01/03/2011

Particularmente, não aguento mais do mesmo

Para introduzir esse artigo, que é breve, devo esclarecer ao leitor mais arguto, e até mesmo aos críticos de plantão, que não sou um escritor livre de erros epistemológicos, gramaticais ou ortográficos. Pretender isso é uma falácia significantemente perigosa para as minhas próprias reflexões. Escritos paradoxais enfraquecem qualquer tese. Assim, caro ledor, venho aqui contrapor não os erros de escrita que se dão na dubiedade da própria língua ou na falta de atenção de quem publica um texto com uma palavra mal digitada ou uma sentença com erros de concordância. Aqui, a crítica recai sobre erros de linguagem que surgem propositalmente na tessitura de uma idéia, escrita ou falada, quando pretensamente se busca a erudição.

A palavra que hoje, no começo da segunda década do novo século, mais me incomoda é mesmo. Não quando utilizado no sentido de igual, como na frase eu quero o mesmo lanche que o meu amigo pediu, ou como predicado que significa o próprio, bem utilizado no breve diálogo, que é comum entre casais, no qual o marido grita pedindo seu chinelo e sua esposa pergunta o azul?, e a replica é esse mesmo.

A problemática surge quando o mesmo vem na intenção de substituir uma palavra utilizada na frase anterior. Raramente essa prática é falada; enquanto que transborda na comunicação escrita. Os exemplos abundam no cotidiano: placas, comunicados, memorandos, circulares, e-mails, e assim por diante. Praticamente todos os trabalhos acadêmicos que recebo de meus estudantes para correção carregam o mesmo erro em sua redação (trocadilho intencional). Não raro, a justificativa pela redação de um texto empobrecido pelo mesmo (que também surge no feminino mesma), é que a repetição do termo deixaria a redação feia ou empobrecida. A explicação é válida, mas o mesmo não resolve o problema: piora.

Passamos agora a alguns exemplos e suas possíveis soluções.

Um cartaz manuscrito em letras garrafais tinha o nobre propósito de alertar aos motoristas, que pretendiam estacionar em determinadas vagas em frente a um condomínio de classe média, que o seu patrimônio material correria risco de danos, porque o prédio estava, naquele momento, sendo pintado. O cartaz dizia: Motorista, cuidado! Não estacione na frente do prédio, porque o mesmo está sendo pintado. Vê-se uma linguagem complicada, utilizada em uma mensagem que poderia e deveria ser simples: Motorista, cuidado! Não estacione na frente do prédio, porque o mesmo que está sendo pintado. Ou, ainda, mais simplificado: Motorista, não estacione. O prédio está sendo pintado.

Uma circular redigida pelo conselho administrativo de um condomínio residencial e assinada pelo síndico, informava os moradores da assembléia porvir, bem como enumerava os itens da pauta. Um destes incisos previa a necessidade de uma enquete, que seria distribuída aos condôminos e devolvida no momento da assembléia geral. A referida circular dizia: Os condôminos receberão um questionário que será preenchido até a data da assembléia e o mesmo deverá ser entregue ao senhor síndico. A mensagem está clara? Aparentemente sim, mas a almejada estética lingüística encontra-se longe de ser conquistada. Em verdade, a mensagem parece forçada, cuja fluidez é quebrada pelo uso do mesmo. A informação fluiria, sem soar erroneamente rebuscada, se o mesmo fosse eliminado: Os condôminos receberão um questionário que deverá ser preenchido até a data da assembléia, e entregue ao senhor síndico.

O mesmo é feral com a língua escrita: reduz a qualidade e estabelece uma imagem falsificada das mensagens pretendidas. Mas há solução, o que tranqüiliza. A saída é: não escrevê-lo.

Na mesma direção, há uma outra palavra que é trágica aos ouvidos. Nunca vi por escrito, mas escuto com freqüência quando alguém quer defender seu ponto de vista. Aliás, não é exatamente uma palavra, mas duas palavras que, (mal) combinadas, incorrem num erro tautológico básico, e são proferidas por pessoas que condenam corriqueiros pleonasmos como subir para cima e/ou entrar para dentro. Estou me referindo à locução eu, particularmente. Tanto o pronome eu, quanto o modo particular (particularmente), encerram na subjetividade. Falar eu, particularmente, portanto, é tão errado quanto dizer descer para baixo, mas continua-se dizendo.

Em conclusão, eu, particularmente, não concordo com a utilização de palavras ou locuções que objetivam uma estética rebuscada na linguagem, quando, na verdade, são apenas erros lingüísticos. Por vezes, os mesmos parecem penduricalhos, que somente atrapalham a compreensão da comunicação. Ao fim e ao cabo, este último parágrafo traz propositadamente as duas vias de discussão que motivaram este ensaio. Que tal tentar reescrevê-lo?

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