06/06/2018

O Semeador

*Dênio Mágno da Cunha

            Diariamente recebo mensagens pelas redes sociais. Mensagens das mais diferenciadas pessoas, dos mais diversos conteúdos. Hoje recebi duas mensagens em formato diferente, mas na essência, de conteúdo muito próximo. Diferiam na origem e no contexto, conferindo a elas uma dimensão maior, no agrupamento. Vou falar das mensagens, separadamente por ordem inversa de chegada e uni-las ao final.

            A segunda veio de uma parenta, como dizem. Uma prima (Ana Maria) de hábito postar mensagens de fé, de amor, de esperança, religiosa às vezes. Nessa mensagem especifica, havia uma paisagem de roseira e os dizeres: “Quem planta amor, colhe amor em todas as estações”. Simples, não é mesmo? Mas cabe uma reflexão porque o amor tem vários significados, circunstâncias, pompas, interpretações. Também porque nem sempre é verdade, pensando com o meu humor ocre-doce a la Saramago.

            Só para ilustrar o dito acima, pegue-se o exemplo de mães que dedicam a vida a filhos, nem sempre gratos e amorosos; ou amorosos amantes não correspondidos em suas expectativas. Mas observem, estou falando da segunda parte da mensagem, dedicada ao retorno de uma ação que deveria ser vazia de expectativas. Nesse ponto vem uma encruzilhada: aqueles que plantam amor com expectativa de retorno, de fato plantam amor? Prefiro não responder.

Pessoalmente, acredito na figura do “Semeador” [1], refletida no quadro de Van Gogh – ele segue semeando, em movimento. Não me parece que ficará esperando pelo resultado. Ele segue semeando independente de obter um resultado. Talvez, quase afirmo com certeza, este seja o verdadeiro amor ou pelo menos, o amor mais natural, vazio de um interesse específico.

            A primeira veio de um amigo, gostaria de chama-lo assim com mais frequência, destes que acontecem na vida com maior frequência na forma digital. Encontramo-nos pessoalmente duas vezes, mas me permito nutrir por ele uma admiração e perceber uma afinidade entre nossas formas de pensar a educação. Falo do Professor Jorge Bento. Em seu post de hoje ele escreve:

Das palavras de um Professor[2]

Quando te dirigires aos alunos ou estudantes não uses palavras ao acaso. Nem as digas ou escrevas de qualquer jeito, de forma distraída, desleixada e tosca. Elas são o fio-do-prumo de quem és! 

O que pretendes com elas? Criar convivialidades, partilhas e proximidades! Nem todas servem para o desempenho edificante do teu ofício. Convoca as eternas, sempre novas e enlevantes. Pronuncia-as, sim, como uma afirmação de posições e razões. Soletra-as, sim, como uma prece da alma e do coração. Desenha-as e pinta-as com traços e cores magnificentes. Faz delas mensageiras de ‘coisas’ altas, belas e sublimes, aptas a acordar a admiração nos destinatários. Esculpe-as como pontes para uma existência ética e estética, não isenta de erro, mas limpa de mentira. E procura ser parecido a elas.

            Nesta mensagem, embora a palavra “amor” não esteja explicitamente colocada no texto, me parece não faltar nenhum dos ingrediente definidor: cuidado, atenção, alma, coração, partilha, proximidade, convivência. Acima destas, o respeito ao outro, alunos e estudantes. Imagino uma pessoa, dizendo-se professor, entrando em uma sala de aula e não possuindo estes sentimentos, esta compreensão. Criar-se-á o oposto.

            Não me cabe, pois desnecessário, comentar as palavras do Prof. Jorge Bento... Claras ao iluminar o sentido de ser professor e na descrição da grande responsabilidade, maravilhosa responsabilidade, de abrir caminhos e de auxiliar a formação de futuros, trabalhando em terrenos tão diversos quanto a individualidade. Como fazer chegar a semente, a todos, se não desta forma?

            Nesta altura é fácil lembrar nomes que povoaram a minha trajetória de aluno, do início da vida escolar com D. Ivete e Profa. Marta; depois no colégio com o Prof. Adail e Profa. Amizor e outros; na Universidade com alguns inesquecíveis, meu amigo por toda vida Prof. Paulo César Coelho Ferreira, cujo nome é difícil de dizer em que uma lágrima de saudade não lubrifique a alma; Prof. Cida; Prof. Delfim e outros; no mestrado e também por toda vida, Prof. Giroleti, Profa. Adelaide Baeta, Prof. Mauro Calixta e também outros; e finalmente no Doutorado, Profa. Maria Lucia, Profa. Jane; Prof. José Dias; Prof. Pedro e Waldemar (inseparáveis). Além destes, outros, colegas de profissão, inúmeros, que citar alguns seria injusto com tantos outros. No entanto inevitável mencionar exemplos de formas de semear/amar: a dedicação do Prof. Osvaldo Castanheira; a firmeza da Profa. Pollyana; a irreverência do Prof. Wandercy; a mágica do Prof. Gutemberg, a leveza da Profa. Mariene, a correção (em duplo sentido) da Profa. Olga e Profa. Maria José, e outros tantos amigos, que compreenderão a falta de espaço para citá-los, e que fazem parte dessa semeadura diária. Todos, a seu modo, amorosos, dedicados à arte de semear.

            E é neste verbo semear, que as duas mensagens fazem o encontro. Na mensagem da prima (Ana Maria) e no post do professor, a ideia da pintura de Van Gogh, de semear o amor e por toda a vida, colher aqui e acolá, frutos da espécie inesperatus. Sim, porque não é no desempenho imediato que vemos os frutos de nossa semeadura, mas no longo prazo. Muito das vezes no corredor de um shopping, na mesa de um bar, no trajeto de um ônibus, em uma parada à beira da estrada... Nas situações mais corriqueiras... Quando alguém, sempre com um sorriso, nos chama: “Professor!!” e nos abraça sem dizer uma palavra, demonstrando num lampejo a transformação de semente em fruto.

 

* Professor Doutor em Educação pela Uniso, Universidade de Sorocaba. Consultor em Carta Consulta; professor em Centro Universitário Una.

 


[1] https://santhatela.com.br/produto/van-gogh-semeador-sol/

[2] https://www.facebook.com/search/top/?q=jorge%20bento

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