25/02/2019

O Conflito e a Luta Pelo Reconhecimento na Equipe De Trabalho: Reflexões Educativas

O CONFLITO E A LUTA PELO RECONHECIMENTO NA EQUIPE DE TRABALHO: REFLEXÕES EDUCATIVAS

 

Rafael Cezere Celi: Mestre Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: celirafael@yahoo.com.br

 

Raul Maia de Andrade Neves Neto: Mestre em Educação pela Universidade de Santa Cruz do Sul e Doutorando em Educação na UNILASALLE, Canoas/RS e membro do Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação - NETE/CNPq. E-mail: yahaul@yahoo.com.br

 

Elaine Conte: Doutora em Educação (UFRGS). Atualmente é professora pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade La Salle – Unilasalle/Canoas. Líder do Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação - NETE/UNILASALLE/CNPq. E-mail: elaine.conte@unilasalle.edu.br

 

Adilson Cristiano Habowski: Mestrando em Educação da Universidade La Salle, Canoas/RS. Bolsista da CAPES e membro do grupo de pesquisa NETE/UNILASALLE/CNPq. E-mail: adilsonhabowski@hotmail.com

 

Esta pesquisa conta com o financiamento do CNPq e da FAPERGS.

 

Resumo

O presente ensaio, de bases hermenêuticas, contextualiza a teoria crítica de Honneth enquanto locus que privilegia a rede de entrelaçamentos entre o campo empírico e o teórico nas situações de construção da identidade numa equipe de trabalho, tendo em vista que a geração de conflitos produz experiências de reconhecimento social. Com base em Honneth, o trabalho em equipe surge do que é tecido junto e brota de inquietações levantadas cotidianamente, debatidas e que necessitam ficar abertas para serem dialogadas e aprofundadas nos grupos onde foram geradas. A teoria crítica da sociedade coloca o conflito como o centro da questão, considerando-o como elemento formador da identidade humana, uma vez que permite ao indivíduo seu desenvolvimento de forma positiva numa inter-relação em diferentes esferas do reconhecimento. Debatemos que o conhecimento não é um processo individual, mas depende do reconhecimento do outro para a autorrealização do processo formativo vital. Então, só pode ocorrer por meio da liberdade cooperativa, que vai além de uma suposta ação individual, estendendo-se ao horizonte de ações sociais. Honneth traz os conflitos sociais como potencialmente emocionais e solidários nas formas de ver e conceber a dimensão ética no mundo com os outros, que são fontes inesgotáveis de luta e de vida. Portanto, emergiram das teses centrais da teoria do reconhecimento de Honneth, amor como autoconfiança, direito como autorrespeito e solidariedade como autoestima, em fenômenos sociais que revelam a importância da confiança para a convivência harmônica no conjunto das experiências de busca por reconhecimento de ações. Concluímos que as experiências de desrespeito atuam de forma intrínseca, extremista e alienante, assim como a intenção na autorregulação de um comportamento perante a si e a equipe de trabalho. Na verdade, a própria experiência social é um desafio da humanidade, cujo êxito vai depender de ações coletivas para a autorrealização do reconhecimento na práxis social, do contrário, gera-se uma sedimentação coletiva de representações que perdem a base real.

Palavras-chave: conflitos; reconhecimento; equipe.

 

Introdução

 

Axel Honneth, nascido em 1949, de vertente intelectual da Teoria Crítica, recebeu grande influência das ideias de Jürgen Habermas, que foi assistente no Instituto de Filosofia da Universidade de Frankfurt, sucedendo seus estudos na mesma universidade em 1996. Honneth busca nas obras de Habermas elementos para dar uma nova direção para a teoria social crítica, conduzindo para o processo de construção social da identidade pessoal e coletiva, tendo como pressuposto a referência de luta pela construção da identidade como exigência política, de luta pelo reconhecimento. Para tanto, Honneth retoma a categoria de reconhecimento da filosofia de Hegel, destacando que ele previa o entendimento de que a autoconsciência vai depender das experiências intersubjetivas de reconhecimento social e que daí assume o reconhecimento enquanto núcleo de seu entendimento de ética. Honneth entende que o objetivo de Hegel em seus escritos de juventude era mencionar que as inclinações intersubjetivas têm e anunciam um elemento ético e de aprendizagem moral, que se constituem na inter-relação entre os dois processos pautados pelo conceito de luta por reconhecimento.

Nesse cenário, Honneth explora o conflito como expectativa de reconhecimento envolvendo elementos morais e éticos à formação do ser humano, a partir da necessidade da crítica permanente realizada nas experiências sociais de desrespeito. O conflito faz parte da condição para o desenvolvimento completo do sujeito social e através de uma sequência de formas de reconhecimento motivada por uma relação de amor, autorrespeito e autoestima que constrói a própria identidade, enquanto ser humano emancipado e transformador. No entanto, a ausência de tal sequência pela experiência de desrespeito, vulnerabilidade e desconfiança em relação ao outro leva o sujeito a uma luta por reconhecimento. Para ilustrar, ao falarmos de equipes de trabalho, os conflitos geram diversas experiências, tanto negativas quanto positivas, que ocasionam a luta por reconhecimento no projetar-se para o futuro e em relação ao outro. Esses conflitos como formadores de experiência atuam de maneira intrínseca e extrínseca no indivíduo, gerando tensões individuais e coletivas que serão determinantes nas formas de reconhecimento individual e coletiva da equipe.

A reflexão caracteriza o conhecimento não como um processo individual, mas de algo interdependente do reconhecimento do outro e do estranho, para uma vida harmônica socialmente. Trata-se de perceber o sujeito com potencial de vontade, interesse e capacidade de se comunicar, de interagir com seu semelhante e de reconciliar-se com o outro, criando diferentes objetos culturais no viver do presente, em correlação com diferentes tradições. Ante a esses preceitos, o estudo tem como norte o problema de pesquisa: quais elementos Honneth nos oferece para compreendermos o papel do conflito no processo formativo individual e coletivo de uma equipe de trabalho? Trata-se de contextualizar por meio da teoria crítica de Honneth o locus entre as situações de desrespeito pessoais e grupais, como determinantes na construção da identidade individual e coletiva numa equipe de trabalho, pois a geração de conflitos produz experiências de reconhecimento (inter)subjetivo.

Temos como alicerce metodológico a hermenêutica filosófica, e nela o diálogo é pensado como elemento constituinte do ser humano que se concretiza plenamente pela interdependência linguística com o outro por meio da linguagem. Nosso entendimento do mundo está inserido na dimensão da linguagem, pois “todo pensar sobre a linguagem vê-se já sempre de novo apanhado pela linguagem. Só podemos pensar dentro de uma língua. E é justamente este habitar de nosso pensamento em uma língua o enigma profundo que a linguagem coloca ao pensamento” (Gadamer, 2007, p. 120). O processo hermenêutico é explicitado nas seguintes palavras pelo autor:

 

Aquele que pretende compreender um texto está disposto a deixar que o texto lhe diga algo. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente deve estar disposta a acolher a alteridade do texto. Mas tal receptividade não supõe a ‘neutralidade’, nem a autocensura, mas implica a apropriação seletiva das próprias opiniões e preconceitos. É preciso precaver-se das próprias prevenções para que o texto mesmo apareça em sua alteridade e faça valer sua verdade real contra a própria opinião do intérprete. (Gadamer, 2007, p. 145).

 

Nessa perspectiva, a linguagem revela a condição da pluralidade humana, é o alicerce hermenêutico para a construção do (re)conhecimento, visto que as reflexões oriundas da equipe precisam de uma postura (auto) organizadora de ações sobre as próprias opiniões e adequações, já que exige um trabalho interpretativo que parte dos contextos culturais e das realidades vigentes. O processo formativo em equipe surge como um potencial que contribui para as relações do conviver com o outro e no respeito à singularidade de cada pessoa.

A hermenêutica busca uma reflexão e uma compreensão sobre aquilo que vemos, lemos, vivenciamos, criando uma cultura imersa em diferentes tradições constituídas no tecido de nossas experiências vivenciadas e compartilhadas. (HABOWSKI; CONTE; PUGENS, 2018). Trata-se, então, de construir novas perspectivas, que superem o vazio humano pela abertura ao diálogo coletivo, ao pensar flexível, afetivo, sensível, coletivo e descentralizado. Ora, compreender é um ato infindável de reconciliação com o outro (a partir de sua personalidade), com o mundo, com a linguagem, com a realidade e com as limitações e condições humanas, muitas vezes guiadas pelas convenções e normativas sociais. 

É por meio do diálogo que se constitui o processo emancipador enquanto permanente processo de tensão e reinvenção de si com a o outro (equipe), pela capacidade humana de realizar experiências socioculturais. Se a interação com o outro acontece através da linguagem, então, precisamos desfrutar da interação com o outro para alcançar o reconhecimento coletivo. De acordo com Gadamer (2007), é através da experiência do encontro com o outro que emana a possibilidade da compreensão de sentidos, num horizonte inspirador de reflexões e conversações, rumo ao processo de entendimento intersubjetivo. Honneth (2011, p. 24) afirma que “os processos de mudança social devem ser explicados com referência às pretensões normativas estruturalmente inscritas na relação de reconhecimento recíproco”. O resgate da humanização das relações intersubjetivas pode acontecer pelo caminho da conversação hermenêutica, que nos constitui no encontro com o diferente e no respeito à autenticidade e à alteridade. A postura hermenêutica traz diferentes visões e discursos de mundo como questões inspiradoras e inquietantes para continuar o diálogo educativo com as diferenças e com a pluralidade de formas de pensar e agir no mundo.

Para compreender em termos mais amplos a aprendizagem do trabalho de equipe, Honneth (2011) participa da reflexão trazendo os conflitos sociais como potencialmente emocionais e solidários. Segundo Bunchaft (2014), as experiências de sofrimento podem se transformar no motor que estimula os conflitos sociais, sendo que o pressuposto que inspira os motivos de resistência social e rebelião são as experiências morais de desrespeito decorrentes da violação das pretensões de reconhecimento, que se formaram em um entorno sociocultural. Nesse processo construtivo, o texto está dividido em três partes. Inicialmente apresentamos a teoria crítica de Axel Honneth e após as subdivisões subsequentes, o sujeito e a necessidade de distinção, necessidade de confiança e a importância do diálogo, e por fim, as considerações finais.

 

Reconhecendo a teoria crítica de Axel Honneth

 

Acima de tudo, Honneth explora o relacionamento ético e o conflito como possibilidade de formação dos sujeitos a partir da própria interpretação realizada das experiências sociais de desrespeito em diferentes tradições. O conflito faz parte da condição de desenvolvimento bem-sucedido e necessário ao movimento transformador para se (re)conhecer a partir de suas experiências no mundo, através de uma sequência de formas de reconhecimento motivada por uma relação de amor, autorrespeito e autoestima. Porém, a falta de tal desencadeamento pela experiência de desrespeito, vulnerabilidade e desconfiança em relação ao outro leva o sujeito a uma luta por reconhecimento. Dessa forma, “só podemos chegar a uma compreensão de nós mesmos como portadores de direitos quando possuímos, inversamente, um saber sobre quais obrigações temos que observar em face do respectivo outro” (Honneth, 2011, p. 179).

Honneth realiza um deslocamento em relação à concepção de conflito como luta por poder ou autoconservação predominante na filosofia social moderna, originada por experiência de desrespeito que afeta a identidade pessoal e/ou coletiva. Desta forma, os sujeitos somente podem constituir suas identidades e serem reconhecidos intersubjetivamente quando provocados pelo outro a uma transformação relacional e reflexiva (Honneth, 2011). Trata-se, então, de “uma espécie de base natural da socialização humana, um estado que desde o início se caracteriza pela existência de forma elementares de convívio intersubjetivo” (Honneth, 2011, p. 43). A episteme de Honneth (2011, p. 272) pode ser sintetizada da seguinte forma:

 

O nexo existente entre a experiência de reconhecimento e a relação consigo próprio resulta da estrutura intersubjetiva da identidade pessoal: os indivíduos se constituem como pessoas unicamente porque, da perspectiva dos outros que assentem ou encorajam, aprendem a se referir a si mesmos como seres a que cabem determinadas propriedades e capacidades. A extensão dessas propriedades e, por conseguinte, o grau de autorrealização positiva crescem com cada nova forma de reconhecimento, a qual o indivíduo pode referir a si mesmo como sujeito: desse modo, está inscrita na experiência do amor a possibilidade da autoconfiança, na experiência do reconhecimento jurídico, a do autorrespeito e, por fim, na experiência da solidariedade, a da autoestima.

 

Esse reconhecimento é uma busca pelo sentido de nossas experiências numa tentativa intencional de autoafirmação enquanto ser no mundo, para si e para os outros membros da coletividade. Suas ações serão paulatinamente motivadas por essa busca compreensiva mediatizada por signos, símbolos e textos inscritos no mundo da vida. É por isso que a falta de reconhecimento de si diante de uma equipe de trabalho gera comportamentos conflitantes, ou seja, sua busca por reconhecimento confronta-se ao comportamento da equipe, reconfigurando-se como ser histórico, biológico e simbólico que vive numa cultura que é capaz de experienciar diferentes tradições, de forma positiva ou negativa. O sujeito pode fazer de sua própria história uma forma de (re)conhecimento e compreensão, como possibilidade de experienciar sua temporalidade de forma diversa dos demais, imaginando metáforas de si mesmo. Os grupos de trabalho e instituições sociais, “principalmente na medida em que libertam o indivíduo do poder da natureza externa e interna, são, pois, o lugar da sociedade moderna em que e através do qual são oferecidas ao indivíduo condições necessárias para a realização de sua autonomia” (Sobottka, 2013, p. 147).

Entendemos que ao debatermos sobre os conflitos na equipe de trabalho, os mesmos podem gerar diversas experiências na própria reinvenção do cotidiano, como estranhamento, deslocamentos, que ocasionam a luta por reconhecimento. Esses conflitos como formadores de experiências atuam de maneira intrínseca e extrínseca nos sujeitos, gerando tensões individuais e coletivas que são determinantes nos modos de reconhecimento individual e coletivo na equipe. A ideia de reconhecimento adquire importância substancial na contemporaneidade devido aos diversos fatores, mas principalmente, por elucidar a relação intrínseca necessária entre subjetividade e intersubjetividade, revelando a mediação profícua entre indivíduo e equipe, diferença e identidade, ao que Honneth denomina de padrões de reconhecimento intersubjetivo: amor, direito e solidariedade.

Partindo desse pressuposto, o conflito não se esgota porque é um campo de experiências sociais ancorado no mundo da vida e resultante das formas de interpretação de identidades em movimentos pautados pela alteridade conjugado com a equipe. E o grau de interdependência dessa equipe vai direcionar as ações e intenções mediante a educação moral desses conflitos. Dessa forma, constitui-se a formação da identidade, pois a experiência de desrespeito origina de um acontecimento objetivo e cultural definido por finalidades individuais e coletivas. Assim, incide diretamente na formação da identidade, visto que a experiência de desrespeito esfacela o conjunto de suas experiências e parte de uma realidade objetiva determinada por intenções individuais e coletivas. Honneth traz os conflitos sociais como potencialmente emocionais e solidários nas formas de ver e conceber a dimensão ética no mundo com os outros, que são fontes inesgotáveis de luta e de vida. A partir das teses centrais da teoria do reconhecimento de Honneth emergiu a necessidade de agregar relação de distinção, confiança e diálogo e sua influência recíproca nas dimensões amor, direito e solidariedade na construção de identidade, com poder de deliberação para lidar com os contextos socioculturais de seu mundo, de maneira que “o movimento do reconhecimento que subjaz a uma relação ética entre sujeitos consiste num processo de etapas de reconciliação e de conflito ao mesmo tempo, as quais substituem umas às outras”. (Honneth, 2011, p. 47). O conflito seria aquilo que prepararia os indivíduos para o reconhecimento de um conjunto social ligado por relações de interdependência mútua. Afinal de contas, a dimensão ética se dá na constituição do sujeito no mundo com os outros (fontes permanentes de luta e de vida) e compreender este sentido é reconhecer o fundamento emocional da relação com o outro no mundo.

 

O indivíduo e a necessidade de distinção

 

O nexo existente entre a experiência do reconhecimento e a capacidade de apreender resulta da perspectiva de crítica ao conhecimento, de estima e de solidariedade do indivíduo, marcada pela simbiose e autoafirmação com os outros no processo de (re)construção social da identidade. Por essa razão, não existe uma experiência em si, na qual se teria acesso sem o assentimento e o encorajamento afetivo ou desenraizado do contexto social. Cada sujeito vive as dimensões da vida conforme seus preceitos mais ou menos estabelecidos, assim como vivências atuais se conectam com as antigas, alterando as condições futuras do reconhecimento intersubjetivo.

 

Se o mecanismo de desenvolvimento da personalidade consiste em que o sujeito aprende a conceber-se a si mesmo desde a perspectiva normativa de seu defronte, então, com o círculo de parceiros de ação, o quadro de referência de sua autoimagem prática deve também se ampliar gradativamente (Honneth, 2011, p. 134).

 

A própria existência, na qual estamos inseridos, traz e incorpora experiências no sentido de que durante sua vida muda a forma de reagir às expectativas, às tragédias, aos abismos que integram a finitude e a vulnerabilidade humana (Fleck, 2010). A atuação é determinada pelos desejos e inclinações do sujeito no mundo. Sua consciência que trabalha para si é determinada pela situação que lhe convém. Então, conceitos sobre o agir serão determinados pelo seu viés social, ou seja, não apenas ambiental e sim situacional, conforme seu conceito predeterminando e sua intenção no agir com eticidade frente a determinadas práticas no mundo (Honneth, 2011). Na verdade, os sujeitos concedem-se reciprocamente um estatuto normativo de liberdade cooperativa o que exige uma atitude comunicativa, para superar os interesses solitários de uma liberdade unilateral, que tem objetivos de motivação estratégica.

Sem sombra de dúvidas, o sujeito possui essa necessidade de distinção, ou seja, distinguir-se dos outros é fator intrínseco motivacional de cada indivíduo. Porém, a necessidade de distinção pode romper os limites da harmonia social de uma equipe, pois a intenção no agir pode ocasionar comportamentos de individualização, narcisismo e egocentrismo. Também podemos pensar, como por exemplo “na medida em que a criança em desenvolvimento reconhece seus parceiros de interação pela via da interiorização de suas atitudes normativas, ela própria pode saber-se reconhecida como um membro de seu contexto social de cooperação”. (Honneth, 2011, p. 136). Além disso, fragiliza a própria reinterpretação dos outros membros da equipe na observação de uma limitação equivocada e patológica (por retirada da eticidade) a projetos comuns, relações e cooperações.

            O agir intencional ou não em busca da distinção atua como autorregulação no interior do eu como fator motivacional atrelado a sentimentos de competência, visto que o sujeito diante de uma equipe almeja o reconhecimento por meio da manutenção de seu próprio sentimento de competência (mesmo que isso resulte em uma liberdade coercitiva de si). Isso porque, através do reconhecimento, ele garante manutenção da sua própria existência nos sentimentos de autorrespeito, autoestima e autoconfiança. Na perspectiva de Honneth (2011, p. 88), “sem a medida de uma autoconfiança, de autonomia legalmente considerada como uma relíquia e de uma crença na habilidade de alguém, é impossível imaginar um processo bem-sucedido na autorrealização, significando, aqui, a busca espontânea dos objetivos livremente escolhidos na vida”. Assim, essa manutenção da distinção vai depender do grau de confirmação que o sujeito perceber dos seus parceiros de interação na equipe, pois a liberdade social avança em direção à concretização história no sentido da autonomia do indivíduo. Honneth (2011) entende que reconhecer-se reciprocamente em sua própria ação comunicativa requer normas intersubjetivamente reconhecidas e ampliadas de uma sociedade com liberdade social.

 

[...] o sujeito só é ‘livre’ quando, no contexto de práticas institucionais, ele encontra uma contrapartida com a qual se conecta por uma relação de reconhecimento recíproco, porque nos fins dessa contrapartida ele pode vislumbrar uma condição para realizar seus próprios fins. [...] E somente essa forma de reconhecimento é a que possibilita ao indivíduo implementar e realizar seus fins obtidos reflexivamente (Honneth, 2015, p. 87).

 

Desta forma, o sujeito necessita controlar o ímpeto da distinção pela necessidade de reconhecimento, pois a realidade objetiva não existe por acaso, mas como produto da ação coletiva. Essa transformação da realidade sobre a práxis é condicionada pelo próprio indivíduo, que tanto a condiciona quanto pode aprender a transformar a sua própria realidade. Conforme Habermas (1987, p. 18), “o sentido peculiar de uma identidade do Eu, baseada no conhecimento recíproco, só se revela sob o ponto de vista de que a relação dialógica da união complementar de sujeitos opostos representa simultaneamente uma relação da lógica e da práxis vital. Isto se revela sob o título de luta por reconhecimento”. Na visão habermasiana a emancipação só acontece por meio do agir comunicativo, no ato de re-conhecer e indagar sobre o sentido das coisas no mundo. A experiência que um indivíduo faz com ele mesmo quando um problema se apresenta e o impede de cumprir a sua atividade busque uma mediação ao saber que advém das experiências sociais (liberdade na cooperação). E esse indivíduo se reconhece em sua subjetividade sob forma de coerção de um problema prático a ser solucionado, e daí é forçado a reelaborar criativamente suas interpretações da situação (Honneth, 2011). Ou seja, “só o resultado desse movimento extingue a violência e restabelece a não coerção do conhecer-se a si mesmo no outro, que tem lugar no diálogo: o amor como reconciliação” (Habermas, 1987, p. 18).

            Mas a necessidade de distinção é algo inato e assegurado de indivíduo para indivíduo, assim como as ações e situações relacionadas à confirmação e manutenção de sua identidade. Porém, em relação à equipe, a ação individual pode ser interpretada negativamente pelos demais membros, pois, o direito como autorrespeito é importante para manutenção da ordem social e sensível à própria percepção da situação relacional dos indivíduos envolvidos no contexto. Nesse sentido, recorrer à dimensão da solidariedade para conservação da autoestima do sujeito e equipe consiste em uma potencialidade infinita para manutenção da harmonia, de modo que só as relações sociais que desenvolvem o conceito de solidariedade “podem abrir o horizonte em que a concorrência individual por estima social assume uma forma isenta de dor, isto é, não turvada por experiências de desrespeito”. (Honneth, 2011, p. 211). O conceito de solidariedade é entendido como “uma espécie de relação interativa em que os sujeitos tomam interesse reciprocamente por seus modos distintos de vida, já que eles se estimam entre si de maneira simétrica” (Honneth, 2011, p. 209), que acontece principalmente em sociedades que passam por conjunturas diversas complicadas, como de injustiças, perseguições e exclusões, representando como que um elo entre a luta vivenciada e compartilhada entre todos os membros e o reconhecimento que cada um alimenta reciprocamente no que se refere às peculiaridades dos outros.

Honneth (2011) defende que a relação afetiva (de afetar e ser afetado pelo outro) com outras pessoas é um componente necessário para o amadurecimento (pela interdependência e coordenação intersubjetiva da ação que pode incentivar e promover o outro). Honneth (2011, p. 159) compreende que “relações amorosas devem ser entendidas aqui todas as relações primárias, na medida em que elas consistam em ligações emotivas fortes entre poucas pessoas, segundo um padrão relações eróticas entre dois parceiros, de amizades e de relações pais/filhos”. Contudo, entender as necessidades de amor, direito e solidariedade na dimensão da diferenciação possuirá um caráter assertivo para percepções e perspectivas na construção de identidades tanto individual quanto coletivas.

 

O sujeito e a necessidade da (auto)confiança

 

O indivíduo encontra dificuldades quando o perfil que cria se torna sua verdade. Começa a usar suas estratégias e chega a um ponto que essas estratégias podem definir o indivíduo ou limitar sua ação. Em uma equipe o indivíduo busca se relacionar com pessoas cujo único intuito é o se afirmar perante esse grupo, ou seja, buscar a construção de sua própria identidade no entrecruzamento de funções, de caráter relacional. Desse modo, “só quando todo sujeito vem a saber de seu defrontante que ele ‘igualmente se sabe em seu outro’, ele pode possuir a ‘confiança’ segura de que ‘o outro’ é ‘para mim’”. (Honneth, 2011, p. 77).

Nas teses de amor, direito e solidariedade, a individualização discorre da ampliação simultânea de reconhecimento e as subjetividades sempre se regeneram, todavia, o seu comportamento será ancorado no processo de vida social como coerção normativa. Dessa busca por reconhecimento surgirá definições e conceitos que internamente se tornarão critérios para suas ações, assim como “a criança pequena, por se tornar segura do amor materno, alcança uma confiança em si mesma que lhe possibilita estar a sós despreocupadamente.” (Honneth, 2011, p. 174). Para Honneth, será através do processo de autoconfiança é que possibilitará o reconhecimento do outro, assim como acontece quando o amor que surge quando a criança reconhece o outro como um sujeito independente. O amor será então o alicerce da autoconfiança, e é nesse alicerce que o sujeito conserva sua identidade e reconhece o outro. Então, “sem a suposição de uma certa medida de autoconfiança, de autonomia juridicamente preservada e de segurança sobre o valor das próprias capacidades, não é imaginável um êxito na autorrealização, se por isso deve ser entendido um processo de realização espontânea de metas da vida autonomamente eleitas”. (Honneth, 2011, p. 273). O indivíduo aprende a assumir as normas sociais na observação do outro. Para Habermas (1987, p. 20),

 

O resultado não é o imediato conhecer-se de um no outro, isto é, a reconciliação, mas uma atitude dos sujeitos entre si com base no reconhecimento recíproco – a saber, com fundamento no conhecimento de que a identidade do Eu só é possível através da identidade do outro que me reconhece, identidade que, por seu turno, depende do meu reconhecimento.

 

Cada esfera social oferta uma contribuição educativa e formadora da própria liberdade para projetar-se como um membro socialmente aceito. Então, tem todo sentido caracterizar essa relação como busca pelo reconhecimento como uma condição necessária para a configuração intersubjetiva de uma vida feliz (Honneth, 2011). Sujeitos em uma equipe normalmente se hostilizam em diversas situações corriqueiras no cotidiano, pela divergência de opiniões, necessidades individuais, exigências e demandas de trabalho, competição, entre outros motivos. Gerando assim, internamente, experiências de desrespeito. Por isso, constantemente vínculos entre indivíduos são formados e mudados conforme situações ambientais e relacionais disponibilizadas em um espaço de participação no agir comunicativo.

            No diagnóstico de Gadamer (2006), o pertencimento condiciona a um interesse histórico e a compreensão deve ser entendida como um ato de existência, e, portanto é um projeto a ser lançado. Nesta abordagem, a realidade é entendida como uma construção social e tomada de consciência da própria historicidade, de sujeitos que interagem entre si e com o mundo (natureza, objetos), numa ação dialética, tornando possível compreender a capacidade de crítica da própria trajetória. Na interação, no diálogo e na abertura ao que o outro nos fala, em circunstâncias históricas momentâneas, estamos gerando sempre novas compreensões.  Na abordagem de Habermas (1987), a capacidade de interação não se mensura pela competência em resolver as problemáticas dos saberes morais, mas pela aptidão em manter processos de compreensão também em ocorrências de conflitos através da reflexão. Justamente numa posição contrária ao rompimento da comunicabilidade ou de mantê-la somente pela aparência. Nesse sentido, a busca pela confiança é uma necessidade de sobrevivência e da própria manutenção desse indivíduo, pois, socializar-se é tarefa essencial para manutenção do vínculo e a própria definição de seu papel na equipe como forma de reconhecer o fermento de toda a eticidade democrática. A formação de uma identidade de si próprio e diante da equipe é expresso pelo sentimento de confiança que busca, pois “todo o sujeito recebe a chance, sem graduações coletivas, de experienciar a si mesmo, em suas próprias realizações e capacidades, como valioso para a sociedade”. (Honneth, 2011, p. 211).

Atuando de forma autorreguladora quanto maior esse sentimento maior será seu vínculo coletivo perante a equipe e a própria definição de sua identidade. Do contrário, pelo sentimento de desconfiança ocorrerá um processo natural de individualização desse indivíduo na direção da desvinculação. O reconhecimento designa um duplo processo de liberação e ligação da outra pessoa, por isso, a afirmação da autonomia é acompanhada pela dedicação como um elemento constitutivo do amor.

 

Toda relação amorosa, seja aquela entre pais e filho, a amizade ou o contato íntimo, está ligada, por isso, à condição de simpatia e atração, o que não está à disposição do indivíduo; como os sentimentos positivos para com outros seres humanos são sensações involuntárias, ela não se aplica indiferentemente a um número maior de parceiros de interação, para além do círculo social das relações primarias. Contudo, embora seja inerente ao amor um elemento necessário de particularismo moral, Hegel faz bem em supor nele o cerne estrutural de toda eticidade: só aquela ligação simbioticamente alimentada, que surge na delimitação reciprocamente querida, cria a medida de autoconfiança individual, que é a base indispensável para a participação autônoma na vida pública. (Honneth, 2011, p. 178).

 

            Entretanto, indivíduos procuram apoio mediante uma relação de confiança estabelecida, tendo como sustentáculo a confiança elementar em si mesmo como base à experiência de ser reconhecido reciprocamente, pois “a liberdade da autorrealização depende de pressupostos que não estão à disposição do próprio sujeito humano, visto que ele só pode adquiri-la com a ajuda de seu parceiro de interação”. (Honneth, 2011, p. 273). Dessa forma, exercer papéis na equipe para manutenção e criação de sua identidade implica numa relação de confiança com o outro e ao mesmo tempo uma busca de distinção, parceria, mas sem imperativos. Em consequência disso, há uma manutenção de sua autonomia na equipe o que o transforma em força configuradora. Pois, seus sentimentos de autoestima, autoconfiança e autorrespeito foram afetados e aumentados conforme suas atribuições na equipe. Portanto, para a criação de sujeitos atuantes que possuam autonomia em uma sociedade, “sem o sentimento de ser amado, não poderia absolutamente se formar um referente intrapsíquico para a noção associada ao conceito de comunidade ética.” (Honneth, 2011, p. 80).

            Por isso, um indivíduo necessita do outro para através do desenvolvimento do sentimento de confiança recíproca aumentar seus vínculos, buscar autonomia e contribuir para o trabalho em equipe, construindo a sua identidade a partir de um processo de socialização que o potencializa e o emancipa como um componente da eticidade democrática. O reconhecimento íntegro é aquele que causa a emancipação, pois “o reconhecimento deve ser entendido como um gênero que compreende várias formas de atitudes práticas cuja intenção primária consiste em um ato especial de afirmação de uma outra pessoa ou grupo” (Honneth, 2007, p. 330). Portanto, o sentimento de confiança é autorregulador para a construção de identidade, pois, quanto maior o sentimento de confiança maior a segurança do indivíduo para determinar sua ação. Segundo Honneth (2011), o indivíduo de direito se reconhece como pessoa capaz de decidir com autonomia individual sobre normas morais e desse reconhecimento se distingue a estima por outro indivíduo, porque está em jogo não a aplicação de normas morais sábias intuitivamente, mas sim a avaliação gradual de capacidades e potencialidades correlatas.

 

 As ligações afetivas do diálogo

 

            O convívio social de uma equipe pode ser um espaço de sofrimento e constrangimento se este não desenvolver uma consciência coletiva sobre as perspectivas e possibilidades dos diálogos que surgem na equipe. Isso porque normalmente os diálogos sobre assuntos a serem resolvidos implicam em comportamentos peculiares que repercutem na subjetividade de cada atuação. Esta será legitimada na relação aberta com o outro, na definição conceitual e tensa do diálogo. Porém, o diálogo precisa possuir um efeito recíproco entre o ser e o outro, pois a não reciprocidade gera a estranheza e comportamento defensivo, sendo natural do ser humano a autodefesa ou defender a posição do outro, porque faz parte do senso de pertencimento sensível em relação ao outro. Conforme Gadamer (2007, p. 50), trata-se de “reconhecer no estranho o que é próprio, familiarizar-se com ele [...], cujo ser é apenas o retorno a si mesmo a partir do ser-outro”.

Torna-se necessário o ceder para dar chance à compreensão reestabelecendo o diálogo de si mesmo para com o outro. E numa tentativa de abertura de diálogo será necessário para compreensão desse sentido, implicando em assumir a perspectiva do outro como mediador do seu diálogo interno. E nisso, o diálogo se constitui assim na possibilidade de experimentar nossa individualidade e a experiência do outro com suas objeções e aprovações. No vínculo que o eu inaugura com as coisas do mundo, o mesmo é experienciado enquanto alimento que nutre as misérias do eu pela exterioridade, capaz de ser congregado ao eu pelo esforço humano de sua ressignificação nos trabalhos e diálogos em equipe. O encontro com o outro em equipe é uma relação político-social, não somente pelo fato de ser uma religação entre sujeitos diferentes, mas pela exigência de interagir para aprender, compartilhar conhecimentos e de responsabilizar-se pelo outro (JACOBI; HABOWSKI; CONTE, 2018). Ao entrar em contato com o outro que é diferente, ninguém pretende mudá-lo para assumir a identidade que o outro possui, ou moldá-lo igual a todos, mas construir com base na alteridade, consiste em reconhecer e respeitar as pluralidades humanas, ensinando a pensar e deixando aprender para edificar-se com o outro. No contexto de conflito, essa relação com o outro requer uma (re)tomada de consciência de ambos, pensando inclusive até que ponto é o limite do outro.

A capacidade de reconhecer e ser reconhecido são eminentemente humanos, por isso possuem caráter político, constituindo nossa condição humana, de criação e reconstrução de saberes em que o outro é parte imprescindível. Ao inserirmos o amor, a empatia e a dignidade humana como princípios das artes de fazer e trabalhar em equipe, nos damos conta de que a exclusão dos outros, significa a redução da capacidade de apreender de nós mesmos. A incapacidade para o diálogo aparece também na falta de autoconfiança apresentada por Honneth (2011). Como caráter permanente de autopreservação o silêncio como negação ao diálogo afetuoso deslegitima a abertura do ser diante do outro, pois nega o conflito construtivo, preservando tal limitação na própria insegurança de dizer a palavra e contextualizar as próprias proposições.

            Gadamer (2006) diz que a compreensão deve ser entendida com um ato de existência e um projeto a ser lançado. Nesse sentido, o diálogo é fator importante e determinante ao reconhecimento dos indivíduos, isso porque, a forma de expressar e falar dispõe de instrumentos para o entendimento e a compreensão através da própria (re)interpretação. Na verdade, os indivíduos possuem maneiras de ver, entender e conceber o mundo a sua volta e de interpretá-lo, o que não seria possível sem o desenvolvimento de uma consciência conjunta da realização da sua própria liberdade individual com outros por meio do diálogo. Honneth (2011, p. 175) entende que,

 

O ato de deslimitação recíproca, no qual os sujeitos se experienciam como reconciliados uns com os outros, pode assumir, segundo a espécie de ligação, as formas mais diversas: nas amizades, pode ser a experiência comum de um diálogo que nos absorve ou o estar-junto inteiramente espontâneo; nas relações eróticas, é a união sexual, pela qual um se sabe reconciliado com o outro, sem diferenças. Em cada caso, porém, o processo de fusão tira a condição de sua possibilidade em geral somente da experiência oposta do outro, sempre se contornando novamente em seus limites.

 

 

O intercâmbio cooperativo entre os indivíduos está na busca por pertencimento, partilha e distinção, já que os processos de entendimento dependem da forma de conduzir um diálogo, sendo primordial para a própria experiência subjetiva de reconhecimento. No entanto, o diálogo pode servir como forma de desrespeito e mecanismos de dominação para o indivíduo ou equipe, conduzindo à figura típica do individualismo paralisante. Por exemplo, “os maus-tratos físicos de um sujeito representam um tipo de desrespeito que fere duradouramente a confiança aprendida através do amor, na capacidade de coordenação autônoma do próprio corpo” (Honneth, 2011, p. 215). Mas, diversas situações emergem de confrontos do que depende inclusive as formas de interpretação. Então, torna-se necessário para ação de resistência à avaliação de argumentos os critérios intrínsecos à liberdade comunicativa para a manutenção da harmonia. O estabelecimento dessa harmonia deve seguir as bases normativas sociais já existentes. A atuação é determinada pelo próprio indivíduo no mundo. A consciência trabalha para si e esse indivíduo é determinado por situações que lhe convém. Assim, conceitos sobre o agir individual e coletivo serão determinados por contextos na interdependência de práticas comunicativas. Se o sujeito influi sobre o outro por meio do diálogo, ele é capaz de desencadear no outro sua própria reação, visto que sua expressão é perceptível como um estímulo vindo de fora (Honneth, 2011). Honneth (2011, p. 130) comenta essa relação nos seguintes termos:

 

esse “Eu” não só precede a consciência que o sujeito possui de si mesmo no ângulo de visão de seu parceiro de interação, como também se refere sempre de novo às manifestações práticas mantidas conscientemente no “Me”, comentando-as. Portanto, entre o “Eu” e o “Me”, existe, na personalidade do indivíduo, uma relação comparável ao relacionamento entre parceiros de um diálogo.

 

            É de suma importância a sensibilização do indivíduo em relação a formas de conduzir o diálogo para manutenção da harmonia social, pois, conceitos e definições emergem do diálogo vivo, que manifesta também experiências de desrespeito ao não levar em conta as motivações, o sentido e os componentes da ação coletiva. “A experiência de desrespeito está ancorada nas vivências afetivas dos sujeitos humanos, de modo que possa dar, no plano motivacional, o impulso para a resistência social e para o conflito, mais precisamente, para uma luta por reconhecimento”. (Honneth, 2011, p. 214). Trata-se de contribuir com argumentos edificantes mutuamente para avaliar aqueles que poderiam ser aceitos por todos para concretizar a comunicação.

Segundo Fleck (2010), conhecer significa constatar os resultados inevitáveis sobre determinadas condições dadas e o ato da constatação compete ao indivíduo. Para a construção da identidade do sujeito as necessidades de distinção e confiança geram uma predisposição para agir com sentimentos de solidariedade e essa ação virá por meio da própria interpretação subjetiva do diálogo. Assim, como um elemento chave para relações sociais dentro de uma equipe a intenção na locução deve ser entendida desde a entonação da voz, no gesto, no corpo, passando pelo ato de escutar e perceber a perspectiva do locutor. Assim, a compreensão das perspectivas é primordial para o entendimento dialógico, pois não existe uma conversação baseada em exigências de liberdade social sem intenção de reconciliação com o outro e busca de reconhecimento recíproco. Quando o sujeito se percebe reconhecido conforme sua subjetividade, ele também precisa ser visto no âmbito comunitário, em que “pelo mesmo caminho que chegaram a uma autonomia maior, deve aumentar ao mesmo tempo nos sujeitos o saber sobre sua dependência recíproca”. (Honneth, 2011, p. 57).

            Então, quando o sujeito possui uma necessidade de se impor mediante uma situação que julga desrespeitosa cria conceitos próprios que podem transpor limites socialmente estabelecidos, pois, o indivíduo tão obstinado em se afirmar pode deslegitimar-se ou ser desacreditado no horizonte coletivo ao negar a perspectiva situacional do contexto. De acordo com Honneth (2011), o eu não pode agir como um objeto na consciência, mas ele é justamente o caráter dialógico de nossa experiência no mundo, pois respondemos a nossa própria fala o que implica uma personalidade que responde no palco, nos gestos e nos símbolos. Um sujeito tenta adequar sua própria linha de ação comparada a outras ações, assim como cada pessoa ajusta suas próprias ações no que vê os outros fazendo como exemplo. Contudo, para Honneth (2011), o indivíduo ao aprender a generalizar em si mesmo as expectativas normativas de uma equipe, atinge o ponto de uma representação das normas sociais de ação e adquire a capacidade abstrata de poder participar nas interações normativamente reguladas em seu meio. Como visto, essas projeções normativas dizem quais são as expectativas que pode dirigir legitimamente a todos os outros e quais são as obrigações que devem cumprir justificando suas ações em relação aos ditames morais.

 

Considerações finais

           

            Concluímos deste exercício hermenêutico que é de suma importância para a harmonia social de uma equipe de trabalho a definição de conceitos em torno do reconhecimento coletivo, para avaliar corretamente as situações e então agir com o grupo, tendo em vista as questões e demandas a serem ponderadas pela equipe, a abertura de exceções e novas atitudes de mudança. De fato, ações geram situações que determinam contextos comunicativos mediante as percepções individuais e coletivas da equipe que se retroalimentam nas tensões do reconhecimento. Nesse sentido, a harmonia virá da relação de respeito mútuo da equipe (todos) para com os indivíduos (cada membro), buscando o entendimento de suas necessidades pessoais intrínsecas que legitimam o próprio reconhecimento de si diante do mundo e dos outros (a equipe). Então, cada membro da equipe deve partilhar da premissa de que as experiências de confronto são importantes para a autorregulação de todos desde que conservem os direitos humanos na perspectiva de experiências coletivas. Tudo indica que precisamos reconhecer a dimensão emocional das relações sociais de estarmos implicados uns com os outros.

            Nesse estudo, a teoria de Honneth adquiriu uma importância social a partir de uma perspectiva crítica no entendimento do confronto e do reconhecimento de indivíduos numa equipe, seja de trabalho escolar ou na própria comunidade. A busca por reconhecimento nas experiências de desrespeito a partir das teses centrais de Amor como autoconfiança, Direito como autorrespeito e Solidariedade como autoestima auxiliaram na criação de noções e ações para as demandas e fronteiras do reconhecimento em situações do cotidiano. Tais categorias se entrelaçam nas ações intrínsecas e extrínsecas dos indivíduos, produzindo diversas experiências sociais plenas de sentidos e sentimentos. Portanto, a teoria do reconhecimento de Honneth, do amor como autoconfiança, do direito como autorrespeito e da solidariedade como autoestima na convivência social se revelou importante para analisar a formação da identidade individual e coletiva no contexto de uma equipe de trabalho. Por fim, as experiências de desrespeito atuam de forma motivacional intrínseca (a si) e extrínseca (a equipe), como consciência da ação que fará a autorregulação de comportamentos sociais. Ao aprendermos que a cooperação gera autonomia e atende as expectativas da equipe de trabalho, “a ponto de chegar à representação das normas sociais de ação” e do próprio papel no contexto da ação funcionalmente organizado, adquirimos a capacidade de descentramento e ação coletiva no encontro com o outro, legitimamente reconhecido por todos os membros do grupo (Honneth, 2011, p. 135).

             

Referências

 

Bunchaft, M. E. 2014. Habermas e Honneth: leitores de Mead. Sociologias, Porto Alegre, 16 (36), pp. 144-179. DOI: 10.1590/15174522-016003611.

 

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Fleck, L. 2010. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Trad. George Otte, Mariana Camilo de Oliveira. 1. ed. Belo Horizonte: Fabrefactum.

 

Gadamer, H.-G. 2007. Verdade e método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 8. ed. Petrópolis: Vozes.

 

Gadamer, H.-G. 2006. O problema da consciência histórica. 2. ed. Trad. Paulo César Duque. Rio de Janeiro: FGV.

 

Habermas, J. 1987. Técnica e Ciência como Ideologia. Lisboa: Edições 70.

 

Habowski, A. C.; Conte, E.; Pugens, N. B. 2018. A perspectiva da alteridade na educação. Conjectura: Filos. Educ., Caxias do Sul, v. 23, n. 1, p. 179-197, jan./abr. DOI: 10.18226/21784612.V23.N1.10

 

Honneth, A. 2011. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. 2. ed. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Editora 34.

 

Honneth, A. 2007. Recognition as Ideology. In: Brink, B.V.D.; Owen, D. (ed.). Recognition and power: Axel Honneth and the tradition of critical social theory. New York: Cambridge University Press, pp. 323-347.

 

Honneth, A. 2015. O direito da liberdade. São Paulo: Martins Fontes.

 

Jacobi, D. F.; Habowski, A. C.; Conte, E. 2018. Do caos ao cosmos: A metamorfose do aprender. Revista Diálogos (RevDia), v. 6, n. 1, jan.-abr. Disponível em: <http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/revdia/article/view/5479>

 

Sobottka, E. 2013. Liberdade, reconhecimento e emancipação - raízes da teoria da justiça de Axel Honneth. Sociologias, Porto Alegre, 15 (33), pp. 142-169. DOI: 10.1590/S1517-45222013000200006.

 

 

 

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