O Modelo de Van Hiele e sua Relevância para o Ensino de Geometria
Ivan Carlos Zampin;
Elza Maria Simões;
O Modelo de Van Hiele constitui uma das contribuições mais significativas para a didática da geometria no século XX, oferecendo uma compreensão sistemática de como os estudantes desenvolvem o pensamento geométrico. Desenvolvido pelo casal holandês Pierre van Hiele e Dina van Hiele-Geldof na década de 1950, o modelo nasceu da análise das dificuldades observadas em alunos de escolas primárias e secundárias de Roterdã. Van Hiele (1986. p. 5) afirmava que “os estudantes não avançam automaticamente para níveis mais altos de raciocínio geométrico; é necessária uma mediação pedagógica específica”, [...] “enfatizando que a aprendizagem em geometria não é contínua, mas ocorre em níveis discretos de compreensão”
Historicamente, o surgimento do modelo está inserido em um contexto de renovação educacional do pós-guerra, em que diversos países buscavam modernizar o ensino de ciências e matemática. Havia um consenso crescente de que a memorização de fórmulas e procedimentos algorítmicos não promovia a compreensão real da geometria. Nesse sentido, o modelo de Van Hiele ofereceu um referencial teórico e prático, explicando por que muitos alunos apresentavam dificuldades persistentes ao lidar com conceitos geométricos, como área, perímetro e volume (Van Hiele, 1986; Clements, 2003).
O modelo descreve cinco níveis de raciocínio geométrico.
Visualização (Nível 1): reconhecimento das figuras pelo aspecto global, sem análise de propriedades.
Análise (Nível 2): identificação das propriedades das figuras, mas sem perceber as relações entre elas.
Ordenação ou Dedução Informal (Nível 3): compreensão das relações entre propriedades e hierarquias, permitindo deduções simples.
Dedução Formal (Nível 4): capacidade de raciocinar dentro de um sistema axiomático, elaborar demonstrações e compreender teoremas.
Rigor (Nível 5): abstração máxima, habilidade de comparar sistemas geométricos distintos e lidar com conceitos matemáticos avançados.
Van Hiele (1986, p. 12) destaca que “o ensino deve ser cuidadosamente planejado para conduzir os alunos de um nível para outro, pois não se pode pular níveis sem prejudicar a compreensão.” Esse princípio tem implicações pedagógicas diretas: o professor deve utilizar linguagem apropriada ao nível do aluno, propor atividades de exploração concreta e fornecer mediação contínua.
Além dos níveis, Van Hiele propôs cinco fases de aprendizagem que estruturam o ensino da geometria: informação, orientação dirigida, explicação, orientação livre e integração. Cada fase busca promover a construção gradual do conhecimento, enfatizando a experimentação, a manipulação de objetos geométricos e a aplicação em contextos variados (Clements, 2003; Burger & Shaughnessy, 1986).
A influência do modelo é perceptível em reformas educacionais internacionais e nacionais. Por exemplo, o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM, 2000) recomenda a progressão sequencial do pensamento geométrico, enquanto a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) orienta que o ensino de geometria seja contextualizado e significativo, permitindo aos estudantes relacionar conceitos matemáticos ao cotidiano, exatamente como preconiza Van Hiele.
Implicações para o Ensino: O modelo de Van Hiele tem consequências muito práticas para a sala de aula.
- A instrução é crucial: Um aluno não passará para o nível seguinte apenas por ficar mais velho. O ensino deve ser desenhado especificamente para promover esse avanço.
- A linguagem é específica de cada nível: O professor deve usar uma linguagem adequada ao nível dos alunos. Falar na linguagem do nível 3 para alunos no nível 1 será inútil e vai confundi-los.
- A aprendizagem é sequencial: É impossível saltar um nível. Um aluno precisa dominar o nível 1 antes de poder entender os conceitos do nível 2.
- Ênfase na atividade do aluno: O modelo sublinha a importância da exploração e da manipulação (fase de orientação) sobre a mera recepção passiva de informação.
Em síntese, o Modelo de Van Hiele oferece uma estrutura teórica robusta e de aplicação prática, explicando os obstáculos enfrentados pelos alunos na aprendizagem da geometria e orientando estratégias pedagógicas que favorecem a compreensão gradual e profunda. Ao articular níveis de raciocínio, fases de aprendizagem e mediação docente, o modelo permanece uma ferramenta essencial para a formação de professores e para o desenvolvimento de práticas didáticas eficazes, promovendo uma geometria acessível, significativa e aplicável a situações reais.
Referências Bibliográficas
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VAN HIELE, P. M. Structure and Insight: A Theory of Mathematics Education. Orlando: Academic Press, 1986.
Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio e Gestor Escolar.
Elza Maria Simões: Professora de Matemática, Matemática Financeira, Pedagoga, Especialista em Educação Especial.