25/05/2017

Nota Sobre Jesus e o Contexto Sócio-Político de Nazaré

Adilson Cristiano Habowski, discente do curso de Teologia pela Universidade La Salle – Canoas. Email: adilsonhabowski@hotmail.com

 

Lucas Luiz Abreu Rocha, discente do curso de Psicologia da UNIRITTTER LEUREATE INTERNATIONA UNIVERSITIES, Porto Alegre/RS. E-mail: rocha.lluiz@hotmail.com.

 

Vinícius Barbosa Cannavô, graduado em Teologia pela Universidade La Salle – Canoas/RS. E-mail: vinicius.cannavo@lasalle.org.br

 

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

A obra de Aslan: Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré, traduzido por Marlene Suano é uma obra do escritor, doutor e especialista em temas religiosos, exibe uma linguagem acessível e uma narrativa fluida, expondo com muita seriedade, persuasão acadêmica e rigorosas proposições – quase axiomática, em defesa de suas teses. Não obstante, a ideia de explorar a figura de Jesus, separando os pretensos relatos bíblicos e enaltecendo o que se sabe sobre a história positiva de seu período é uma operação muito explorada por outros[1] no passado que – apesar do sentido positivo de dar fundamentos à obra de Aslan, descredita o brilhantismo do conteúdo por fazer da obra uma espécie de “Zombie”[2] – como afirma Larry Hurtado[3], não trazendo nada de novidade, apenas um envolvente apanhado geral, elaborado por uma fluida narrativa do que já fora construído e que Reza encontrou em seus vinte anos de pesquisa.

Diante disso, no anseio de encontrar o Jesus histórico colocando-o em seu contexto geográfico-político-social, o livro inicia, pedagogicamente, contextualizando a vida no Templo a tomar como base a Jerusalém prestes a entrar em guerra que ocasionaria a derrocada da cidade diante do Império de Roma – que se efetivaria definitivamente com a invasão romana nas mediações territoriais, destruição do Templo e a grande diáspora judaica no ano de 70 EC. O que prefigura tal evento é a somatória de uma sucessão de fatos que se projetam desde o corrupto cenário sacerdotal hereditário do Templo – que se encontra em uma maculada relação de subordinação direta às forças do império, e culmina ao personificar-se nas aspirações de movimentos nacionalistas promanados desse contexto diante das principais instâncias de poder da Judéia: Templo e Estado.

 

JESUS E O CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO DE NAZARÉ

 

Torna-se difícil criarmos a imagem de um Jesus realmente histórico tendo por base a tradição cristã e os escritos bíblicos neotestamentários, pois estes mesmos afirmam e atestam que Jesus jamais casou, entretanto, Aslan garante que era inimaginável no contexto de Jesus, um homem aos seus trinta anos não ser casado, até porque na mentalidade judaica a graça da vida dava-se na sua descendência, ou seja, a alegria de um varão era o número de filhos que possuía. Na verdade, “teria sido quase impensável para um homem judeu de trinta anos de idade, no tempo de Jesus, não ter esposa. O celibato era um fenômeno extremamente raro na Palestina do século I” (ASLAN, 2013, p. 62). Em contrapartida ao pensamento de Aslan, Pagola nos assegura que “(...) se Jesus não convive com uma mulher não é porque despreze o sexo ou desvalorize a família. É porque não se casa com nada nem com ninguém que possa distraí-lo de sua missão a serviço do reino” (PAGOLA, 2013, p. 84).

            No período de transição do governo de Herodes para seus filhos, surgiu um grupo de bandidos judeus que buscavam uma revolução do contexto ao qual viviam, e o líder desse grupo era Judas, o Galileu. Judas, pós a morte de Herodes instituiu a quarta filosofia, a outra além as três existentes (fariseus, essênios e saduceus), de modo o seu principal aspecto era sua crença, o ‘Zelo’ a ‘Torá’ a ‘Lei’. Aslan salienta que este grupo não são os mesmos que surgiram no ano 66 d.C., na guerra judaica, entretanto, esse grupo, ou melhor essa quarta filosofia fez parte do pensamento de Jesus, de modo que a mesma crença deles em relação ao Reino era semelhante a de Jesus,  “o Reino de Deus estava próximo. Todos falavam sobre isso. Mas esse Reino só poderia ser anunciado pelos que tivessem zelo de lutar por ele” (ASLAN, 2013, p. 66).  

 

[Segundo Jesus] “O Reino de Deus não vem de forma espetacular, nem se pode dizer: ‘Ei-lo aqui ou ali’. No entanto, o Reino de Deus já está entre vós”. Não se deve andar perscrutando nos céus sinais especiais. É preciso esquecer os cálculos e conjecturas que fazem os escritores visionários. Não se deve pensar numa vinda visível, espetacular ou cósmica do Reino de Deus. É preciso aprender a captar sua presença e seu senhorio de outra maneira, porque “o Reino de Deus já está entre vós” (PAGOLA, 2013, p. 122).

 

Deste modo, aproximadamente no ano 28 d.C., Jesus retorna à Terra Prometida e dirige-se para a Galileia com 32 anos, a fim de anunciar a todos a libertação, anunciando a chegada do Novo Reino. Porém, Jesus não se instala em Nazaré, vai ao lago da Galileia para viver em Cafarnaum (na casa de Simão e André), onde desenvolve sua tarefa de profeta itinerante. Cafarnaum era uma cidade simples e modesta, todavia mais importante em relação a Nazaré, pois além de seu número de habitantes serem maior, possuía uma aduana que permitia a entrada de mercadorias oriundas do oriente. Jesus se instalou em Cafarnaum, pois desejava proclamar o Reino de Deus por todo o lugar e assim “(...) dedicava-se a visitar as aldeias da Galileia. E o faz acompanhado de um pequeno grupo de seguidores” (PAGOLA, 2013, p. 112).

O Reino de Deus por Jesus anunciado supre as necessidades das pessoas sem dignidade, tornando-se Jesus o portador da Boa-Notícia, pois sua mensagem faz com que os oprimidos se alegrem. O projeto do reino resgata os enfermos do sofrimento, liberta os endemoninhados e os pobres recuperam sua dignidade, de tal modo que se deixa de lado a imagem do Deus da ira para o Deus da compaixão. Ele reina não para manifestar seu poder, mas para manifestar sua bondade, fazendo com que “o reino de Deus consiste em libertar a todos daquilo que os impede de viver de maneira digna e feliz” (PAGOLA, 2013, p. 125).

Jesus deseja encontrar os moradores, as pessoas mais simples, aproxima-se também das aldeias e principalmente das sinagogas, porque acredita que o povo não necessita mais sair para o deserto em busca do Juízo de Deus, pois basta aderirem ao Reino de Deus por Ele anunciado. E com certeza é nas aldeias o melhor lugar que Jesus encontra para iniciar e desenvolver seu projeto, de modo que a língua das aldeias é a mesma que a sua, o aramaico, pois nas cidades falava-se o grego. Além de nas cidades viverem os opressores / causadores da miséria, e o reino de Deus necessitava começar pelos mais humilhados.

 

Nestas aldeias da Galileia está o povo mais pobre e deserdado, despojado de seu direito a desfrutar da terra doada por Deus; aqui Jesus encontra como em nenhum outro lugar o Israel mais enfermo e maltratado pelos poderosos; é aqui que Israel sofre com mais rigor os efeitos da opressão (PAGOLA, 2013, p. 113).

 

              Jesus dedica sua vida e suas forças pelo Reino de Deus, tornando-se o ponto central de sua missão. Porém, ele nunca esclarece no que consiste esse Reino, mas aqueles que ele anuncia compreendem-no, pois sabem que é a vinda da esperança que tanto os sustentam. O Reino de Deus não era específico de Jesus, mas sintetizava todos os desejos e esperanças mais intensos de Israel e do seu povo.  E Jesus desde sua infância ouviu e aprendeu que Deus era absoluto, de modo que tudo era dependente Dele, até a libertação de Israel, logo, Jesus e o seu povo tinham esperança na vinda de Deus. Quando Jesus anunciava que o Reino de Deus já havia chegado, provavelmente isso causava um enorme impacto a quem ouvia, pois os oprimidos não se sentiam libertados. Porém, Jesus sentiu-se libertado através da força do Espírito foi comunicar a todos, pois para Ele o Reino já havia chegado, e apesar de todos os fatores contrários, todos no decorrer da história humana foram convidados a crer nessa Boa Notícia.   

Em relação ao que Jesus pregou, Aslan diz que “(...) veio para libertar Israel da escravidão” (ASLAN, 2013, p. 98) enquanto Pagola afirma que “a mensagem de Jesus impressionou desde o princípio. (...) era o que eles queriam ouvir: Deus se preocupa com eles” (PAGOLA, 2013, p. 124).  Em relação ao contexto que Jesus suscita, é muito mais fácil entendermos que ele foi um revolucionário, que buscou mudanças sociais, e não um pregador utópico, que disseminava somente esperanças, mas o que Ele poderia ter realizado para mudar isso. Nesse espírito, Jesus entra no Templo e busca limpá-lo, causa confusão, perturba as autoridades que se encontravam em estado de privilégios à custa dos pobres e marginalizados, de modo que como Aslan diz que o fato do Templo já seria motivo de crucificação, pois perturbava a pax romana. Sobre essas atitudes em relação ao Templo, é perceptível “(...) a forma como são flagrante e inescapavelmente zelosas as ações de Jesus no Templo” (ASLAM, 2013, p. 98).

Uma figura que muito influenciou a vida de Jesus, a ponto de contribuir na sua mentalidade e atitude revolucionária foi João Batista, que segundo Aslan, possuía uma mensagem simples: que o fim estava chegando. Mensagem que faz recordar o anúncio e pregação de Jesus (Mc 1,15): O Reino de Deus está próximo. Mesmo havendo o problema para os primeiros cristãos em relação à comprovação da superioridade de Jesus em relação a Batista, em grande probabilidade Jesus iniciou toda sua pregação itinerante sendo como mero discípulo e seguidor de João Batista, de modo a ir fazer a mesma experiência no deserto, e assim recolher e aprender dele todo o ardor revolucionário possível.

            Após a morte do Batista, Jesus não extinguiu seu ardor de mudança, mas o intensificou, de modo a começar a pregar o Reino e sua chegada, entretanto com um diferencial, “(...) Jesus não simplesmente imitava João. Sua mensagem seria muito mais revolucionária, sua concepção do Reino de Deus muito mais radical (...)” (ASLAN, 2013, p. 113), de modo que “Jesus reage de maneira surpreendente. Não abandona a esperança que animava o Batista, mas a radicaliza até extremos insuspeitados” (PAGOLA, 2013, p. 103), abandona o batismo com água, e inicia o batismo com o “Espírito Santo e o fogo” (ASLAN, 2013, p. 113).

            Ao retornar para Galileia, Jesus percebeu que não era a mesma cidade que ele conhecia em outrora, mas seria aquela que ele disseminaria sua mensagem, que nada mais foi estruturada e pensada para tornar-se um desafio para os ricos e poderosos (ASLAN, 2013, p. 119), mas que chegou a hora dos marginalizados e oprimidos, pois o Deus de Israel ouviu os clamores dos que sofrem e veio socorrê-los. Mas para isso Jesus chamou discípulos e apóstolos, em especial os doze aos quais confiou diretamente a missão de pregar radicalmente o Reino que estava por vir.

            E desta forma iniciou sua pregação revolucionária repercutindo em diversas dimensões sua mensagem, desde as sinagogas até as multidões, de modo que sua maior luta não foi com o Império Romano, mas com as autoridades judaicas que tornavam o Templo impuro, e isso é uma legítima característica de ‘zelo’. “Tal como seus antecessores zelosos, Jesus estava menos preocupado com o império pagão ocupando a Palestina do que com o impostor judaico ocupando o Templo de Deus” (ASLAN, 2013, p. 123). Na sua mensagem de desprezo pela classe vigente no templo, basta observar a parábola do Bom Samaritano, e isso é bem notável, pois realmente Jesus mostra os quão desprezíveis os sacerdotes são para com o Povo, pois nem a capacidade de auxílio ao próximo possuía.

Na pregação muitos o viam como um exorcista, ou um milagreiro que prestava serviços gratuitos, mas como Aslan alerta, “(...) não há nenhuma evidência que comprove qualquer ação milagrosa específica de Jesus” (ASLAN, 2013, p. 127). De forma sensata opta-se no que Aslan propõe, que as tradições cristãs futuras, com o intuito de exaltar mais o Cristo do que o Jesus, ‘enfeitaram’, acrescentaram algumas peculiaridades nas atitudes de Jesus a ponto delas tornaram-se curas e exorcismos. Então, quando todos ficavam admirados com seus “milagres e exorcismos”, no fundo não era com isso que estavam intrigados, mas com a sua mensagem revolucionária, porém “simples” (ASLAN, 2013, p. 136), ou seja, o seu anúncio de que o Reino estava próximo amedrontava, pois a sua pregação itinerante deixava muitos inquietos.

Para Pagola, Jesus pregava o reino, pois, “todos precisavam saber que Deus é o defensor dos pobres; estes são seus preferidos. Se seu reinado for acolhido, tudo mudará para o bem dos últimos” (PAGOLA, 2013, p. 131) e já para Aslan “’dizer que o Reino de Deus está próximo’, portanto, é o mesmo que dizer que o fim do Império Romano está próximo” (ASLAN, 2013, p.141). Mais uma vez, entre ambos os autores é perceptível visões diferentes, mas complementares, de modo que em ambas reconhecem o ardor de mudança e de revolução que Jesus busca provocar no meio em que vivia. Infelizmente, ao longo dos tempos (no pós-guerra judaica e na destruição de Jerusalém) a visão cristã preferiu abster-se de pregar um Jesus revolucionário (principalmente as primeiras comunidades cristãs), a ponto de essa imagem tornar-se ofuscada contemporaneamente. Isso ocorreu, conforme Aslan, porque “tentaram desesperadamente distanciar o Jesus do nacionalismo Zelota que provocou a ocorrência da terrível guerra” (ASLAN, 2013, p. 142).  

            No período de escrita dos evangelhos, pós a Guerra Judaica, o principal foco de evangelização foram os gentios, a sociedade romana. Mas Aslan nos afirma que os evangelistas e todo os que buscaram pregar a mensagem de Jesus, a “adaptou” conforme a realidade a qual pregava, ou seja, amenizou em grande instancia a culpa dos Romanos em relação à morte de Jesus e a deslocou totalmente sobre os Judeus, pois se isso não fizesse, jamais teriam conseguido alcançar tamanha pregação do “Bom Pastor”.

            O primeiro Mártir pelo “Messias” pelo Pastor foi Estevão no ano entre 33 e 35 d.C., entretanto sem conhecê-lo. Mas no seu martírio encontrava-se alguém chamado Saulo, o qual Aslan o denomina de “(...) um verdadeiro Zelota: um seguidor fervoroso da lei de Moisés” (ASLAN, 2013, p. 187). Esse fariseu dizendo-se convertido passou a chamar-se de Paulo, que sem conhecer o verdadeiro Jesus, passou a pregar a todos que via pela frente, principalmente aos gentios afirmando que Jesus era o Cristo, o Messias enviado por Deus. Assim, a mensagem que hoje temos é Paulina, provém das concepções de Paulo, mas este jamais teve contato com o Jesus de Nazaré, a não ser com aquele que ele denomina de Cristo, ao qual ele diz que foi o motivo de sua conversão.              

            Em diversos aspectos, como também na concepção da ressurreição de Jesus, a qual Paulo tanto afirma ser real, Pagola nos assegura que “[ressurreição] esta “notícia” não é uma invenção de Paulo. É um ensinamento que ele mesmo recebeu e que agora está transmitindo fielmente junto com outros pregadores” (PAGOLA, 2013, p. 492). Assim percebe-se que o autor (Pagola) não possui a visão do Jesus que propôs uma revolução, de um Jesus zelota, mas de um Cristo, ao qual Paulo construiu, mas que o próprio Aslan afirma que é um tema difícil para um historiador descobrir e debater, pois vai além do âmbito histórico.   

Ao afirmar que “fora do Novo Testamento, simplesmente não há nenhum traço de evidências a respeito de Jesus que seja do século I EC” (ASLAN, Folha de São Paulo, em 24/11/2013), Reza sustenta sua tese ao tomar o pouco do que se sabe sobre o Jesus proveniente dos relatos bíblicos e coloca dentro do contexto sócio-político da época em que viveu o nazareno. O que se obtém – conforme o pensamento do autor, é um camponês-judeu-revolucionário e politicamente conscientizado que – com um programa político que fomentava a vinda do Reino de Deus e envolvia a expulsão dos romanos da Palestina para a recriação da gloriosa monarquia israelita com o próprio Jesus no trono, dá início a um movimento destinado aos judeus da Palestina interpelados por suas expectativas apocalípticas.

 

No final, há apenas dois fatos históricos efetivos sobre Jesus de Nazaré nos quais podemos realmente confiar: o primeiro é que Jesus foi um judeu que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I d.C.; o segundo é que Roma o crucificou por isso. [...] Este livro é uma tentativa de recuperar, tanto quanto possível, o Jesus da história, o Jesus antes do cristianismo: o revolucionário judeu politicamente consciente que, há 2 mil anos atrás, atravessou o campo galileu reunindo seguidores para um movimento messiânico com o objetivo de estabelecer o Reino de Deus, mas cuja missão fracassou quando – depois de uma entrada provocadora em Jerusalém e um audacioso ataque ao Templo – ele foi preso e executado por Roma pelo crime de sedição (ASLAN, 2013, p. 20-23).

 

            Esta imagem do Jesus nacionalista judeu revolucionário, de acordo com o autor, se perdeu na narrativa dos evangelistas pelo fato de que os romanos transformaram-se no principal alvo do evangelismo da Igreja que, no cuidado para não transpassar uma ideia de manifesto no hostil território romano, transformaram Jesus de Nazaré “em um líder espiritual pacífico, sem nenhum interesse em qualquer assunto terreno” (ASLAN,2013,p. 22-23). Este era o único Jesus que os romanos poderiam aceitar, tal como se fez três séculos mais tarde quando Teodósio fez do movimento do pregador judeu itinerante a religião oficial do Estado romano.

             

JESUS, O NAZARENO REVOLUCIONÁRIO

 

A insignificante província do Império Romano, que desde a construção do Templo de Salomão tem como referência Jerusalém, apresenta um histórico de embates que marca profundamente sua história. Desde a tomada pela Babilônia em 586AEC, passando pela dominação do império persa e logo em seguida submetida ao jugo de Alexandre, emerge em 63EC, após o período de controle autônomo ocasionado pela revolta dos Macabeus, mais uma vez, como um povo dominado diante do general Pompeu. Não obstante, a história desse pequeno ponto em confronto com as grandes potências imperiais dos séculos, o que caracterizava o povo da Judeia – mais do que seu histórico de embates, revoltas e vassalagem, é o fervor religioso que acomete a população judaica.

                                                            

Davi tinha remodelado a sede do seu reino, a cidade que ele tinha legado a seu filho rebelde, Salomão, que construiu o Templo de Deus – saqueado e destruído pelos babilônios em 586 a.C. –, a cidade que tinha sido a capital religiosa, econômica e política da nação judaica por mil anos era, no momento em que Pompeu atravessou os portões, reconhecida  menos por sua beleza e grandiosidade do que pelo fervor religioso de sua incômoda população (ASLAN, 2013, p.36).

 

Diante desse tumultuado desenvolvimento da Judéia, com disputas não só dentro de seus territórios, mas também entre poderes reais e figuras hegemônicas, de acordo com Aslan, a sede eterna do Povo de Deus representava ao império romano – no alvorecer do século I EC, apenas uma província diminuta e incômoda situada no canto mais distante do hegemônico Império.

Além de situar a influência e o histórico da Palestina do século I, algo fundamental para compreender a atuação e intencionalidades do Jesus apresentado por Reza Aslan é situá-lo em consonância com movimentos de caráter apocalípticos contemporâneos ao período de vida e localização do nazareno. Assim, emergem dentro das províncias romanas situadas em território palestino figuras emblemáticas liderando movimentos de expectativas apocalípticas que colocam em xeque o poder vigente, especialmente as autoridades imperiais. Tais incitadores passam a ser vistos sob a ótica romana como subversores perigosos à ordem vigorante, o que os leva a ser caracterizados pelo poder do império como “lestai”, isto é, “bandidos” [4].

 

“Bandido” era um termo genérico para qualquer rebelde ou sublevado que emprega a violência armada contra Roma ou contra os colaboradores judeus. Para os romanos, a palavra “bandido” era sinônimo de “ladrão” ou “agitador”. [...] Os bandidos alegavam ser agentes da vingança de Deus. Eles vestiam seus líderes com emblemas dos reis e heróis bíblicos e apresentavam suas ações como um prelúdio para a restauração do Reino de Deus na Terra. Os bandidos aproveitavam-se da generalizada expectativa apocalíptica que tinha tomado os judeus da Palestina depois da invasão romana (ASLAN, 2013, p.44-45).

 

Presume-se, assim, que assumir o posto que ocupava o perdulário e tirano Herodes no período antecedente e posterior ao nascimento de Jesus não era tarefa invejável, em vista que, de acordo com Flávio Josefo, existiam pelo menos 24 seitas judaicas rebeldes em Jerusalém e seus arredores, das quais destacavam-se os pensamentos emergentes das filosofias sectárias dos fariseus[5], saduceus[6] e essênios[7]. Sem sombra de dúvidas, impor ordem e disciplina sob um leque tão heterogêneo de vertentes ideológicas dentro dessa população não era tarefa fácil ao prefeito encarregado por Roma para pacificar e administrar Jerusalém.

Ao tomar conhecimento do amplo contexto do território da Judeia, para compreender mais a fundo a figura e desenvolvimento do profeta de Nazaré, faz-se necessária, também, uma contextualização do lugarejo onde ele provavelmente nasceu e viveu antes de assumir sua vida de pregador revolucionário itinerante. De acordo com Pagola (2013 p.62-63)

 

Nazaré era um pequeno povoado nas montanhas da Baixa Galileia [...] o povoado ficava retirado no meio de uma bela paisagem rodeada de morros. Nas encostas mais ensolaradas, situadas ao sul, encontravam-se disseminadas as casas da aldeia[8] [...] Nazaré era uma aldeia pequena e desconhecida, de apenas duzentos a quatrocentos habitantes. Nunca aparece mencionada nos livros sagrados do povo judeu, nem sequer na lista de povoados da tribo de Zabulon.


 

Nazaré “é, em suma, um lugar irrelevante e totalmente esquecível” (ASLAN, 2013, p.52). No seio de uma família humilde e judia, rodeado por camponeses cuja vida era erigida sob o imperativo da “autossuficiência”, é onde se situa o contexto em que cresce o profeta que “foi conhecido durante toda a sua vida como o nazareno” (ASLAN, 2013, p.52; cf. PAGOLA, 2013, p.63). Indubitavelmente, a vivência dentro dessa conjuntura influenciou profundamente a vida de Jesus, afinal, não se pode tirar o ser humano de dentro da sua conjuntura histórica. Assistir ao sofrimento dessa camada excluída de camponeses com certeza serviu como base para o seu discurso ideológico de inversão de polaridades proposta pelo nazareno, onde os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos (cf. Mt 5,3. 20,16; Lc13,30).

Combinado a essas circunstâncias, o sacrifício do sumo-sacerdote Jônatas (56EC) pelo movimento nacionalista incitado e cognominado pelos sicários, demarca o princípio do que em poucos anos desencadearia na revolta judaica e, consequentemente, destruição de Jerusalém. “A guerra contra Roma não começa com o som estridente das espadas, mas com o ruído suave do cabo de um punhal sendo tirado da capa de um assassino” (ASLAN, 2013, p.29).

Em razão das buscas do Jesus histórico, Aslan discorre que Jesus não era Cristão e sim um Judeu, procurando fazer um estudo a partir da contextualização judaica da época, pois os cristãos apresentavam Jesus como o Cristo. Entretanto, quem era realmente o Jesus judeu? Com a finalidade de responder essa pergunta, Aslan em uma abrangente pesquisa compilou o livro Zelota, mostrando que Jesus foi um nazareno revolucionário de sua época com a perspectiva de mostrar que a história do Jesus histórico é muito mais incrível do que aquela que costumeiramente caracterizamos. “Na verdade, o Jesus que emerge desse exercício histórico – um revolucionário fervoroso arrebatado, como todos os judeus da época o foram, pela agitação política e religiosa da Palestina do século I – tem pouca semelhança com a imagem do manso pastor cultivado pela comunidade cristã primitiva” (ASLAN, 2013, p. 21).

            Desta forma, Jesus é apresentado como pregador andarilho que se fez presente em meio aos oprimidos e marginalizados anunciando o Reino. Entretanto, Aslan nos reforça que o século I foi um período de muita expectativa apocalíptica de tal modo que havia inúmeros profetas que isso pregavam, porém, ao declarar-se profeta e anunciador em meio ao Povo, corria-se o risco de ser executado pelas autoridades romanas. Mas Jesus com sua pregação, não abre a possibilidade de ser enquadrado em um determinado movimento, pois sua mensagem era muito mais abrangente.   

Jesus não se absteve de questionar as injustiças que enxergava, de modo a exigir direitos mínimos aos mais marginalizados. Na sua vida, um setor na qual Jesus tanto lutou foi o Templo, pois aí aconteciam sacrifícios de modo a organizar todo o modo de vida em torno dele, porque desde os animais até as moedas ali depositadas deveriam ser puras (as melhores), segundo os sacerdotes (com uma alta posição hierárquica) isto determinavam.  Nas oferendas e sacrifícios, “a carne do animal é cuidadosamente retirada e colocada de lado para os sacerdotes se banquetearem após a cerimônia” (ASLAN, 2013, p. 32), ou seja, ao ser obrigação de todo o povo judeu prestar sacrifícios no Templo, independentemente de suas condições financeiras, acabavam oferecendo tudo o que tinham em prol do conforto de poucos. Tudo isso causava muita inquietação em Jesus, pois queria uma mudança radical nesse contexto.  

            Portanto, Jesus provavelmente é proveniente da Galileia (Nazaré), de uma aldeia de camponeses com aproximadamente 100 pessoas em que a sua maioria eram analfabetos, agricultores e diaristas, ou ainda, sobreviviam como empregados. Aslan afirma que “não importa a profissão ou habilidade, cada nazareno é um agricultor” (ASLAN, 2013, p. 51). Essa ideia também é defendida por Pagola, que afirma, “a Galileia era uma sociedade agraria. Os contemporâneos de Jesus viviam do campo” (PAGOLA, 2013, p. 40). Se Jesus cresceu em um meio de partilha de autossuficiência, a dependência para com o governo Romano e a exploração advinda tanto do âmbito religioso quanto político, sem dúvida, isso lhe causara extrema perturbação.

            Jesus, ao começar a pregar em sua vida pública, é reconhecido como Filho de Deus, mesmo que diversas vezes pedira que se mantivesse sua identidade em segredo. Isso é compreensível, pois no contexto que Jesus fazia parte, ser Filho de Deus dava-se uma concepção restauradora, ou mesmo, aquele que aniquilaria o mundo presente. Em síntese, aquele que veio para findar com todo o contemporâneo e instituir novos tempos. Os judeus consideravam-se filhos de Deus e isso preocupou a posição de muitas autoridades, pois ninguém poderia ir contra as ordens romanas.  

             Na Galileia havia pouco trabalho para um carpinteiro, um tekton (do grego carpinteiro) fazer, principalmente em Nazaré. Aslan (ASLAN, 2013, p. 60) assegura que Jesus não teve condições para ter formação e educação necessárias, pois o único ensinamento que teve foi aprender o ofício do pai, a carpintaria. Pai esse que Aslan afirma que “José nunca existiu, que ele era uma criação de Mateus e Lucas” (ASLAN, 2013, p. 61). Como também o fato da virgindade de Maria, para fugir da ideia de Jesus ter nascido fora do casamento. Desta forma, em ambas as colocações podemos perceber que ao longo das tradições cristãs criaram-se muitas concepções favoráveis a Jesus, desde a sua infância até a sua ressurreição, de modo a não vê-lo como alguém comum em meio ao povo, alguém que lutava por mudanças, mas um ser pacifista que peregrinava em meio a todos, ou ainda, um ser que não veio de nosso meio, mas dos céus.

             

REFERÊNCIAS

 

ASLAN, Reza. Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré / Reza Aslan; tradução Marlene Suano. – 1e.d. – Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

 

LOPES, Reinaldo José. Não vim trazer a paz, mas a espada. Folha de São Paulo, São Paulo: 24/11/2013. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526012-nao-vim-trazer-a-paz-mas-a-espada>. Acesso em 21 nov. 2014.

 

PAGOLA, José Antônio. Jesus: aproximação histórica; tradução de Gentil Avelino Titton. 6 ed. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2013.

 

QUEIRUGA, Andrés Torres. Repensar a Cristologia: sondagens para um novo paradigma; trad.: Maria Luísa Garcia Prada. – São Paulo: Paulinas, 1998.

 

[1] Um dos primeiros intelectuais a tentar uma interpretação secular para entender quem foi o Nazareno foi o alemão Hermann Samuel Reimarus (1694-1768), defendendo que os objetivos de Jesus eram basicamente políticos. Outra das abordagens mais influentes sob essa perspectiva está em um dos quatro volumes da série "Um Judeu Marginal: Repensando o Jesus Histórico", do padre norte americano John P. Meier. Igualmente conflituosas foram as afirmações do ex-padre irlandês J. D. Crossan, que entre altissonantes afirmações, executa a ideia de que o personagem nunca tenha existido, sendo apenas uma figura mitológica inventada pelo apóstolo Paulo ou outro membro da primeira geração de cristãos - o que raríssimos historiadores sérios consideram como uma possibilidade -, apresentando uma das visões mais influentes diante das especulações na busca do Jesus histórico. Tais críticas podem ser visualizadas na reportagem de Reinaldo José Lopes, publicada no jornal Folha de São Paulo, disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526012-nao-vim-trazer-a-paz-mas-a-espada

[2] 13A metáfora “Zombie”, proposta HURTADO em uma crítica ao livro de Aslan, sugere a reivindicações muito já explicitadas no passado e que após perecidas tornam a reaparecer dentro de uma diferente forma de estrutura, ainda que desfigurada. A crítica está disponível somente no inglês em: http://larryhurtado.wordpress.com/2013/08/15/zombie-claims-and-jesus-the-zealot/

[3] Professor de Língua, Literatura e Teologia do Novo Testamento na Universidade de Edimburgo, na Escócia. Entre suas obras publicadas estão: One God, one Lord (Um Deus, um Senhor).

[4] Dentre as figuras responsáveis pela liderança dos levantes messiânicos mais conhecidos da época, emergem nomes como “Ezequias”, notório como “chefe dos bandidos” que autonomeia-se como o messias que seria responsável por restaurar os judeus para a glória. Este carismático revolucionário é responsável por uma casta de insurrectos subversores que dariam continuidade aos seus projetos.

[5] 6Seita composta de rabinos e estudiosos de classe baixa e média que eram responsáveis pela interpretação das leis para a população e o cuidado com a pregação nas sinagogas.

[6]Camada fundiária aristocrática sacerdotal conservadora responsável pelo Templo e, no que refere-se a Roma, eram os mais complacentes com a ordem estabelecida.

[7]Movimento radical predominantemente sacerdotal que desliga-se do templo e explana suas bases sob as estéreis colinas de Qumran. Pregadores de um rigoroso ascetismo para purificação da alma.

[8] Segundo Pagola, alguns habitantes de Nazaré viviam em cavernas escavadas  nas encostas. As casas eram primitivas, de paredes escuras de pedra e telhados confeccionados de palha e argila.

 

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