que o aclamado programa Erasmus beneficiava menos de 5% dos estudantes, a IaH compreende o conjunto de atividades que visam desenvolver competências globais e interculturais dos estudantes dentro de seu próprio campus e em suas salas de aula.

                  Trata-se de uma abordagem mais democrática, inclusiva e escalável. Para um país com as profundas desigualdades sociais do Brasil, a IaH representa uma ferramenta estratégica para a equidade no ensino superior. Se a mobilidade internacional tende a ser um privilégio, a IaH busca democratizar o acesso a uma formação com perspectiva global. As estratégias de IaH são diversas e incluem:

  • A internacionalização do currículo: Revisão de planos de ensino e bibliografias para incluir autores, casos de estudo e perspectivas de diferentes partes do mundo, especialmente do Sul Global, contribuindo para uma descolonização do saber.
  • O uso de metodologias de aprendizagem colaborativa online (COIL): Conectar salas de aula no Brasil com salas de aula em outros países para o desenvolvimento de projetos conjuntos, promovendo a interação intercultural de forma virtual.
  • A valorização da diversidade no campus: Promover a integração entre estudantes brasileiros e estrangeiros e utilizar a diversidade cultural e étnica do próprio corpo discente como um recurso pedagógico para o desenvolvimento de competências interculturais.

3.3.A Dimensão Macropolítica: Níveis Nacional e Setorial

                  No nível nacional, as políticas de internacionalização são formuladas pelo Estado e englobam não apenas a legislação educacional, mas também diretrizes de outros setores que impactam a academia, como cultura, ciência e tecnologia, imigração e comércio exterior. Os programas decorrentes dessas políticas são as ferramentas de fomento, como os que promovem a mobilidade acadêmica, o recrutamento de estudantes estrangeiros ou as iniciativas de pesquisa conjunta entre países. No Brasil, essa dimensão é claramente visível na transição do programa "Ciência sem Fronteiras" (CsF) para o Programa Institucional de Internacionalização (CAPES-PrInt). Enquanto o CsF representou uma política nacional focada em um programa de mobilidade em massa, o PrInt reflete uma política mais estratégica, focada no fortalecimento de redes de pesquisa por meio de programas de fomento à pós-graduação.

O nível setorial, por sua vez, refere-se às políticas e programas específicos do setor educacional, relacionados ao seu propósito, financiamento e regulação. No Brasil, a atuação de agências como a CAPES e o CNPq na avaliação e regulação da pós-graduação é um exemplo de política setorial que influencia diretamente a capacidade de internacionalização dos programas, ao estabelecer critérios de excelência que frequentemente incluem a produção científica internacional e a formação de parcerias.

 

3.4.A Dimensão Institucional: Da Missão à Prática

 

                  É no nível institucional que as macropolíticas nacionais e setoriais são traduzidas em realidade. Este nível engloba desde as declarações formais de intenção até as estratégias detalhadas que orientam o dia a dia da universidade.

 

Quadro1: Políticas e Programas nos níveis Nacional, Setorial e Institucional

Nível

Política

Programas

Nacional

  • Educação ou outras políticas de nível nacional relacionadas à dimensão internacional do ensino superior.
  • Outros setores de política incluem cultura, ciência, imigração, comércio, emprego.
  • Programas nacionais ou sub-regionais que promovem ou facilitam a dimensão internacional do ensino superior.
  • Podem ser providos por diferentes departamentos do governo ou por organizações não-governamentais.
  • Exemplos de programas incluem mobilidade acadêmica, recrutamento de estudantes e iniciativas de pesquisa internacional.

Setorial

  • Políticas relacionadas ao propósito, funções, financiamento e regulação do ensino superior.
  • Programas oferecidos por e para o setor educacional especificamente.

Podem ser providos por qualquer órgão governamental ou organização pública ou privada.

Institucional

  • Políticas que abordam aspectos específicos da internacionalização e/ou políticas que integram e sustentam a dimensão internacional na missão primária e nas funções da instituição.
  • Programas acadêmicos, como intercâmbio de estudantes e professores, estudo de idiomas estrangeiros, currículo internacional, processos de ensino e aprendizado, treinamento intercultural, palestrantes visitantes.

Fonte: Knight (2004).

 

 

 

 

3.4.1.A Transição da Política para a Estratégia

 

Se as políticas definem "o quê" e "porquê", as estratégias definem "como". Em um ambiente competitivo, impulsionado pela comercialização do ensino superior, a formulação de uma estratégia clara torna-se uma condição para a sobrevivência e o destaque da instituição. Conforme salientam Newman e Couturier (2001, p. 13), "toda instituição precisará de uma estratégia [de internacionalização] para que possa competir. (...) A estratégia precisará definir as atividades que vão prover uma vantagem competitiva à instituição e focar os recursos naquelas atividades".                                 

                  Nesse sentido, as estratégias são entendidas como as “iniciativas tomadas por uma instituição de ensino superior, na tentativa de integrar uma dimensão internacional à pesquisa, ensino e serviços, assim como nas políticas e sistemas de gerenciamento / administração” (DE WIT, 2002, p. 121).

 

 

3.5.A Taxonomia das Estratégias: Programáticas e Organizacionais

 

                  Segundo De Wit (2002) e Knight (2004), as estratégias institucionais podem ser classificadas em duas grandes categorias, que devem operar de forma complementar. As

estratégias programáticas são aquelas que buscam integrar a dimensão internacional diretamente nas atividades-fim da universidade: o ensino e a pesquisa. Elas se manifestam em quatro áreas principais: (i) nos programas acadêmicos, como a mobilidade e a internacionalização do currículo; (ii) nas atividades de pesquisa, como projetos conjuntos; (iii) nas relações exteriores, como projetos de cooperação técnica; e (iv) nas atividades extracurriculares e de serviço, como associações de estudantes e eventos interculturais.

                  Por outro lado, as estratégias organizacionais são as iniciativas que garantem que a internacionalização seja de fato institucionalizada e não apenas um conjunto de atividades periféricas. Elas visam assegurar que a dimensão internacional seja inserida na

"cultura, política, planejamento e processos organizacionais da instituição, de modo que não seja marginalizada ou tratada como algo passageiro" (DE WIT, 2002, p. 124). Essas estratégias envolvem desde o comprometimento da alta gestão e a alocação de recursos adequados até o desenvolvimento de sistemas de apoio e de políticas de recursos humanos que valorizem a experiência internacional.

 

Quadro 2: Estratégias Programáticas e Organizacionais

Estratégias Programáticas

Estratégias Organizacionais

Programas Acadêmicos

  • Programas de intercâmbio de estudantes.
  • Estudo de idiomas estrangeiros.
  • Dimensão internacional do currículo.
  • Estudos temáticos.
  • Trabalho / estudo no exterior.
  • Processo de ensino / aprendizado.
  • Programas de bidiplomação.
  • Treinamento intercultural.
  • Programas de mobilidade de professores e funcionários.
  • Professores e palestrantes visitantes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Governança

  • Compromisso expresso por líderes.
  • Envolvimento ativo do corpo de funcionários.
  • azões e objetivos para internacionalização bem articulados.
  • Reconhecimento da dimensão internacional na missão, planejamento e documentos de política.

 

 

Atividades Relacionadas à Pesquisa

  • Acordos internacionais de pesquisa.
  • Programas de intercâmbio para pesquisa.

Operações

  • Estruturas organizacionais apropriadas: sistemas formais e informais para comunicação, ligação e coordenação.
  • Apoio financeiro adequado e sistemas de alocação de recursos.

Relações Exteriores / Atividades de Assistência Técnica e Cooperação para o Desenvolvimento

Plano doméstico:

  • Parcerias community-based com grupos de organizações não-governamentais ou grupos do setor público / privado.
  • Serviço comunitário e projetos de trabalho intercultural.

Cross-border:

  • Projetos de assistência para o desenvolvimento internacional.
  • Entrega cross-border de programas educacionais (comerciais e não-comerciais).
  • Vínculos, parcerias internacionais e redes.
  • Treinamento contract-based e programas de pesquisa e serviços.
  • Programas alumni-abroad.

Serviços

  • Apoio de unidades de serviço da instituição: acomodação para estudantes, fund raising, tecnologia de informação.
  • Envolvimento de unidades de apoio acadêmico: biblioteca, ensino e aprendizado, desenvolvimento do currículo, treinamento do corpo de funcionários.
  • Serviços de apoio estudantil para estudantes recebidos e enviados: programas de orientação, conselheiros, treinamento intercultural, conselhos sobre vistos.

 

 

 

 

 

Atividades Extracurriculares

  • Clubes e associações de estudantes.
  • Eventos internacionais e interculturais no campus.
  • Ligação entre grupos étnicos e culturais da comunidade.
  • Programa e grupos peer suport.

Recursos Humanos

  • Processo de seleção e recrutamento que reconhecem experiência internacional.
  • Políticas de recompensa ou promoção para reforçar contribuições dos funcionários.
  • Atividades de desenvolvimento profissional dos funcionários.
  • Apoio para trabalhos internacionais e concessão de licenças para fins de estudo.

Fonte: Knight (2004).

 

3.6.A Práxis das Estratégias no Ecossistema Mineiro

 

                  No contexto de Minas Gerais, essa arquitetura teórica se manifesta de forma concreta. As estratégias programáticas são visíveis nos projetos de pesquisa colaborativos fomentados pela FAPEMIG, na participação das universidades em programas como o CAPES-PrInt e na crescente adoção de iniciativas de internacionalização em casa e de intercâmbio virtual (COIL).

                  As estratégias organizacionais, por sua vez, são exemplificadas pelo fortalecimento das Diretorias de Relações Internacionais (DRIs), que deixam de ser meros escritórios de intercâmbio para se tornarem unidades estratégicas. A própria adesão a um programa como o PrInt exige uma robusta capacidade organizacional, pois força as universidades a desenvolverem um plano estratégico de longo prazo, alinhando suas metas de internacionalização às suas áreas de excelência em pesquisa. No entanto, a profunda assimetria de recursos entre as diferentes IES do estado representa um grande desafio para a implementação equitativa de estratégias organizacionais robustas em todo o ecossistema de ensino superior mineiro.

 

4.DESAFIOS ESTRUTURAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS

 

                  Apesar dos avanços conceituais e programáticos, a internacionalização do ensino superior no Brasil enfrenta desafios estruturais significativos. A superação desses obstáculos é a condição fundamental para que o processo seja sustentável, equitativo e capaz de gerar os benefícios almejados para a ciência e a sociedade brasileira.

 

4.1.A Equação da Sustentabilidade: Financiamento e Continuidade

 

                  O desafio mais crítico para a internacionalização no Brasil é a sustentabilidade financeira. A forte dependência de recursos públicos, majoritariamente federais, torna os programas e as parcerias extremamente vulneráveis a cortes orçamentários e à descontinuidade de políticas a cada ciclo governamental. Essa natureza de "stop-and-go" do financiamento científico brasileiro prejudica a construção de parcerias internacionais de longo prazo, que se baseiam em confiança, planejamento e previsibilidade. A instabilidade impede que as universidades se comprometam com projetos de pesquisa plurianuais ou garantam a continuidade de programas de mobilidade, gerando descrédito no cenário internacional. A diversificação das fontes de fomento é, portanto, um caminho necessário, fortalecendo a colaboração com agências estaduais, como a FAPEMIG em Minas Gerais, e buscando parcerias estratégicas e éticas com o setor privado.

 

4.2.Barreiras Estruturais: Para Além da Língua e da Burocracia

 

                  A barreira linguística, representada pela baixa proficiência em inglês de parte expressiva do corpo discente e docente, é um obstáculo histórico. Ela dificulta tanto a mobilidade para o exterior quanto a capacidade de atrair talentos internacionais e de implementar a Internacionalização em Casa (IaH) de forma eficaz. Soma-se a isso a burocracia excessiva, que afeta desde a concessão de vistos para pesquisadores estrangeiros até os complexos e morosos processos de revalidação de diplomas obtidos no exterior, desestimulando o intercâmbio de talentos.

                  Além desses pontos, outra barreira relevante é a rigidez curricular de muitos cursos de graduação no Brasil. As grades curriculares fechadas e com pouca flexibilidade dificultam que o estudante realize um intercâmbio sem atrasar significativamente sua formatura, o que acaba por desincentivar a mobilidade. A superação deste desafio exige reformas curriculares que incorporem janelas de mobilidade e sistemas de creditação mais ágeis.

 

4.3.Perspectivas Futuras: Rumo a uma Internacionalização Abrangente e Equitativa

 

                  O futuro da internacionalização no Brasil depende da capacidade do país e de suas instituições de superar esses desafios e avançar em direção a um modelo de "internacionalização abrangente". Este modelo não prioriza uma estratégia em detrimento da outra, mas busca integrar de forma sinérgica a mobilidade de excelência para a pós-graduação, uma robusta política de internacionalização em casa para a graduação, o uso inovador de colaborações digitais e um portfólio de parcerias geograficamente diversificado, que equilibre a cooperação Norte-Sul e Sul-Sul.

                  A literatura também aponta para a necessidade de investigações mais aprofundadas que considerem as especificidades das diferentes áreas do conhecimento, pois o processo de internacionalização não ocorre de forma homogênea em todos os campos. Futuras pesquisas devem se dedicar a analisar como se dá a internacionalização nas ciências humanas, exatas e biológicas, detectando suas particularidades. Alcançar esse patamar de maturidade exige mais do que o esforço isolado das universidades; requer um compromisso nacional de longo prazo com a educação, a ciência e a tecnologia como pilares para um projeto de desenvolvimento soberano e inclusivo.

 

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

                  Ao longo deste artigo, buscou-se analisar o processo de internacionalização do ensino superior como um fenômeno complexo e multifacetado, essencial para o desenvolvimento do Brasil. Conforme apontado na introdução, a internacionalização está na encruzilhada de duas grandes forças: a missão humanista de avanço do conhecimento por meio da cooperação e a necessidade pragmática de responder às pressões de um cenário global competitivo. A análise demonstrou que uma estratégia bem-sucedida não pode ignorar essa dualidade, devendo equilibrar os objetivos acadêmicos e sociais com as demandas de um mercado educacional globalizado.

                  A investigação das políticas e estratégias no Brasil revelou um amadurecimento, com a transição de modelos de mobilidade em massa para abordagens mais estratégicas. No entanto, o texto também reiterou que os desafios estruturais, como a instabilidade do financiamento e as barreiras burocráticas, permanecem como os principais obstáculos para que o país realize plenamente seu potencial. A experiência de Minas Gerais serve como um microcosmo dessa realidade, onde a excelência acadêmica e o potencial de cooperação convivem com vulnerabilidades sistêmicas.

                  Conclui-se que o caminho para o futuro da internacionalização no Brasil passa, necessariamente, pela adoção de um modelo abrangente, que não apenas fomente a mobilidade, mas que também invista em novas dimensões, como a "internacionalização em casa", o intercâmbio virtual e a cooperação Sul-Sul. Essas abordagens, discutidas ao longo do texto, são fundamentais para construir um processo mais inclusivo, sustentável e soberano. Em última análise, uma política de internacionalização bem gerenciada é uma ferramenta indispensável para que as IES brasileiras possam cumprir sua missão e contribuir para o enfrentamento dos grandes desafios nacionais, conforme destacado inicialmente.

 

REFERÊNCIAS

 

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