22/02/2021

Paulo Freire e o Barco de Argila

Por Wolmer Ricardo Tavares – Mestre em Educação e Sociedade, Escritor, Palestrante e Docente – www.wolmer.pro.br

 

Para nós educadores é tão prazeroso conversar com pessoas inteligentes e críticas no sentido de perceber as coisas e nestas conversas surgem outras, e constroem-se então teorias e até mesmo especulações e divagações filosóficas.

Já imaginaram como seriam os barcos se fossem feitos de argila? Nossa educação está em um destes barcos, porém de proporções maiores, estilo transatlântico, a transportar sonhos, futuros e principalmente a dignidade de todo povo brasileiro, e para relatar um pouco mais a realidade, estamos sem capitão.

Para entender nosso contexto e sistema educacional, é necessário que façamos um recorte no tempo. Com a ditadura e o AI5 que massacrou a cultura e a educação e dizimou vidas, os maiores pensadores de nosso país tiveram que buscar exílio em países vizinhos ou até mesmo lugares longínquos, ou seja, no conhecido Velho Mundo, e os que aqui ficaram para enfrentar o sistema, ou foram presos e torturados ou simplesmente morreram "acidentalmente" como no caso de Anísio Teixeira, um ícone na educação que foi encontrado morto em um elevador na Avenida Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

Outros educadores, artistas e pensadores tiveram melhor sorte ao se exilarem do país, e um deles foi Paulo Freire, e para onde este educador foi, houve crescimento no sistema educacional, e em contrapartida, o Brasil se afundava na lama da ditadura e da hipocrisia.

Hoje, é comum educadores e inclusive já tivemos ministros da educação questionarem as ideias freirianas, mas estes apesar de toda a formação, são verdadeiros imbecis que falam sem propriedade do que representou a pessoa Paulo Freire e sem conhecimento de causa sobre o seu método.

Segundo Carvalho em seu texto Paulo Freire e o exílio no Chile: uma contribuição recíproca para uma visão de mundo, publicado pela Educere et Educare, Revista de Educação em 2009[1], Paulo Freire foi  um educador ímpar e teve longos anos de sua vida dedicados a pensar e a fazer educação, fomentando protagonismo e cidadania crítica.

Freire foi um exímio educador, que apesar da nossa atual política e até mesmo ex-ministro afirmarem que este educador não deixou legado, a única coisa que estes representantes do povo fizeram, foi nos fazer perceber a tamanha pequenez destes em relação a educação e o quão são néscios nesta seara, o que é compreensível, já que as ideias de Paulo Freire divergem de seus interesses que são formar cada vez mais gados de manobra, e pessoas domesticadas e subalternas.

Para quem não sabe, esta singularidade chamada Paulo Freire teve ao seu legado, conforme Carvalho, 43 títulos de doutor honoris causa, destes, 38 recebidos em vida e os demais recebidos por sua viúva, Ana Maria Araújo Freire em diversos países.

De acordo com as falas autor supracitado, Paulo Freire era visto pelo governo militar como um subversivo, pois de sua experiência fez nascer o Movimento de Cultura Popular - MCP, criado em Recife - PE. Este movimento era considerado no início da década de 60, um movimento de intelectuais e de artistas.

O autor complementa ao afirmar que dentro do MCP, Paulo Freire passou a coordenar outros projetos como "Círculos de Cultura" e "Centros de Cultura".

Obviamente que tais projetos iam na contramão do imposto pelo governo militar e por isso era visto como ensino subversivo, ou seja, ensino que faz com que o aluno não fique alienado e tampouco se transforme em um ser domesticado subalterno.

Seu exílio deu forças para suas ideias e o fez crescer ainda mais como pessoa e educador e cidadão do mundo.

Foi no Chile que ele se projetou pois entre 1964 e 1969 ele assumiu o cargo de Assessor do Instituto de Desarollo Agropecuário e do Ministério da Educação do Chile; Consultor da Unesco junto ao Instituto de Capacitación e Investigación em reforma Agrária do Chile, e foi neste país que escreveu um dos livros mais importantes e mais lidos em todo mundo, livro este intitulado Pedagogia do Oprimido, que é resultado dos seus cinco primeiros anos de exílio e que expressa suas vivências com a educação popular, que busca desenvolver a conscientização, libertação e justiça social[2].

Como cidadão do mundo, ele foi professor convidado da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachussetts, onde dava aulas sobre suas próprias reflexões.

Foi para Genebra como Consultor do Conselho Mundial das Igrejas - conselheiro educacional de governos do Terceiro Mundo; Presidente do Conselho Executivo do IDAC, além de levar seu nome e método para os continentes Africano, Europeu e Asiático.

Em todo lugar que passou, houve mudanças no sistema educacional entretanto em seu próprio país durante a ditadura, o mesmo foi ignorado e colocado em um ostracismo.

Nos dias atuais, seu método trabalhado é deturpado pelo sistema e até mesmo sabotado pelos próprios educadores que interpretam erroneamente, salientando as falas da educadora mineira Rosevania Nunes, quando ressalta que "Não existe um método apenas, Paulo Freire é mais que isso é uma metodologia inteira".

Tais falas são corroboradas por Aranha em seu livro História da educação, publicado pelo Moderna em 2000, que elucida ser Paulo Freire um exemplo de educador e cristão, pois seu cristianismo é embasado em uma teologia libertadora que foi aplicada em seu método de ensino demonstrando uma preocupação crescente com o contraste entre a pobreza e a riqueza que resulta de privilégios sociais.

Para a autora, Freire trabalhou os dois tipos de pedagogia, a dominante e a do oprimido. A primeira faz uso da educação como prática de dominação enquanto a segunda, a educação é vista como prática libertadora, aquela que leva nosso educando a um protagonismo cognoscente e a uma cidadania crítica.

Esta pedagogia segundo Freire, deve ser forjada com o educando e não para o educando e a mesma deverá ser uma luta incessante de recuperação de sua humanidade. Tais falas se fazem tão relevante em nossa sociedade que Romão em seu livro Pedagogia Dialógica, publicado pela Cortez em 2002, elucida que Paulo Freire introduziu o diálogo como instrumento fundamental no processo ensino-aprendizagem e segundo o autor, este método dialógico na teoria e na prática freiriana representa o processo de humanização, já que homens e mulheres só se completam na busca na busca permanente da plenitude, apesar de não alcançada.

Para o autor, esta busca é sempre dialógica, "entre seres em processo comungado de conscientização e diálogo desse coletivo como mundo". Assim sendo, Paulo Freire se transformou em uma pessoa além de seu tempo, pois com seu método, buscava criar "homens contextualizados com a sua própria história enquanto sujeitos construtores de seu desenvolvimento e de sua libertação"

Com a saída de Paulo Freire, o sistema educacional do Brasil se incumbiu em criar toda uma geração de pessoas (e não cidadãos) apolíticas e acríticas. Dito isso, podemos observar que encontramo-nos neste transatlântico de argila, representado por uma sociedade falha, corruptora e hipócrita.

Assim sendo, que nossa educação possa resgatar o verdadeiro método freiriano e efetivá-lo em sua educação para que tenhamos educandos politizados e um futuro mais promissor, já que com uma educação libertadora, teremos concomitantemente alunos críticos que perceberão que o voto não faz do político um ladrão, e sim de um ladrão em político.

 

 

[1] Para mais informações vide http://e-revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/article/view/3253/2566

[2][2] Para mais informações vide http://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/biografia/05_biografia_exilio.html

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