05/05/2017

Os órgãos de representação profissional: a pressão sobre o MEC

Heitor Baltazar
Maio/2017

No dia 18/04, o Ministério da Educação homologou o Parecer 68/2017, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, que autoriza o funcionamento do Curso Superior de Tecnologia em Serviços Jurídicos. No parecer, cujo objeto é um recurso de uma IES do Paraná contra uma decisão da SERES que indeferiu o pedido de autorização do curso (Portaria nº 313, de 15 de julho de 2016), o conselheiro verificou que, de acordo com a própria SERES, a IES cumpriu com todos os requisitos avaliativos, legais e regulatórios que se aplicam a processos de autorização de cursos, mas que, por conta da posição desfavorável da Ordem dos Advogados do Brasil, que foi consultada no decorrer do processo, a SERES indeferiu o pedido da IES.

                O posicionamento da OAB foi incisivo, quando no decorrer do processo de autorizaçãoe ainda mais agora, com a homologação do parecer e a portaria da SERES autorizando o funcionamento do curso. No primeiro momento, o órgão alegou que poderiam surgir conflitos profissionais no exercício, pelo egresso desse curso, de “atividade sem regulamentação”, podendo até os egressos serem confundidos com advogados em determinadas situações, como nas causas judiciais em que não é obrigatória a representação das partes por advogados. Com a publicação da homologação, as críticas foram ainda mais ácidas; chegou-se ao ponto de afirmar que o MEC “patrocina verdadeiro estelionato educacional”, numa tentativa de demonizar o Ministério da Educação por um processo regulatório absolutamente dentro da legalidade e que seguiu todos os passos, tendo sido verificado por todos as instâncias competentes (SESU, INEP, SERES etc.) e que teve as três dimensões (organização didático-pedagógica, corpo docente e tutorial e infraestrutura) avaliadas.

                A IES se defende. Alegou, no recurso protocolado no Sistema e-MEC, que houve uma “deformação processual”: não haveria amparo normativo para o envio do processo de autorização do curso para a OAB, uma vez que a Portaria Normativa nº 40/07 especifica que a manifestação do órgão se faz necessária em processos de autorização de curso de Direito (art. 29, § 1º). Dentre outros argumentos, a IES afirma, ainda, que o Curso Superior de Tecnologia em Serviços Jurídicos “não forma profissionais em Direito, mas em outras funções que podem contribuir de forma a auxiliar as atividades do Direito e da Justiça”, o que impossibilitaria qualquer superposição de funções ou atribuições.

Muita informação. Diversas temáticas podem ser abordadas nesta questão.

                Nada está mais longe da verdade do que a visão de que haveria competências profissionais concorrentes entre o bacharel em Direito e o tecnólogo em Serviços Jurídicos.Grosso modo, seria como dizer que haveria confusão entre as atribuições do auxiliar de Enfermagem, do técnico em Enfermagem e do Enfermeiro: são competências e responsabilidades absolutamente distintas e que não se confundem.Situação análoga, mas ligeiramente diferente, uma vez que já existe regulamentação pelo órgão profissional competente, é a da área da Gestão. Tecnólogos nas diversas áreas (13, de acordo com a última edição do Catálogo Nacional dos Cursos Tecnológicos) possuem áreas de atuação muito bem definidas e limitadas pelos Conselhos Federal e Regionais de Administração: tecnólogos em Gestão da Qualidade, Recursos Humanos, Logística, Gestão Comercial e Gestão Financeira, por exemplo, não podem assumir funções e atribuições uns dos outros, por conta da própria formação que receberam, que lhes conferiram competências distintas, menos ainda tomar funções ou assumir cargos privativos do administrador.

                O que impediria um tecnólogo em Serviços Jurídicos de assumir alguma das funções listadas no código 3514 da Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho, “serventuários da justiça e afins”? Dentre as ocupações listadas nesse código, há escrevente, escrivão (judicial, extrajudicial e policial) e auxiliar de serviços jurídicos. Na descrição dessa família de ocupação, lê-se que são trabalhadores que:

Cumprem as determinações legais e judiciais atribuídas aos cartórios oficiais e extra-judiciais, lavrando atos, autuando processos, procedendo registros; expedem mandados, traslados, cartas precatórias e rogatórias e certidões; registram documentos; realizam diligências, tais como: citações, intimações, prisões e penhoras; prestam atendimento ao público, redigindo procurações, autenticando documentos. Coadjuvam nas audiências; podem supervisionar uma equipe de serventuários. Lavram boletim de ocorrências em delegacias.

Ou seja, são funções auxiliares à Justiça, assumidas por trabalhadores cujas atribuições não se confundem com a do advogado, perfeitamente definidas na Lei nº 8.906/94. Este curso forma profissionais que, precisamente, atuam, como auxiliares, em escritórios de advocacia, cartórios, escritórios de contabilidade, empresas e organizações em geral e no que diz respeito à administração da Justiça. A própria IES, na proposta que apresentara inicialmente para a criação do curso, explica que “este profissional também dará suporte técnico-administrativo a advogados e auditores jurídicos, pois está preparado para realizar pesquisas de cunho técnico solicitadas por estes profissionais para melhor adequação de teses profissionais e rotinas processuais”. Novamente, é hipérbole argumentar que haveria conflito de competências entre o advogado, egresso de bacharelado em Direito, e o auxiliar de serviços jurídicos, egresso de curso superior de tecnologia.

                A IES está correta no argumento de deformação processual. De fato, só cabe manifestação da OAB nos processos de autorização dos cursos de Direito, na forma da legislação em vigor (Lei nº 8906/94, art. 54, XV, Decreto nº 5.773/06, art. 28, § 2º ePortaria Normativa nº 40/07, art. 29, § 1º). A SERES, nesse caso, errou duas vezes: a primeira, quando desviou o processo de seu curso regulamentar; a segunda, quando considerou o parecer desfavorável da OAB suficiente para indeferir o pedido da IES, a despeito do cumprimento das obrigações e da avaliação positiva que a IES recebera. Importante lembrar do Parecer CP/CNE nº 06/2006, que responde a um questionamento da Secretaria de Educação ProfissionaleTecnológica, do Ministério da Educação, precisamente sobre os Cursos Superiores de Tecnologia. O conselheiro relator cita o Parecer CNE/CEB nº 12/2005, que traz a lume o Art. 4, XIII da Constituição Federal, que diz que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, afirmando que o texto é claro “no sentido de que as restrições ao exercício profissional só podem decorrer a partir do estabelecido em lei”. O conselheiro cita toda a legislação, vigente à época, que regulamentava profissões. E continua:

As ações dos conselhos de classe profissionais relativamente aos dispositivos legais acima enunciados, se limitam às competências expressamente ali mencionadas. Pode-se constatar que no universo dessas leis, não há qualquer dispositivo que permita ou imponha a ingerência normatizadora ou fiscalizadora dos conselhos de classe ou de seus representantes na órbita da vida escolar ou acadêmica, desde a Educação Básica até a Educação Superior. Merece apontar aqui a já conhecida exceção da Lei nº 8.906/ 94 que cria o estatuto da OAB, que em seu artigo 54, XV, condiciona a autorização e o reconhecimento dos cursos de Direito à prévia manifestação do seu Conselho Federal.

                O excerto acima deixa claro que não faz sentido algum enviar, obrigatoriamente, processos de autorização, reconhecimento ou renovação de reconhecimento de cursos superiores a entidades de classe, muito menos tomar seus pareceres como terminantes.

É importante notar a sequência de manifestaçõesda OABcontráriasà instalação de cursos de bacharelado em Direito à distância, modalidade na qual oCurso de Tecnologia em Serviços Jurídicos é mais abundantemente ofertada.O posicionamento da OAB sobre isso é tão rígido que o único curso de bacharelado em Direito à distância já listado no Sistema e-MEC é o da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), cuja oferta se daria em cooperação com o Tribunal de Justiça daquele Estado (!); o termo de cooperação, todavia, foi rescindido pelo Conselho da Magistratura de Santa Catarina, após manifestação da Comissão Nacional de Ensino Jurídico, vinculada ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

                A pressão da OAB parece ter surtido efeito. O Ministério da Educação achou por bem suspender por 120 dias, no dia 26/04,uma semana após a homologação do Parecer, com publicação do despacho apenas no Diário Oficial de hoje, 04/05, a tramitação de todos os pedidos de autorização de cursos superiores de tecnologia em Serviços Jurídicos e equivalentes. O que será discutido nesses 120 dias? Em que situação fica a IES, que já teve seu curso autorizado a funcionar por portaria da SERES?

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