19/04/2017

O ALUNO. O FILME.

Dênio Mágno da Cunha*

            Na semana passada, durante uma conversa com a pedagoga Helen Mello sobre os desafios da educação básica, surgiu a indicação do filme “O Aluno”, ao qual eu não havia assistido. Após a conversa não me lembrava da indicação e não procurei saber do filme, algo que normalmente não faço. Mas o meu “anjo da guarda professor” se encarregou de me levar até a historia de Kimani Maruge Ng'ang'a[i].

            Chegou o final de semana, feriadão da Semana Santa. Sem querer trabalhar, buscando esquecer os compromissos e os afazeres pessoais, fui fuçar na assinatura do Netflix[ii] que quase nunca oferecia soluções para meus anseios cinematográficos. Fuçando passou pela tela quem? O Aluno. Não pude deixar de assistir e ficar impactado com a história.

            O que mais me impressionou foi a semelhança entre a realidade queniana pós revolução e a realidade brasileira de sempre.

            Como alguns sabem, tenho um projeto de fotografar escolas rurais localizadas em lugares nunca dantes imaginados por aqueles que vivem nas cidades. Fiz uma primeira (pequena) etapa na região mais rica do Vale do Jequitinhonha e já ali pude perceber o descaso das autoridades e das próprias comunidades com os prédios escolares. Ressalto, não em todas. Janela quebrada foi o que mais vi; pinturas descascadas; mato crescendo ao redor; abandono. Às vezes prédios pequenos; outras vezes prédios maiores. Mas o sinal de mal cuidado presente em quase todos. Afinal de contas, quem vai prestar atenção a uma escola perdida no meio do nada?

            Outra semelhança que observei entre as imagens do filme e a nossa realidade, é o deslocamento das crianças de suas casas até a escola. Não presenciei esta situação, mas não faltam reportagens na tv que mostrem essa situação. Além desta, a falta de carteiras e as instalações rústicas (para não dizer inadequadas) foram outras semelhanças.

            No entanto, o que me marcou no filme, que me deixou com certa angústia, foi a presença dos burocratas, distantes da realidade da escola. No Brasil, esses burocratas são pessoas nomeadas por ocupantes de cargos políticos, em favorecimento ou agradecimento por serviços prestados ou por laços de amizade/parentesco. Pessoas que nunca viram ou estiveram próximos a uma escola rural, decidem seu destino com uma assinatura passageira que deixa marcas duradouras.

            Mas e o “aluno”? Bem, o aluno é um caso à parte dada as circunstâncias na qual se desenvolve a história. Busquei maiores referências, mas elas foram desencontradas. Não encontrei um livro que tenha dado origem ao filme, somente reportagens sobre o personagem principal. A história é real: um idoso ao saber que o governo queniano garantiria educação para todos, decide aprender a ler. Seu objetivo é ler uma carta que recebera do governo. O problema é que a escola não pode aceita-lo uma vez que é infantil. No entanto, sua insistência tem resultado e o ancião consegue iniciar seus estudos e por aí a história segue. Não seria de bom alvitre contar aqui a sua evolução.

            Antes de encerrar este curto texto devo destacar duas outras inspirações deixadas pelo filme.

            A primeira é sobre a política educacional de um país. Aconselho aos professores que busquem conhecê-la a fundo para poderem criticar ou elogiar com “conhecimento de causa”. As políticas educacionais são parte do conhecimento profissional do “professor artificie”, tema da coluna anterior. No Brasil, não faltam.

            A segunda é o valor da educação de modo geral e da leitura, de modo particular. A consciência de mundo, a habilidade de estabelecer conexões entre fatos distantes, são resultado da prática constante, habitual, da leitura de obras diversas. Deve-se ensinar a ler, deve-se orientar o aluno em suas leituras, mas, sobretudo, deve-se despertar o desejo de conhecimento auto motivado. Cada individuo deve ser capaz de empreender a sua jornada de aprendizagem e leitura. Indicações são bem vindas, determinações não.

            Sobre este tema, da leitura, constato duas situações opostas e desequilibradas. De um lado uma maioria que não lê. Estes têm uma facilidade enorme de encontrar motivos para não lerem. De outro, uma minoria que deseja recuperar o tempo perdido e vivem com um livro debaixo do braço. São livros de auto ajuda, religiosos, ou ainda, livros imensos contando narrativas heroicas de mundos medievais distantes.

            Sou daqueles que prefere ver pessoas lendo a julgar a qualidade do que estão lendo, reforçando a individualidade. No entanto, deixo sugestões aos professores: (1) indicarem livros de formadores do hábito de leitura (curtos, agradáveis, envolventes); e (2) orientarem sobre livros que levem o leitor a refletir sobre a sua realidade. Se assim não fizermos, teremos uma geração de cidadãos que continuarão à margem da história, com um baixo nível de crítica. A consequência? ...

 

* Professor Doutor em Educação pela Uniso, Universidade de Sorocaba. Consultor em Carta Consulta; professor em Centro Universitário Una.

           

[ii] Para quem não tem Netflix, o filme está disponível em baixa qualidade no Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=PNtloJaGo-I

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