O USO DA GAMIFICAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA: INOVAÇÃO PEDAGÓGICA E ENGAJAMENTO NA APRENDIZAGEM CIENTÍFICA
O USO DA GAMIFICAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA: INOVAÇÃO PEDAGÓGICA E ENGAJAMENTO NA APRENDIZAGEM CIENTÍFICA
Peterson Ayres Cabelleira
Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA).
São Borja, Rio Grande do Sul, Brasil.
E-mail: petersoncabelleira@hotmail.com
Resumo
O presente artigo tem como objetivo discutir o uso da gamificação como estratégia pedagógica no ensino de Ciências e Biologia. A gamificação, entendida como a aplicação de elementos de jogos em contextos não lúdicos, tem ganhado espaço como abordagem inovadora para promover o engajamento dos estudantes, o desenvolvimento de competências e a aprendizagem ativa. Com base em uma revisão teórica e em experiências didáticas, analisa-se como a gamificação pode contribuir para a alfabetização científica, a motivação intrínseca, a resolução de problemas e a construção do conhecimento em Ciências da Natureza. Por fim, discute-se os limites e potencialidades dessa abordagem no contexto escolar, especialmente em escolas públicas.
Palavras-chave: gamificação; ensino de Ciências; Biologia; metodologias ativas; inovação educacional.
1. Introdução
O ensino de Ciências e Biologia enfrenta desafios históricos relacionados ao desinteresse dos estudantes, à fragmentação curricular e à dificuldade de contextualizar os conteúdos escolares com o cotidiano. Em um cenário de transformações tecnológicas e culturais, emerge a necessidade de repensar as práticas pedagógicas, incorporando estratégias que dialoguem com os repertórios juvenis e com a cultura digital. É nesse contexto que a gamificação se apresenta como um recurso promissor, capaz de ressignificar a experiência escolar, promover o engajamento e favorecer aprendizagens significativas.
Gamificar o ensino não significa transformar a escola em um jogo, mas utilizar elementos dos jogos — como metas, recompensas, níveis, narrativa e competição saudável — para criar experiências de aprendizagem mais motivadoras e interativas. Essa abordagem tem potencial para mobilizar competências cognitivas, sociais e afetivas, especialmente quando articulada a projetos de ensino investigativo, aprendizagem baseada em problemas e alfabetização científica (CARVALHO, 2012; SASSERON; CARVALHO, 2008).
2. Fundamentos teóricos da gamificação na educação
A gamificação na educação se apoia em estudos da psicologia motivacional e da teoria do design de jogos. Segundo Deterding et al. (2011), gamificar é “usar elementos de design de jogos em contextos não relacionados a jogos”, com o objetivo de promover o engajamento e o comportamento desejado. No contexto educacional, a gamificação é associada à motivação intrínseca, à autonomia e ao sentido de propósito na aprendizagem (DECI; RYAN, 2000).
Para Zichermann e Cunningham (2011), a gamificação funciona ao oferecer feedback contínuo, desafios progressivos e recompensas simbólicas, criando uma atmosfera de envolvimento que estimula o esforço e a persistência. No ensino de Ciências e Biologia, essa dinâmica pode ser explorada para desenvolver habilidades como pensamento crítico, resolução de problemas, cooperação e tomada de decisões fundamentadas.
Além disso, a gamificação se insere no campo das metodologias ativas, que buscam colocar o estudante no centro do processo de aprendizagem. Conforme Moran (2015), tais metodologias favorecem a autonomia, a criatividade e a aprendizagem significativa, especialmente quando articuladas com os contextos sociocientíficos e ambientais que permeiam o currículo de Ciências.
3. Gamificação no ensino de Ciências e Biologia: experiências e possibilidades
A aplicação da gamificação no ensino de Ciências e Biologia pode se dar de diversas formas, desde o uso de jogos digitais e aplicativos até a criação de sistemas gamificados em sala de aula com pontuação, missões, avatares e narrativas. Alguns exemplos incluem:
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Trilhas de aprendizagem gamificadas, em que os estudantes avançam por níveis ao cumprir tarefas e resolver desafios científicos;
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Escape rooms educativos, nos quais os alunos precisam solucionar enigmas biológicos ou problemas ambientais para "escapar" de uma situação hipotética;
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Sistemas de recompensas e badges, para estimular a participação, a colaboração e a autorregulação da aprendizagem;
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Simulações e jogos digitais, como PhET, BioMan, entre outros, que permitem explorar conceitos complexos de forma interativa.
Estudos como o de Domínguez et al. (2013) demonstram que a gamificação pode aumentar o engajamento dos estudantes e melhorar o desempenho em tarefas cognitivas, desde que aplicada com intencionalidade pedagógica. Em Ciências e Biologia, por exemplo, a gamificação pode ser usada para simular ecossistemas, construir mapas genéticos, modelar cadeias alimentares ou analisar os impactos das mudanças climáticas.
Além do potencial cognitivo, a gamificação também favorece aspectos afetivos e sociais da aprendizagem, como o senso de pertencimento, a empatia e a cooperação. Isso é particularmente relevante para promover a inclusão, a motivação de estudantes em situação de vulnerabilidade e a superação do fracasso escolar.
4. Limites e desafios da gamificação no contexto educacional
Apesar de seus benefícios, a gamificação apresenta limites e riscos que precisam ser considerados criticamente. Entre os principais desafios estão:
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A banalização da gamificação, quando aplicada de forma superficial ou mecânica, sem integração aos objetivos pedagógicos;
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O foco excessivo em recompensas externas, que pode gerar dependência ou competição desmedida, prejudicando a colaboração e a motivação intrínseca;
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A desigualdade no acesso à tecnologia, especialmente em escolas públicas, que pode dificultar o uso de jogos digitais e plataformas interativas;
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A resistência de docentes e gestores, muitas vezes por falta de formação adequada ou desconhecimento do potencial pedagógico da gamificação.
Superar esses desafios exige uma formação docente crítica, que compreenda a gamificação como estratégia complementar, integrada ao projeto político-pedagógico da escola e à promoção de uma educação científica emancipatória.
5. Considerações finais
A gamificação representa uma possibilidade inovadora para o ensino de Ciências e Biologia, sobretudo por sua capacidade de articular conteúdos curriculares, contextos sociocientíficos e experiências significativas de aprendizagem. Longe de ser uma solução mágica, a gamificação exige planejamento, intencionalidade pedagógica e sensibilidade às realidades dos estudantes.
Sua efetivação deve estar alinhada aos princípios da alfabetização científica, da inclusão, da crítica à neutralidade do conhecimento científico e da formação de sujeitos autônomos e éticos. Assim, gamificar o ensino de Ciências não é apenas usar jogos em sala de aula, mas transformar a experiência educativa por meio do lúdico, da criatividade e da construção coletiva do conhecimento.
Referências
CARVALHO, A. M. P. de (Org.). A formação de professores de Ciências: desafios e alternativas. São Paulo: Cortez, 2012.
DECI, E. L.; RYAN, R. M. Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York: Plenum, 2000.
DETERDING, S. et al. From game design elements to gamefulness: defining “gamification”. Proceedings of the 15th International Academic MindTrek Conference, 2011, p. 9–15.
DOMÍNGUEZ, A. et al. Gamifying learning experiences: practical implications and outcomes. Computers & Education, v. 63, p. 380–392, 2013.
MORAN, J. M. Metodologias ativas para uma educação inovadora. São Paulo: Papirus, 2015.
SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Alfabetização científica no ensino fundamental: estruturas e dimensões para um ensino por investigação. Investigações em Ensino de Ciências, v. 13, n. 2, p. 333–352, 2008.
ZICHERMANN, G.; CUNNINGHAM, C. Gamification by design: implementing game mechanics in web and mobile apps. Sebastopol: O’Reilly Media, 2011.