14/06/2017

O credenciamento "por decreto" para EAD

Edgar Jacobs

A educação a distância foi objeto de uma inesperada mudança no final de maio de 2017. Com o Decreto 9.057 a abordagem regulatória tornou-se mais liberal. Não há mais exigência de credenciamento de polos e ressurge a possibilidade de instituições totalmente EAD. Mas uma alteração, em especial, foi na contramão dessa redução de intervencionismo estatal: os credenciamentos "por decreto" para a modalidade a distância das instituições de ensino públicas (Art. 12), das escolas de governo especialmente credenciadas para a a pós-graduação lato sensu (Art. 11, § 4º) e das instituições privadas que, até então, só tinham credenciamento para a pós-graduação lato sensu EAD (Art. 22).

O credenciamento automático, por decreto, é um ato estatal bastante questionável, pois frustra o princípio constitucional da garantia do padrão de qualidade (Art. 206, VII) e contrasta com a exigência do Art. 80, parágrafo primeiro, da LDB, que prevê: "A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União". Por certo, não há como garantir um padrão de qualidade nem mesmo como dizer que uma instituição teve processo de credenciamento específico a partir de uma simples regra em um decreto.

Além disso, as regras do decreto infringem texto expresso da mais antiga lei do sistema de ensino federal, a Lei 4.024/1964, que prevê

Art. 7º O Conselho Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional. 

[...]

Art. 9º As Câmaras emitirão pareceres e decidirão, privativa e autonomamente, os assuntos a elas pertinentes, cabendo, quando for o caso, recurso ao Conselho Pleno.

[...]

§ 2º São atribuições da Câmara de Educação Superior:

[...]

e) deliberar sobre as normas a serem seguidas pelo Poder Executivo para o credenciamento, o recredenciamento periódico e o descredenciamento de instituições de ensino superior integrantes do Sistema Federal de Ensino, bem assim a suspensão de prerrogativas de autonomia das instituições que dessas gozem, no caso de desempenho insuficiente de seus cursos no Exame Nacional de Cursos e nas demais avaliações conduzidas pelo Ministério da Educação;

f) deliberar sobre o credenciamento e o recredenciamento periódico de universidades e centros universitários, com base em relatórios e avaliações apresentados pelo Ministério da Educação, bem assim sobre seus respectivos estatutos; (grifamos)

 

Como decreto é norma inferior à lei e não há qualquer indício de manifestação do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre a norma ou o credenciamento das universidades e demais instituições beneficiadas, fica evidente a ilegalidade.

Não bastassem tais argumentos jurídicos caberia destacar também os princípios constitucionais da isonomia (Art. 5º) e da coexistência de instituições públicas e privadas de ensino (Art. 206, III). Nesse sentido, cabe dizer que o credenciamento automático de instituições públicas, inclusive de escolas de governo, é o elemento mais discrepante do texto. As privadas que recebem o credenciamento por decreto já passaram por um procedimento de credenciamento que, ainda que limitado ao lato sensu, teve como foco o EAD, mas as públicas beneficiadas nunca tiveram qualquer tipo de avaliação voltada para o ensino a distância. Por outro lado, é fato que existem instituições de ensino públicas que passaram, com muito mérito, por credenciamento para EAD, mas não é a essas instituições que a norma se dirige. Dessa forma, é possível dizer que agora algumas instituições só estão sendo credenciadas para EAD por serem públicas.

Por fim, no caso específico das escolas de governo há uma ilegalidade mais evidente, afinal essas instituições públicas, que muitas vezes oferecem cursos pagos e em regime de concorrência com as instituições privadas que ofertam cursos de especialização, são as únicas excluídas da regra do Art. 11, § 3º, que exige a "oferta de curso de graduação" como "condição indispensável para a manutenção das prerrogativas do credenciamento" EAD. Na prática, o Ministério da Educação perpetua a extinção do credenciamento especial privado para a pós-graduação, um ato discriminatório e ilegal que, em diversos casos, foi revisto pelo Poder Judiciário.

Enfim, como qualquer outro ato complexo que se reduz a uma determinação simples, por decreto, o credenciamento automático para EAD merece ser revisto. Este é um problema evidente que até poderia ensejar uma “solução” simples, isto porque, se realmente for desnecessária a avaliação para credenciamento EAD, melhor será concede-lo a todas as instituições de ensino superior, depois, é claro, de revogar ou rever as várias normas que impedem o Poder Público de atuar por decreto neste tipo de situação.

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