03/05/2024

O FUTURO É AGORA

28.04.2024 - Dênio Mágno da Cunha entrevista o Prof. Marcos Roberto Rosa, para a revista Gestão Universitária.

O mercado educacional brasileiro, não é novidade para ninguém, passa por momentos duradouros de turbulência. Anterior à pandemia do Covid-19 que levou todas as instituições a investirem na transposição do ensino presencial para o ensino à distância, o setor já vinha cambaleando com as mudanças ocorridas na abertura de capital e consequente fortalecimento dos já existentes grandes grupos. Ainda mais além, a guerra de preço, a falência do sistema de financiamento do estudante, a “fuga de cérebros” e o sucateamento da pós-graduação já vinha dando sinais. Aquilo que os estudiosos chamaram de abertura de mercado, de 1990, veio lentamente transformando o modo de fazer e gerir a educação de natureza não estatal no país, quase nunca para melhor. Não esqueçamos, da politização mais acentuada do Ministério da Educação e suas lideranças, no mínimo, inexperientes no trato dos temas afins.

As transformações foram ocorrendo lentamente, como naquela triste história do sapo na água quente. “Repentinamente”, estavam todos ameaçados em sua sobrevivência.

Neste momento, algumas das IES voltaram sua atenção para um aspecto até então deixado de lado: a profissionalização da gestão. Dada a velocidade como o Estado reage às transformações e as suas influências nefastas, em um setor altamente regulamentado, o caminho seria a tomada de decisão baseada em pesquisas, dados e informações, passando de uma gestão baseada na experiência de um tempo histórico, centrada em pessoas também históricas, para aquela baseada na especialização em gestão, fundada em dados.

Há algum tempo o Professor Marcos Roberto Rosa percebendo esta necessidade tem focado na estruturação de ferramentas que possam auxiliar esta gestão em tempos de profissionalização racional, menos impulsiva, baseada em argumentos. Sua primeira experiência foi como Coordenador de Cursos, fazendo análises dos resultados do ENADE. Surgiu daí o Consulta Enade, uma ferramenta de business intelligence (BI), que possibilita análises profundas sobre os resultados das IES no Exame Nacional e sobre seus impactos na formação do Indice de Desenvolvimento do Estudante (IDD) e na formação do CPC (Conceito Preliminar de Cursos). Indicadores que discriminam as Instituições no mercado, com seus conceitos de 1 a 5, dentre outras importantes finalidades. Em seguida, desenvolveu o Consulta Educa, um outro BI que possibilita a análise do mercado educacional a partir do Censo da Educação Superior. E mais recentemente, há poucos dias, fez o lançamento daquele que será um marco nesta profissionalização da operação educacional, o Painel de Monitoramento da Educação Básica, que mostra de onde virá aquele que é a razão da educação privada, o aluno. Ferramenta estratégica para captação de novos alunos e para o desenvolvimento de uma relação entre o Ensino Superior e seus níveis anteriores.

No dia 26 de abril, a revista Gestão Universitária conversou com o professor Marcos Roberto Rosa sobre este momento da educação superior no Brasil e o papel da profissionalização da gestão, incluindo informações sobre seus trabalhos. Marcos Roberto Rosa é mestre em Métodos e Gestão em Avaliação, pela UFSC, Administrador (por formação), Professor (por paixão) e Consultor e Empreendedor (pelos vai-e-vens da vida), como ele mesmo se descreve.

Gestão – Vamos começar com a história. Como surgiram na sua vida os BI’s para a educação superior?

MRR – Primeiramente por uma necessidade de trabalho. Eu era coordenador de um curso que estava com conceito 2 no Enade e precisava encontrar as razões para este fato e como superar este patamar. Na época eu utilizava planilhas para descobrir algo que pudesse me ajudar. E assim, surgiu um primeiro ensaio naquele que seria o Consulta ENADE. Me incentivou muito também o mestrado, que versava sobre os métodos de gestão e avaliação aplicados à educação. Na sequência, senti que precisava saber sobre o mercado, de forma mais ampla. O primeiro, veio de uma necessidade pessoal, este o Consulta Educa, veio de uma curiosidade. Quase uma brincadeira, das horas vagas, pois neste momento eu já não era mais coordenador de curso. Em um processo natural, percebi que era preciso saber como estava a captação das IES, número de matrículas, de abandono também. Foi assim.

Gestão – Isto é, foi possível unir dois elementos básicos da gestão: como estamos, eu e os meus companheiros de jornada, na qualidade do serviço que oferecem e na captação de alunos.

MRR – Podemos dizer que sim, embora a motivação inicial tenha a sido a dor de ser coordenador e não ter um ponto seguro de partida para desenvolver ações de melhoria do curso, da formação e do relacionamento com os alunos. Era muito na base do “achismo”, como sempre foi. Não podemos esquecer que a educação, por séculos, foi considerada algo “sagrado”, intocável, imune às ocorrências de mercado, algo característico dos demais setores econômicos. Com estes dois BI’s, a gestão fica mais clara e profissional. Eles facilitaram muito a minha vida e agora facilita a vida de outros coordenadores, gestores e tantas outras áreas da IES, do PI (pesquisador Institucional), passando pelo Comercial/Marketing, chegando nos mantenedores. Às vezes, fazendo o caminho inverso.

Gestão – Chegamos agora neste momento de lançamento do painel de Monitoramento da Educação Básica. Qual foi a motivação para a construção deste terceiro painel?

MRR – Este surgiu de uma demanda externa de construção de um BI que fornecesse um monitoramento da Educação Básica, como estava a educação em todos os municípios do Brasil. Queriam que os dados fossem georreferenciados. Mas o projeto foi interrompido, o trabalho foi descontinuado. Mas eu havia construído uma base de dados e de 2007 até 2020. Então fui atualizando e fiz o geoprocessamento. Depois de tudo pronto eu, “voltei no tempo”, lá em 2016/2017, na minha dificuldade de fazer captação, de saber onde estava meu futuro aluno. Então, temos uma ferramenta de avaliação da nossa qualidade, outra que analisa os números do mercado e agora uma que mostra todo o ensino básico. Toda a educação, do ponto de vista do aluno está mapeada.

Gestão – Você usou a expressão “voltei no tempo”… você chegou a utilizar esta ferramenta?

MRR – Sim. Cheguei a aplicar no meu trabalho de coordenação e foi um sucesso, porque aumentei a captação da IES em quase 300%, porque fui diretamente aonde estava o aluno e comecei um relacionamento com ele. O mais importante é que eu não saí sem direcionamento. Através dos dados eu fui direto na escola que seria a minha parceira ideal, além de descobrir outras que são potencialmente ricas de alunos. Então, é um trabalho duradouro, de fidelização porque passa a ter uma visão diferente, fora do padrão que todas seguem, disputando alunos das mesmas escolas. Bem assim.

Gestão – Uma curiosidade pessoal. Do primeiro momento, lá como coordenador até hoje, trabalhar com os BI’s trouxe alguma modificação na sua visão sobre o trabalho do gestor em educação?

MRR – Sem dúvida. Pessoalmente ganhei uma experiência na ação de mercado, compreendendo, embora esta fosse a motivação inicial, cada vez mais sobre a relevância de trabalhar municiado de dados, que se transformam em informação relativizada e contextualizada e que me deu uma visão bem ágil na hora de planejar as ações comerciais, de marketing e de posicionamento institucional. A educação deu um salto neste período: deixaram de ser organizações com demanda, com processos seletivos rígidos para uma situação de baixa demanda, provocada pela multiplicação das IES, sem processos seletivos, na verdade.

Gestão – Nesta sua vivência e experiência como você vê a gestão e os gestores das IES neste momento? Elas estão preparadas para esta “nova”, entre aspas, realidade?

MRR – Não vejo ainda esta condição ideal de utilização dos dados. Há uma necessidade de formação específica para a construção de uma visão ou um conjunto de ações que levem as IES ao futuro. Muitas ainda estão no passado, olhando para o Ministério da Educação, esperando políticas favoráveis de financiamento, por exemplo, ou de afrouxamento da fiscalização e por aí vai. Isso não vai acontecer. As mudanças que estão por vir apontam na direção de um acirramento do controle, da melhoria da competitividade do país. Precisamos formar melhor nossos alunos e para isso precisamos gerir melhor e profissionalmente nossas organizações. O MEC não vai abrir mão de posicionar melhor o país no ranking mundial da educação. Então, as pessoas, os gestores, precisam buscar formação individualmente para serem melhor valorizados e as IES devem investir em educação e formação de suas equipes. Os BI’s ajudam muito, muito mesmo, mas o diferencial está na inteligência. Estamos entrando na Era da Inteligência, do Conhecimento. Já deixamos para trás a Era da Informação em que somente ter dados resolvia. O correto é uma visão cumulativa, Informação mais Conhecimento mais Inteligência. Só assim será viável um futuro confortável.

Gestão – Temos forte sinais disso…

MRR – Sim. As alterações que estão próximas indicam isso. A fiscalização maior nas Licenciaturas, o encurtamento nas avaliações, a mudanças nos instrumentos de avaliação, dos alunos e das IES, são realidade. A coisa vai ficar difícil para quem não tiver dados, informações e conhecimento para agir nesta situação já presente. Tenho falado sobre isso, mas não tenho encontrado muitos que compreendem esta grande diferença entre fases da história recente da educação. Estes têm lugar garantido no futuro, os demais vão chegar atrasados e sofrerão muito.

Gestão – E o que vem por aí no seu trabalho de Pesquisa? O que podemos esperar neste seu caminho?

MRR – Penso muito nesta questão da formação. Penso que com a reunião destes BI’s, temos bons dados para trabalhar, no entanto, como já disse, temos poucos e bons analistas que saibam, como dizem, capturar a essência dos dados. Falta percepção de que os BI’s são pontes entre as Eras. Não é só a Inteligência Artificial, é a Inteligência Humana que precisa ser revisitada e trabalhada. A IA, desenvolvida por esta IH, ainda está na era dos algoritmos. Se as perguntas certas não forem feitas; se as percepções não forem afinadas; se não houver evolução na inteligência “no chão de fábrica”, no cotidiano… Inteligência Humana é agora e será sempre o maior ativo das empresas, das organizações, do ser humano, neste mundo da necessidade ou competitividade.

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