06/08/2017

Nietzsche: da experiência estética da didática, expressa em três metáforas.

Por Ivan Carlos Zampin – Professor Doutor, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental e Médio e Gestor Escolar.

 

Segundo Nietzsche tradução de Alfred Kröner – Leipzig (1919), “Assim falava Zaratustra” e traduzido para o Português por Mário Ferreira dos Santos (1954), em sua página 41, apresenta-se o título: Os discursos de Zaratustra.....Das três Metamorfoses:

Três metamorfoses do espírito vos menciono: de como o espírito se muda em camelo, e em leão o camelo, e em criança, finalmente o leão. (1)

  1. ESPÍRITO – Três metamorfoses do espírito que examinará Nietzche, são as suas três transfigurações, dentro de sua forma. O espírito, como princípio da atividade sapiente e criadora, no homem, conhece três metamorfoses, isto é, três estágios que são transfigurações, mudanças, sem serem transformações, pois a forma espiritual do homem em nada deixa de ser o que é. O superhomem, já vimos, não é uma nova espécie mas uma transfiguração do homem, isto é, a mais alta escala intensiva do homem enquanto tal, sem deixar de ser tal.

CAMELO – Símbolo do espírito paciente que suporta a carga do conhecimento e tem prazer em gozar de sua força.

LEÃO – Símbolo do poder, da majestade, da independência, do querer dionisíaco, que leva à vitória.

CRIANÇA – Importante símbolo dionisíaco que também é usado em outras simbólicas no mesmo sentido: do jogo livre da atividade divina criadora. Os brinquedos (ludus) da criança são autotélicos, tem um fim em si mesmos, porque a criança não procura usar o brinquedo como meio para alcançar algo que lhe seja extrínseco. Na atividade humana da produção, no trabalho, a finalidade é extrínseca. O homem procura, ao trabalhar, realizar tais ou quais bens para satisfazer tal ou qual finalidade, que está fora do próprio trabalho. No ludus, a finalidade é imanente a ele. A atividade criadora não tem porquês. Não é feita por isso ou por aquilo, fora da imanência do poder criador, transcendente às criaturas. É um ludus livre, porque não é determinado, nem imposto, nem está subordinado a outro. Tem a inocência de sua própria espontaneidade. O espírito torna-se criança quando atinge esse valor: o de ser autotélico, criador livre e inocente, sem porquês nem paraquês, isto é desinteressado.

Para Nietzsche (2005), portanto, é o espírito que se transforma nessas três imagens. O camelo carrega o que é pesado, sólido, assim como os espíritos que se deixam sobrecarregar, pois ensinados que foram a tomar todas as cargas, as suas, as dos outros. E lá vai o camelo pelo deserto, em geral carregando mais do que deve, precisa e merece. Quantas vezes vivemos essa condição e carregamos o nosso e outros tantos deveres. Ficamos exaustos, e por vezes ficamos sós.

O camelo incorpora a máxima “tu deves” e imagina que é essa sua função. Não há saída. Ao que podemos notar nossos currículos estão pesados, falam dos outros, destacam a cultura que nos moldou, sobrando poucos espaços para a afirmação da vida que temos e que nos constituiu. Muitas vezes nos tornamos esse professor-camelo. Mas a experiência estética vem da ruptura, do cansaço, da indignação, do peso e converte-se em resistência, transformando-se em leão, cuja máxima é “eu quero”. Não preciso, não devo carregar todos os pesos, mais do que suporto. Descolonizar-se do peso, das amarras, das ideias bem dosadas de virtude e justiça. O leão ainda não criou outro valor, mas cria uma liberdade para uma nova criação (BITTENCOURT, 2010).

Para dizer “não” ao dever, ao peso, é necessário ser leão. Um professor-leão reconhece que precisa mudar. O leão assusta, é inconveniente, espaçoso, grande, forte e guloso, mas cava espaços para mostrar sua presença e, ao afirmar-se desmonta cenários e roteiros. Mas o que ainda precisa ser estabelecido, criado?

A terceira transformação proposta por Nietzsche toma a ideia de criança. A criança é a inocência e o esquecimento, um novo começar, movimento, afirmação, disposição. O espírito quer sua vontade e vontade de criação está na criança. Como educadores certamente somos por vezes camelos e leões. Mas estaríamos exercendo nossa condição de criança? O que andamos inventando, quais as novas possibilidades de fazer conexões entre os conteúdos, entre as séries, entre as disciplinas? O que continuamos a repetir sem perceber que o sentido já se foi e que tomamos o tempo do estudante indevidamente? Qual é a nossa ação criadora? Refletir sobre nossos processos pedagógicos, nossos planos de ação pode ser um bom início para desencadear a imaginação e a aventura. Está aí o espaço do professor-criança.

 

REFERÊNCIAS

NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2005.

BITTENCOURT, Neide Arrias. Didática geral / Neide Arrias Bittencourt, Lúcia Schneider Hardt. – Florianópolis : UFSC, 2010.

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