09/05/2022

O Subversivo e o Trololó Doutrinário do Mercado de Inovação

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Por Wille Muriel 

 

A palavra subversivo já logo no título pode evocar uma interpretação pelo uso da lente política, mas felizmente não é o caso. O fato é que o adjetivo assume sentido mais amplo se compreendido em sua essência, uma modificação da ordem natural das coisas ou do que está estabelecido e, de certa forma, consolidado.

Então a ideia de subversão pode ser aplicável à temática da inovação, mais propriamente se considerarmos os contornos conceituais de “inovação disruptiva”, a que interrompe o estabelecido para criar um novo de grande impacto, recorrentemente no modelo do negócio e, claro, algo que aumente o valor para todos os que dela se utilizam. Mas como seria uma inovação subversiva?

Na medida em que rompe com o paradigma que associa o aumento dos benefícios ao aumento dos custos e, logo, ao aumento dos preços por determinados produtos ou serviços. É simples. Se entrego mais, cobro mais, pois subentende-se que uma entrega maior gera, necessariamente, um custo maior para quem vai entregar. Entende-se também que este custo será repassado para o consumidor e é por isto que ele acredita ser justo pagar um algo a mais para receber um benefício maior.

Subverter o paradigma seria entregar mais e não cobrar a mais por isso ou cobrar até menos. É como se você tivesse encontrado um caminho novo e que isso lhe concedesse uma condição especial para oferecer mais por menos.

O conceito é simples, mas a dificuldade reside no fato de que, no mundo real, você não encontra este caminho. Ele precisa ser construído. Mas há sempre alguém com coragem o suficiente para tentar subverter a própria ideia de subversão. E o que pior é que eles tem convencido a audiência.

Vou citar apenas um dos inúmeros casos de contaminação disruptiva que presenciei num daqueles encontros de inovadores:

- Seremos o UBER da educação!

Bradava um candidato a Travis Kalanick do setor educacional para que todos os mantenedores pudessem sentir o peso do imobilismo na gestão universitária ao longo dos últimos anos. Ele criou uma plataforma em que professores podem compor e distribuir conteúdos, entregando-os diretamente aos alunos, o que eventualmente dispensaria uma experiência acadêmica na instituição de ensino superior tradicional.

- Como assim?! Quem vai certificar os cursos desta plataforma? Quem vai registrar os diplomas?

Se indignava ainda que à boca miúda um representante do sindicado dos estabelecimentos de ensino. Confesso que me veio à memória uma entrevista do presidente do sindicato dos taxistas da minha cidade, logo quando perceberam o impacto subversivo dos aplicativos de transporte. E o resto virou história já contada.

Ocorre que o ideário do inovador sempre encontra um meio e uma boa justificativa para a sua criação, dita disruptiva, subversiva como será o Uber da educação. E tome plataforma SAS, tome trabalho colaborativo, tome vocabulário startapiano para reforçar argumentos de autoridade e escandalizar a plateia. A empresa tinha apenas cinco colaboradores, mas prometiam desbancar o modelo universitário. Eram jovens e queriam também mudar o mundo e, se possível, ganhar algum dinheiro com isso. Como de praxe, transpiravam propósito transformador massivo.

Entendo que o Uber, o Airbnb, a Netflix ou o Spotify são empresas que transformaram a economia em seus mercados e indicaram um caminho que certamente conquistou mentes e corações de jovens empreendedores. De certo que são referências para todos os inovadores, mas copiar o modelo de negócio destas empresas para o mercado educacional não é uma estratégia consistente e muito menos uma indicação de um possível sucesso.

Primeiro porque isso não é nada inovador, mas apenas cópia de um modelo mental de organização e relação de produção e consumo. Esses princípios podem ser reaplicados em inúmeros segmentos da economia e podem dar certo ou errado, dependendo das circunstâncias.

Segundo porque a entrega destas empresas configura-se em algo perfeitamente tangível, ou seja, levar alguém de um lugar para outro, proporcionar uma boa experiência de hospedagem, dar acesso a uma mídia de audiovisual, enfim, tudo muito tangível, de fácil acesso e rápido consumo, algo bem diferente de uma experiência de aprendizagem num campus universitário, um serviço de alto envolvimento e que leva anos para cumprir o seu ciclo.

Terceiro porque o modelo universitário tradicional pode perfeitamente ser adaptado à demanda, principalmente se focar suas estratégias de engajamento em projetos de extensão, o que pode incluir a criação de incubadoras de startups, a parceria com inúmeras aceleradoras do mercado financeiro e até a implantação de parques tecnológicos para atrair empresas em estágios mais avançados de desenvolvimento. Ressalto que isso já é uma realidade em algumas grandes universidades privadas.

Quarto e, pela análise do outro lado, percebo o movimento de startups como algo consistente, mas que na maioria dos casos não leva a um porto seguro – até porque não é por esta lógica que os movimentos subversivos operam. A maioria das startups não vingam, não encontram mercado consistente e são investimentos de alto risco, porque atuam no campo das incertezas. Outro fator de risco é o perfil geral de muitos empreendedores juvenis – eles estão sempre de olho em novas oportunidades.

Adoro inovação, trabalho com isso há anos, adoro essa meninada inovadora e estudo com profundidade os principais aspectos da gestão da inovação nas instituições de ensino superior. E é claro que percebo a cultura da inovação como algo auspicioso para o desenvolvimento da educação e da economia brasileira. Divulgo iniciativas, escrevo sobre o tema e utilizo o pensamento criativo para gerar inovações em instituições onde trabalho, mas é preciso saber reconhecer uma atitude realmente subversiva de outras mais vinculadas a um comportamento voltado para a autopromoção.

Então, se você estiver se sentindo desconfortável com essa barba Hetfield ou com vontade de trocar esse chinelinho descolado por um bom terno, não tenha dúvidas. Dê uma boa olhada ao seu redor, pois é bem provável que você não esteja sozinho. Apague o seu cigarrinho de palha e livre-se desse trololó doutrinário que impõe o pensamento inovador como uma premissa à competência profissional para o século XXI, pois não devemos assumir a prática da inovação como uma precondição fundamental para compor o rol de competências de todo profissional que trabalha e se estabelece para contribuir à sua maneira, dentro daquilo que realmente é e faz melhor. Existe vida inteligente fora desta casta jobteriana e inúmeras razões para pensar o contexto de inovação a partir de uma ótica mais realista. Você não precisa ser um novo Zuckerberg para conquistar respeito e muito menos assustar as pessoas com suas ideias malucas.

Para o gestor de instituições de ensino superior rogo pela compreensão de aspectos importantes para um melhor entendimento sobre o que podemos considerar um mercado de pessoas inteligentes, mas não necessariamente inovadoras. Compreenda que subverter a ordem não é algo simplório, corriqueiro e nem é para todo mundo. Perceba que a complexidade desta análise ocorre na medida em que buscamos algo consistente em um contexto em que a inconsistência faz parte do jogo. Eu sei que isso soa paradoxal, mas é justamente a desconstrução daquilo que é consolidado que pode gerar algo realmente disruptivo – e saiba que nem o contexto da inovação e nem mesmo este trololó doutrinário apresentam-se como uma novidade histórica.

Na semana passada recebi de um amigo das ciências jurídicas o artigo The Disruption Machine: What the gospel of innovation gets wrong, publicado pela The New Yorker em 2014. Neste trabalho a historiadora Jill Lepore faz uma menção ao que o economista Joseph Schumpeter chamou, em 1942, de “destruição criativa” uma teoria em que inovações destroem velhas empresas e seus modelos de negócios. Segundo a autora esta referência teria uma conexão supostamente estabelecida por Clayton Christensen ao descrever a sua teoria de inovação disruptiva. Buscando outros fatos que marcaram o desenvolvimento da humanidade ao longo do processo civilizatório, tendo a acreditar que a inovação sempre foi uma questão central não apenas para a economia, mas para a sociedade de modo geral.

Vale então firmar-se no processo de inovação, no passo a passo, na gestão de expectativas, na valorização do caminho das incertezas onde os avanços decorrem dos recuos sucessivos e a ciência opera pari passo a uma boa dose de intuição. Então, para sobreviver neste contexto será preciso subverter a própria mentalidade para o melhor entendimento de uma pseudoarte, algo que ainda está em construção.

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