31/03/2017

O ARTIGO 384 DA CLT E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A MULHER OPERÁRIA

O ARTIGO 384 DA CLT E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A MULHER OPERÁRIA

 

Rita Maria de Cerqueira Silva. Bacharel em Direito (UCSal), Especialista em Processo Civil (Juspodivm e LFG) e Especialista em Direito Processual do Trabalho (UNIDOM)

 

O PRINCÍPIO DA ISONOMIA E O ARTIGO 384 DA CLT

A aplicação do art. 384 da CLT, que prevê a concessão de descanso de 15 minutos à mulher obreira, antes do início da jornada extraordinária, tem fomentado discussões e embates acalorados, muito se discute sobre a indiscutível nuance de inconstitucionalidade que paira sobre o dispositivo, além da forte ideia de que falha em seu objetivo que seria a proteção da mulher trabalhadora, podendo, inclusive, representar um retrocesso nas conquistas femininas, sob o ponto de vista conceitual, uma vez que impacta com o Texto Constitucional vigente, além das disposições contidas no artigo 71 e §1º da CLT. Neste dispositivo, não se verifica a existência de imposição relacionada ao gênero do obreiro, para o fim de concessão do intervalo.

A adoção de um tratamento diferenciado para a empregada tem sido encarada como uma violação ao princípio constitucional insculpido na Carta Magna de 1988.

Assiste razão para tal afirmação quando se analisa o art. 5º, I, do texto Constitucional, expressão máxima do Princípio da Isonomia. No mesmo sentido, o art. 7º, XXX, reitera o citado princípio no âmbito laboral.

Por não terem sido recepcionadas no texto constitucional, as normas discriminatórias anteriores à CF/88, a princípio, deveriam encontrar-se revogadas, em razão de seu caráter inconstitucional.

Ao conceder a homens e mulheres os mesmos direitos e obrigações, o constituinte atingiu todas as normas discriminatórias. Observe-se que o art. 384 da CLT não traz nenhuma razão material para distinguir o tratamento dado à mulher e ao homem na concessão de descanso antes do início da jornada por hora extra.

O citado artigo, previsto no texto consolidado, se apresenta como um resquício de um período histórico em que, se valendo de pretenso sentido de proteção e tutela dos interesses da mulher obreira, a legislação pátria se orientava, primordialmente, por valores sexistas, trazendo em seu esteio, ainda mais dificuldades para a inserção da mulher no mercado de trabalho. A essência do artigo ora estudado faz parte da redação original do Decreto-Lei 5.452 de 1º de maio de 1943, idealizado em um momento histórico onde as mulheres eram consideradas inferiores sob o ponto de vista das suas capacidades laborais, e no entendimento da época, a fragilidade física feminina influiria em seu desempenho funcional.

Há de se considerar ainda, o momento em que se deu a consolidação, posto que havia decorrido, apenas, 09 (nove) anos da Constituição de 1934, a partir da qual foi  concedido às mulheres o direito de voto.

A abertura do mercado formal de trabalho para a mulher ocorreu em realidade, em razão do conflito mundial que se desenrolava a época, conflito este que desfalcava do mercado de trabalho formal, uma imensa gama de trabalhadores do sexo masculino, que se encontravam nos fronts da guerra. Tal situação forçou a busca e aceitação da mulher, para que desempenhasse funções, até então exercidas exclusivamente por homens, notadamente no campo da indústria.

Face às incertezas que advieram e da necessidade imperativa de retirar as mulheres de seu ambiente doméstico, foram adotadas, naquele momento, medidas que visavam uma suposta proteção, posto que a mulher, de modo geral, mantinha uma rotina diária de hábitos e costumes absolutamente diversos daqueles verificados atualmente.

A capacidade das mulheres era objeto de dúvidas não apenas no que se referia ao vigor físico, mas também a sua intelectualidade. O art. 384 foi idealizado num momento em que as mulheres não tinham o hábito de exercer funções externas, atividades físicas ou intelectuais relevantes e remuneradas.

É notório que atualmente as mulheres se encontram em uma posição muito mais favorável àquela enfrentada à época da publicação da CLT. O constituinte de 88 aboliu as discriminações ao dar posição privilegiada ao Princípio da Isonomia, trazido expressamente em dois momentos (art. 5º, I, e art. 7º, XXX).

Depreende-se, assim, que a aplicação e reconhecimento do descanso de 15 minutos, antes do início da jornada extraordinária, positivado no art. 384 da CLT, sob o ponto de vista fático, e considerando sua pretensa finalidade, em nada contribui para a proteção da mulher no ambiente de trabalho, considerando que a justificativa para a existência deste intervalo, aponta para o fato de que a mulher desempenha, além da jornada de trabalho formal, atividade doméstica não remunerada. Ora, se o objetivo da Lei é proteger a mulher, então que sejam criados mecanismos para que o trabalho doméstico informal desempenhado pela mulher seja formalizado e remunerado, considerando que 15 minutos de descanso anterior ao inicio de jornada extraordinária, nada significam para a mulher obreira em termos de reconhecimento pela jornada dobrada e irremunerada.

Na verdade, a previsão contida no mencionado artigo 384, implica em motivação que induz o empregador a dar preferência ao obreiro do sexo masculino, em detrimento do operário do sexo feminino. Vem motivando diversos embates e desmerecimentos no campo das conquistas alcançadas pela mulher, que persegue um tratamento igualitário em relação ao homem no ambiente de trabalho, assumindo as mesmas funções, exercendo as mesmas atividades e pleiteando salários iguais.

No que se refere à previsão encontrada no artigo 384 da CLT, se identifica a existência de três correntes com posicionamentos diferenciados sobre a validade e o alcance do art. 384. Uma vertente sustenta a recepção pelo novo Texto Maior, tal como se acha redigida a norma da CLT. Outra entende que teria ocorrido sua revogação tácita, ante a incompatibilidade com os arts. 5º, I, e 7º, XXX, constitucionais. A terceira defende que a previsão legal subsiste e deve ser interpretada de forma abrangente, não discriminatória, válida para ambos os sexos de trabalhadores.

Percorre o estudo deste tema, uma trajetória histórica e cultural, apresentando subsídios com a finalidade de demonstrar que a previsão legal contida no art. 384 da CLT, que dispensa tratamento diferenciado entre obreiros e obreiras, em verdade, restringe o mercado de trabalho às mulheres, considerando além do aspecto legal, fatores econômicos.

O tema se encontrava em exame na Suprema Corte, desde setembro de 2011, objetivando discutir a recepção desse dispositivo pela Constituição em vigor, considerando os preceitos contidos nos arts. 5º, I, e 7º, XXX, sendo relator o Min. Dias Toffoli(1).

Recepção pela Constituição

A primeira corrente doutrinária entende que a regra do art. 384 foi recepcionada pela CF/88 e continua sendo aplicada apenas às mulheres. Ensinou Amauri Mascaro Nascimento que, se da mulher forem exigidas horas extraordinárias, para compensação ou em se tratando de força maior, será obrigatório intervalo de 15 minutos entre o fim da jornada normal e o início das horas suplementares (CLT, art. 384)(2).

Seguindo a mesma linha, Octavio Bueno Magano chamou de descanso peculiar ao trabalho feminino, o previsto no art. 384 da CLT(3). E, Lima Teixeira Filho, referindo-se aos períodos de descanso da mulher, observa que, além de se aplicarem à mulher trabalhadora as normas gerais que estabelecem intervalo mínimo de 11 horas entre duas jornadas de trabalho (...), a Consolidação determina que, na hipótese de prorrogação do horário normal, seja obrigatório um descanso de 15 minutos, no mínimo, antes do início do período extraordinário de trabalho(4).

Trata-se do entendimento que, atualmente, prevalece na jurisprudência dominante no TST. Ao afastar incidente de inconstitucionalidade suscitado, o Pleno daquela Corte, em voto do Min. Ives Gandra Martins Filho, assentou: MULHER - INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF. 1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico. 2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intra jornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. OJ nº 342 da SBDI-1 do TST). 3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso. 4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. 5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade doart. 384 da CLT. Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista rejeitado(5).

Pela Revogação

A segunda forma de interpretação da condição prevista no art. 384 ante a Constituição de 1988 é no sentido da sua revogação.

Sérgio Pinto Martins escreve que o preceito em comentário conflita com o inciso I do art. 5º da Constituição, em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada de trabalho da mulher(6).

Entendimento similar tem Alice Monteiro de Barros, na sua tese doutoral, onde sustenta: considerando que é um dever do estudioso do direito contribuir para o desenvolvimento de uma normativa que esteja em harmonia com a realidade social, propomos a revogação expressa do art. 376 da CLT, por traduzir um obstáculo legal que impede o acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho. Em consequência, deverá também ser revogado o art. 384 da CLT, que prevê descanso especial para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositivos conflitam com os arts. 5º, I, e 7º, XXX, da Constituição Federal(7).

Mauricio Godinho Delgado é enfático ao assinalar, a respeito da impossibilidade de se reconhecer a desigualdade entre homem e mulher, que a CF/88, firmemente, eliminou do Direito brasileiro qualquer prática discriminatória que contra a mulher no contexto empregatício - ou que lhe pudesse restringir o mercado de trabalho -, ainda que justificada a prática jurídica pelo fundamento da proteção e da tutela(8).

Com efeito, a jurisprudência dos Tribunais Regionais tem adotado posicionamento no sentido de que o art. 384 não se aplica porquanto não recepcionado pela Constituição(9). Ademais, a jurisprudência do TST, conquanto predominante a corrente no sentido de que a regra persiste apenas para mulheres, possui vozes discordantes, como a do Min. Aloysio da Veiga, no aresto abaixo transcrito: RECURSO DE REVISTA. EMPREGADA BANCÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT. ART. 5º, I, DA CF. IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES. O art. 384 da CLT contempla a concessão de quinze minutos de intervalo à mulher, no caso de prorrogação da jornada, antes de iniciar o trabalho extraordinário. O tratamento especial, previsto na legislação infraconstitucional não foi recepcionado pela Constituição Federal ao consagrar no inciso I do art. 5º, que homens e mulheres "são iguais em direitos e obrigações". Tal dispositivo apenas viabiliza de direitos diferenciados quando, efetivamente, houver necessidade da distinção, que apenas se viabiliza em razão de ordem biológica, não podendo ser admitida a diferenciação apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular discriminação no trabalho entre iguais. Recurso de revista conhecido e provido(10).

Aplicação Abrangente

Por fim, a terceira corrente doutrinária e jurisprudencial: a regra do art. 384 deve ser aplicada, indistintamente, a homens e mulheres.

Com efeito, antes mesmo da Carta de 1988 iniciar sua vigência, Mozart Victor Russomano escreveu, nos seus clássicos Comentários, que: será, finalmente, possível - com boas razões - aproveitar-se a regra do art. 384 para confrontá-la, sucessivamente, com os arts. 5º, 61 e 71, § 1º, desta Consolidação a fim de reforçar nessa interpretação, acima referida, de que esse intervalo para descanso pode ser devido em qualquer caso de prorrogação do serviço de qualquer trabalhador, sempre que tal prorrogação determinar sua permanência em atividade por mais de quatro horas consecutivas(11).

Esse modo de pensar, após o Texto de 1988, foi se solidificando em boa parte da doutrina brasileira, e magistratura trabalhista brasileira, reunida na I Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, a 23.11.07, consignou ementa pelo alcance para homens e mulheres da regra do art. 384, adotando o Enunciado nº 22, que contempla: ART. 384 DA CLT. NORMA DE ORDEM PÚBLICA. RECEPÇÃO PELA CF DE 1988. Constitui norma de ordem pública que prestigia a prevenção de acidentes de trabalho (CF, 7º, XXII) e foi recepcionada pela Constituição Federal, em interpretação conforme (arts. 5º, I, e 7º, XXX), para os trabalhadores de ambos os sexos.

A esse enunciado reportam-se Francisco Jorge Neto e Jouberto Cavalcante, embora não se posicionem claramente sobre o tema (12), e, Francisco José Monteiro Junior, entendendo que se trata da mais adequada interpretação do dispositivo consolidado em consonância com os preceitos constitucionais, arremata afirmando que isso se deve em observância e prestígio ao princípio da isonomia (art. 5º, I, da Carta Maior), pouco importando se tratar de homem ou mulher(13).

Finalmente, Luciano Martinez acentua ser mais razoável se adotar essa interpretação mais abrangente inclusive em observância ao princípio constitucional que veda discriminação em razão de sexo(14).

A Solução Mais Ideal

Com efeito, levando em consideração que o Texto Fundamental reconhece, de um lado, a impossibilidade de efetuar qualquer discriminação entre os seres humanos por razão de sexo (art. 5º, I), e tendo o comando fixado no art. 7º, XXX, segundo o qual, ficou consagrada a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, a primeira impressão seria a de considerar não recepcionado o art. 384 da CLT.

E assim poderia ser inclusive pelos precedentes decorrentes da Lei nº 7.855, de 24.10.89, que revogou os arts. 374, 375, 378 a 380 da CLT, e da Lei nº 10.244, de 27.06.01, revogadora do art. 376 consolidado, sempre objetivando afastar a discriminação existente.

Revogar, no entanto, o art. 384 da CLT, a meu juízo, importará em prejudicar o trabalhador, causar-lhe danos a saúde, como retornarei adiante.

Deve, então, o dispositivo ser mantido. Todavia, em que pesem os respeitáveis argumentos dos defensores da sua conservação, é inegável a discriminação, daí é que a derradeira corrente, que chamo de ampliativa, é a que deve prevalecer.

Ora, o art. 71 e § 1º da CLT reconhece intervalos intrajornada, que o trabalhador tem direito caso trabalhe quatro, seis ou mais horas, até, evidente, o limite de oito horas/dia. É a seguinte a redação:

"Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.

§ 1º - Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, entretanto, obrigatório um intervalo de 15 (quinze) minutos quando a duração ultrapassar 4 (quatro) horas."

O dispositivo é aplicável a todo o empregado, pouco importando o sexo a que pertence. Trata-se de providência destinada a recompor as condições físicas do trabalhador, depois de um determinado período continuado de atividades. Destinam-se a refeição, descanso, momentos de lazer. Ademais, não se olvide que existem, v.g., casos de intervalos a cada 90 minutos de trabalho, como a previsão para os que trabalham em mecanografia e digitação (art. 72 da CLT).

Estas ponderações se atêm a natureza discriminatória que norteia o art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho, insistindo em um conceito perigoso e ultrapassado, que traz como conseqüência a restrição do mercado de trabalho para a mulher. Ademais, o texto Consolidado sempre teve como norte, a proteção do trabalhador, seja ele homem ou mulher, e seu amparo contra a exploração do empregador, reconhecendo sua hipossuficiência e inferioridade econômica e social perante o patrão.

A discussão sobre a aplicação do artigo 384 e suas implicações, tenta mensurar os benefícios e prejuízos decorrentes de sua adoção. Objetiva ainda demonstrar, de forma analítica, como a aplicação do artigo 384, que, em tese, beneficiaria a trabalhadora, representa prejuízos, de forma indireta e ilegal, impactando na contratação de empregados do sexo feminino, em razão das condições impostas, que interferem sobremaneira nos interesses econômicos vigentes.

Esta discussão se deve em razão da polêmica existente na doutrina e na jurisprudência, incertezas pessoais e inconformismos observados, principalmente em relação à pertinência ou não do instituto.

A carta magna, ao conceder a homens e mulheres os mesmos direitos e obrigações, atingiu todas as normas discriminatórias. Observe-se que o art. 384 da CLT não traz nenhuma razão material para distinguir o tratamento dado à mulher e ao homem na concessão de descanso antes do início da jornada por hora extra.

Na doutrina de Sérgio Pinto Martins, o ilustre jurista pondera que:

"O preceito em comentário conflita com o inciso I do artigo 5º da Constituição, em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada de trabalho da mulher". (MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 69).

Nesse mesmo sentido posicionou-se igualmente Alice Monteiro de Barros:

"Considerando que é um dever do estudioso do direito contribuir para o desenvolvimento de uma normativa que esteja em harmonia com a realidade social, propomos a revogação expressa do artigo 376 da CLT, por traduzir um obstáculo legal que impede o acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho. Em conseqüência, deverá também ser revogado o artigo 384 da CLT, que prevê descanso especial para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositivos conflitam com os artigos 5º, I, e artigo 7º, XXX, da Constituição Federal". (BARROS, Alice Monteiro de. A Mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 1995. p. 479).

Na jurisprudência, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, em acórdão de lavra do Eminente Juiz Dirceu Pinto Júnior, posicionou-se no seguinte sentido:

"Quanto à não concessão do intervalo previsto no artigo 384 da CLT, entendo que, por não importar em acréscimo de jornada, configura mera infração administrativa. Além do mais, o dispositivo trata de proteção do trabalho da mulher, o qual se encontra revogado em face das disposições constitucionais que asseguram igualdade de direitos e deveres entre homem e mulher. A meu juízo, impossível a manutenção de qualquer norma de proteção, salvo aquelas que se referem a condições especiais da condição da mulher, como a maternidade e o deslocamento de peso. Ante o exposto, reformo o julgado para excluir a condenação ao pagamento de 15 minutos extraordinários e reflexos baseados no artigo 384 da CLT". (Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Volume 24. Nº 1. Janeiro a junho de 1999. p. 241, Proc. TRT-PR-RO 15.798/98, Acórdão 4ª T. 16.250/99, julgado em 26-05-99, publicado no DJPR de 23-07-99).

Tal entendimento era repetido no Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, em diversas turmas, além da Seção de Dissídios Individuais, conforme brilhante decisão, cuja ementa segue abaixo:

“RECURSO DE EMBARGOS. TRABALHO DA MULHER. INTERVALO PARA DESCANSO EM CASO DE PRORROGAÇÃO DO HORÁRIO NO R MAL. ARTIGO 384 DA CLT. NÃO RECEPÇÃO COM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT RECONHECIDA. O art. 384 da CLT está inserido no capítulo que se destina à proteção do trabalho da mulher e contempla a concessão de quinze minutos de intervalo à mulher, no caso de prorrogação da jornada, antes de iniciar o trabalho extraordinário. O tratamento especial, previsto na legislação infraconstitucional não foi recepcionado pela Constituição Federal ao consagrar no inciso I do art. 5º, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. A história da humanidade, e mesmo a do Brasil, é suficiente para reconhecer que a mulher foi expropriada de garantias que apenas eram dirigidas aos homens e é esse o contexto constitucional em que é inserida a regra. Os direitos e obrigações a que se igualam homens e mulheres apenas viabilizam a estipulação de jornada diferenciada quando houver necessidade da distinção, não podendo ser admitida a diferenciação apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular discriminação no trabalho entre iguais, que apenas se viabiliza em razão de ordem biológica. As únicas normas que possibilitam dar tratamento diferenciado à mulher diz respeito àquelas traduzidas na proteção à maternidade, dando à mulher garantias desde a concepção, o que não é o caso, quando se examina apenas o intervalo previsto no art. 384 da CLT, para ser aplicado apenas à jornada de trabalho da mulher intervalo este em prorrogação de jornada, que não encontra distinção entre homem e mulher. Embargos conhecidos e providos.” (Proc. TST E-RR – 3886/2000-071-09-00, Acórdão SDI-1, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, julgado em 31-03-2008, publicado no DJ de 25-04-2008).

Russomano apresenta uma proposta hermenêutica:

"Será, finalmente, possível – com boas razões – aproveitar-se a regra do artigo 384 para confrontá-la, sucessivamente, com os artigos 5º, 61 e 71, parágrafo 1º, desta Consolidação a fim de reforçar nessa interpretação, acima referida, de que esse intervalo para descanso pode ser devido em qualquer caso de prorrogação do serviço de qualquer trabalhador, sempre que tal prorrogação determinar sua permanência em atividade por mais de quatro horas consecutivas." 9

O Autor conclui, por fim, apresentando a solução plausível como direção interpretativa:

"O artigo 384, pois, seria subsídio para a interpretação exata dos outros dispositivos acima citados, caso sejam considerados expressos, ou para sua aplicação, por analogia, aos casos gerais, caso sejam os primeiros encarados como omissos a propósito."10

Inegável a importância do tema trazido a estudo, e suas conotações, bem assim as razões que motivaram a sua eleição.  

 
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