O Gerencialismo na Sala de Aula: Poder Discricionário e Insegurança Estrutural no PEI Paulista.
Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Psicopedagogia Institucional.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252
A recente normativa que redefine o Programa de Ensino Integral no estado de São Paulo configura mais do que um ajuste regulamentar, a mesma, materializa a invasão de um paradigma gerencialista no coração da relação pedagógica. Sob o pretexto de eficiência e alinhamento, erige-se um arcabouço legal que transforma a escola em uma unidade de negócios, o diretor em um gestor com poderes quase absolutos e o professor em um recurso humano passível de descarte conforme avaliações de "perfil". Esta lógica, que subverte a natureza colaborativa e democrática do espaço educativo, produz uma instabilidade profissional crônica, com efeitos deletérios que ultrapassam os indivíduos e atingem a própria qualidade do ensino oferecido.
O instrumento operacional dessa transformação é a substituição de critérios objetivos pela avaliação subjetiva e discricionária. A exigência de "compatibilidade de perfil", um conceito fluido e indefinido, converte a direção escolar em instância máxima de validação profissional. Tal mecanismo desloca o eixo da avaliação do mérito técnico e da qualificação para o terreno pantanoso das relações interpessoais e da adesão incondicional a projetos específicos. Nesse modelo, a lealdade à gestão pode se sobrepor à competência didática, e divergências legítimas sobre rumos pedagógicos podem ser interpretadas como incompatibilidade, fragilizando o debate intelectual que é vital para qualquer instituição de ensino.
A ferramenta da "Avaliação de Desempenho Final" é elevada a condição de porta exclusiva para o programa, apesar de suas conhecidas limitações metodológicas e de seu caráter potencialmente punitivo. Ao amarrar o destino profissional a um instrumento anual, subjetivo e influenciável pelo diretor, a resolução institucionaliza um canal formal para retaliações e assujeitamento. O docente é colocado em estado de vigilância e performance constante, não para o aprimoramento coletivo, mas para a manutenção individual de um benefício. Esse ambiente de pressão perene é antagônico à experimentação pedagógica, à ousadia intelectual e à construção de um clima escolar baseado na confiança mútua.
O regime punitivo estabelecido é notável por sua severidade e pela criação de um verdadeiro exílio profissional. A "indicação de não permanência", ato discricionário da gestão, desencadeia uma sequência de sanções que incluem a expulsão da comunidade escolar e um afastamento compulsório do programa por até trinta e seis meses. Este período de ostracismo, que implica perda financeira significativa, age como um mecanismo de disciplinamento exemplar, sinalizando para todo o corpo docente o custo de uma avaliação negativa. A proibição de transferência voluntária para docentes nessa situação aprofunda a injustiça, negando-lhes a possibilidade de um recomeço em outro ambiente e consolidando uma punição que se assemelha a um banimento.
A normativa ainda opera uma cisão profundamente desigual no interior da categoria, institucionalizando uma hierarquia baseada na precariedade. Enquanto professores efetivos enfrentam a pena da realocação forçada, os contratados estão expostos à cessação sumária de seus vínculos empregatícios. Esta distinção formaliza duas castas de trabalhadores da educação, ou seja, uma com alguma proteção, ainda que sob ameaça, e outra em condição de absoluta vulnerabilidade, onde o desemprego imediato pende como uma espada de Dâmocles sobre qualquer discordância. Tal prática não só fere princípios de isonomia, como utiliza a insegurança laboral como ferramenta de controle e silenciamento.
Em sua arquitetura, a resolução esvazia os princípios da gestão democrática da escola, concentrando poder decisório sem criar contrapesos ou instâncias recursais robustas. A figura do diretor, investida de autoridade para definir perfis, aplicar avaliações e decretar exclusões, opera em um vácuo de fiscalização colegiada. Este centralismo enfraquece a participação da comunidade escolar e transforma potenciais colaboradores em subordinados sob vigilância. O resultado inevitável é o enfraquecimento do tecido social da escola, substituindo a corresponsabilidade pelo autoritarismo.
Portanto, analisando seu conjunto, a normativa representa um projeto político-pedagógico de fundo. Seu objetivo transcende a mera reorganização administrativa, buscando remodelar a cultura escolar mediante a importação de valores do management corporativo: controle, mensuração enviesada, responsabilização individual por falhas sistêmicas e flexibilização extrema dos vínculos. O risco iminente é a geração de um ambiente de medo, conformidade e rotatividade, onde professores, em vez de se dedicarem à complexa arte de ensinar, consumam energias na gestão de sua própria sobrevivência no programa. A consequência última não é a melhoria da educação integral, mas a degradação das condições que permitem que ela floresça, ou seja, sem estabilidade, autonomia relativa, colaboração e liberdade pedagógica. A defesa da educação pública de qualidade passa, necessariamente, pela resistência a modelos que confundem gerência com gestão educacional e submetem a missão de ensinar à lógica do descarte. Ainda não é o fim...