09/03/2021

O Livreiro e o Livro

Por Wolmer Ricardo Tavares – Mestre em Educação e Sociedade, Escritor, Palestrante e Docente – www.wolmer.pro.br

 

Nosso país é um lugar onde cultura tem um teor secundário e uma de suas maiores fontes que é o livro, passa a ser um objeto de decoração, isto é, dependerá de sua capa, já que nosso país é um dos que menos lê, e pode-se perceber  o preço caro que estamos pagando por esta ignorância.

Herkenhoff em seu artigo intitulado Como nasceu a vocação de um livreiro, publicado por Jusbrasil em 2010[1], elucida que o livro tem que ser visto como algo sacro, pois não se trata de uma simples mercadoria, já que nele está inserido a senha para outros mundos, passaporte para viagens infinitas, código secreto que te possibilita desvendar enigmas e mistérios além de oferecer a resposta para as mais angustiantes dúvidas e complexidade do ser humano.

Representamos um país pobre em leitura e de certa maneira, pobre em argumentos e discernimento. Povo assim torna-se fácil a sua manipulação pelo sistema corruptível.

Pode-se observar nas falas de Burke e Ornstein no livro O Presente do Fazedor de Machados – Os dois gumes da história da cultura humana, publicado pela Bertrand Brasil em 1998. Os autores ressaltam o poder da leitura, e a mesma era um fator preocupante para que o sistema não tivesse nenhum impedimento e/ou questionamento de sua arbitrariedade e manipulação, pois elucidam os autores que a poetisa e teatróloga Hannah More no século XIX, apresentou uma proposta conhecida como A solução de More.

Esta solução pregava que para enfrentar a tal crise da época, bastaria ensinar a submissão total à autoridade além de incentivar a resignação cristã em face a privação e adversidade.

Esta Hannah More ia além, e fazia a seguinte afirmação: "Eu não admito a escrita para os pobres. Meu objetivo não é formar fanáticos, mas treinar as classes baixas nos hábitos da indústria e da devoção", e esta ideia tem sido propagada até hoje em muitos países de "terceiro mundo" como o nosso.

Observe as falas acima e faça uma análise com a nossa história. Segundo Rosa em seu artigo intitulado Os primórdios da inserção do livro no Brasil, publicado pela EDUFBA em 2009[2], a publicação de livros no Brasil durante o Período Colonial era totalmente proibida, e isso comprometeu o acesso à informação. Todavia situação não foi um fator para o impedimento, tanto que há, segundo a autora, registros de atividades ilegais quanto a impressão de textos.

Este movimento fazia surgir os verdadeiros livreiros, pessoas apaixonadas pela busca do conhecimento e a sua democratização.

Hoje apesar de trabalho legalizado, trata-se de uma luta injusta, mas se não fosse assim, estes livreiros (editores) não seriam os heróis da insurgência que contam com seus soldados denominados escritores a combater um bom combate.

Desta forma, contamos com os livreiros que são os verdadeiros "Davis" com seus alforjes a lutarem contra os "Golias" que são representados pela ignorância, arbitrariedade, manipulação e alienação.

Tivemos grandes heróis e um dos mais valiosos neste bom combate foi Jorge Amado que na Constituição de 1946 criou uma emenda de forma a garantir que livros sejam imunes a impostos, todavia, hoje, o nosso ministro faz de tudo para dificultar o acesso ao mesmo, defendendo uma taxação de 12%, e fazendo uso de uma falácia a ponto de dizer que quem lê livros é gente rica e pode pagar pelo imposto.

O fato é que o governo quer o povo sempre alienado a ponto inclusive de mexer sem conhecimento de causa, nos livros didáticos dizendo que tem "muita informação desnecessária".

Junto destes livreiros e autores, precisamos também contar com os educadores a trabalharem por uma educação que ensine o educando a pensar e não a obedecer, e o veículo que proporciona este pensamento é o livro, pois ele abre a sua imaginação, desenvolve sua criticidade e te faz deixar de ser um sujeito objeto te transformando em  protagonista.

Quando se fala em trabalhar a leitura em nossa educação, pode-se perceber que será uma luta árdua, pois 60% dos brasileiros nunca abrem um livro e para complicar ainda mais, os que lêem algo, representa uma quantidade de 1,3 obras literárias ao ano.

Estas informações nos remetem ao filme o Conde de Monte Cristo, o qual relata o diálogo entre o Padre Faria e o Edmond Dantes (o próprio Conde). Neste diálogo o Padre pede ajuda ao Edmond Dantes, e em troco da ajuda, oferece algo muito valioso e sem titubear Edmond Dantes pergunta se seria a liberdade, todavia o Padre refuta dizendo que a liberdade pode nos ser tirada, e ressalta "eu ofereço o conhecimento". E o conhecimento estava todos nos livros guardados pelo Padre.

Um educando que lê, tem o seu poder de argumentação aguçado, se faz um aluno pensante, crítico, proativo e um protagonista cognoscente.

O simples fato de ler, fomenta pensar, criticar, refletir, analisar, sintetizar, classificar, tirar conclusões, justificar, estabelecer relações, argumentar, avaliar, dentre outras coisas que podem se tornar perigosas para este sistema corruptor.

Infelizmente as falas de Harari em seu livro Sapiens - Uma Breve História da Humanidade, publicado pela L&PM em 2016, estão corretas quando ressalta que "dinheiro gera dinheiro, e pobreza gera pobreza, educação gera educação, e ignorância gera ignorância", assim sendo, Demo em seu livro Saber Pensar, publicado pela Cortez: Instituto Paulo Freire em  2000, ressalta que a ignorância passou a ser considerada o centro da pobreza.

Que possamos sempre contar com estes livreiros (editores), pois estes foram os primeiros a descobrirem que viver sem ler é perigoso, pois te obrigam a acreditar sempre no que dizem.

 

[1] Para mais informações vide HERKENHOFF, João Baptista. Como nasceu a vocação de um livreiro. Disponível emhttps://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2465421/como-nasceu-a-vocacao-de-um-livreiro-joao-baptista-herkenhoff

[2] Para mais informações, vide ROSA, FGMG. Os primórdios da inserção do livro no Brasil. In PORTO, CM., org. Difusão e cultura científica: alguns recortes [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. pp. 75-92. ISBN 978-85-2320-912-4. Available from SciELO Books. Disponível em <http://books.scielo.org/id/68/pdf/porto-9788523209124-04.pdf>

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