12/04/2021

O Mito da Democracia Racial

Por Wolmer Ricardo Tavares – Mestre em Educação e Sociedade, Escritor, Palestrante e Docente – www.wolmer.pro.br

 

Nos dias atuais, é impossível negar que o Brasil é um país racista, basta ver nossos representantes políticos e suas falas; todavia, tão ruim quanto um racista ativista é o racista que se diz não racista, ou seja, com um "negrocard".

Em uma entrevista realizada por Nathália Geraldo com o convidado comunicador e apresentador AD Junior[1], é elucidado por ele que negrocard é aquela pessoa racista "enrustido" que diz não ser racista pelo fato da avó ser negra ou o bisavô ser negro , isto é, tem sempre alguém negro na família que servirá de escudo para esconder o seu racismo.

Triste é perceber que temos em nosso país milhares de casos assim. O preconceito existe e existirá enquanto não se trabalhar a equidade nas escolas e também não efetivá-la na sociedade.

A imbecilidade em relação ao racismo é tão grande que no dia 05 de abril de 2021, uma modelo fez um vídeo afirmando não ser racista e sua justificativa foi a mais estulta que se possa imaginar.

A modelo não se achava racista justamente por até ter uma cachorra preta e que quando foi escolhê-la, sequer pensou na cor.

Apesar de resguardada em nossa constituição a igualdade de direitos, a prática não funciona assim. Nem tudo que reza a constituição é levado a sério em nossa sociedade, tanto que em palestra "no clube Hebraica, no Rio de Janeiro", na época um parlamentar deixou claro o quanto se sente incomodado com os quilombos (comunidades descendentes de escravizados).

Segundo o palestrante, este tipo de comunidade impede que o País tenha acesso as riquezas naturais e para reforçar ainda mais o seu preconceito estulto, o mesmo parlamentar comparou estes negros a gado, afirmando que eles não servem nem para procriar[2].

É triste ter uma fala assim de um parlamentar que hoje é nosso representante maior, mas o mais triste é ter pessoas que acham graça e ecoam esta fala em todas as direções.

De acordo com Guimarães em seu artigo intitulado Combatendo o Racismo: Brasil, África do Sul e Estados Unidos, publicado pela Revista Brasileira De Ciências Sociais - Vol. 14 No 39 em 1999[3], hoje o racismo não se limita mais a doutrinas, mas a atitudes e a preferências.

Para o autor, na atitude está ligada a ação, ou seja, o negro recebe um tratamento diferenciado devido sua raça e cultura e isso representa um tipo de discriminação.

Dando continuidade as falas acima, as preferências estão ligadas na forma de hierarquizar gostos e valores estéticos, inferiorizando características fenotípicas raciais ou culturais.

Podemos perceber com Andrews, em seu artigo O negro no Brasil e nos Estados Unidos, publicado pela Lua Nova, v. 2, n. 1, p. 52-56, June 1985, que estes tipos de racismo é conhecido como um racismo que "assenta-se sobre formas silenciosas e, às vezes, inconsistentes, tornando difícil identificá-la e transformá-la em ação política".

Hernández em seu artigo intitulado A inocência racial e o direito costumeiro de regulação racial[4], esclarece que a ideia de que não existe racismo na América Latina é bem difundida, e uma alegação interessante para a não existência do racismo é a mestiçagem de raças como africanos, europeus, indígenas; contudo, os movimentos sociais negros, bem como os cientistas sociais provam o contrário, já que a mestiçagem não foi um fator para erradicar o racismo que ocorre de forma silenciosa.

Existe em nossa sociedade uma negação do racismo e negá-lo não implica dizer que não existe. Para Hernández, a negação está enraizada e academicamente isso é chamado de "mito da democracia racial” que ilude com a mestiçagem da população o que deveria impossibilitar qualquer discórdia e desigualdade social, implicando assim em uma harmonia racial, mas a realidade é bem diferente, sentida e sofrida pelos negros e também indígenas a duras penas.

Nas falas Andrews, pode-se perceber que quando se nega o racismo, fica difícil uma maior indignação e um combate contra injustiças que são características de nossa sociedade.

A negação de racismo por um racista é tão comum que o  negrocard é usado como desculpa, assim aconteceu em 2013 com o eleito Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, quando pronunciou a seguinte fala: "Não tenho nenhum tipo de preconceito. Na minha secretaria, vou atender negros e gays como se fosse qualquer pessoa normal” e continua exalando todo seu preconceito agora, não apenas com negros. O deputado afirma que "não coloco os gays e negros no mesmo balde como muitos dizem por aí. Ser gay é uma questão de escolha, ser negro é uma questão de azar".

Para se justificar o então presidente disse que sua mãe era negra, só que a pele dela não era negra, "mas o sangue é negro, os lábios são negros".

Assim sendo, cabe a educação pública trabalhar esta negação de racismo e mostrar que realmente ele se faz presente em nossa sociedade e que todos nós precisamos erradicar este câncer e lutar contra esta desigualdade, fazendo-se valer a nossa lei máxima que é a Constituição Federal que em seu Art. 5º reza que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]".

 

[1]Para mais informações vide https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/04/08/entrevista-ad-junior-sobre-pauta-racial-bbb-e-branquitude.htm?fbclid=IwAR1pe6jIIFyuwB-pHEIoN8wzK_8QjRzp3r4pg0dUjaOGQ3GZlFvLIZxzuW0

[2] Para mais informações vide https://veja.abril.com.br/brasil/bolsonaro-e-acusado-de-racismo-por-frase-em-palestra-na-hebraica/

[3] Para mais informações vide https://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v14n39/1724.pdf

[4] Para mais informações vide HERNÁNDEZ, T.K. A inocência racial e o direito costumeiro de regulação racial. In: Subordinação racial no Brasil e na América Latina: o papel do Estado, o Direito Costumeiro e a Nova Resposta dos Direitos Civis [online]. Translated by Arivaldo Santos de Souza and Luciana Carvalho Fonseca. Salvador: EDUFBA, 2017, pp. 15-30. ISBN: 978-85-232-2015-0 <http://books.scielo.org/id/jr9nm/pdf/hernandez-9788523220150-03.pdf>

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