02/03/2020

MIOPIA NA GESTÃO EDUCACIONAL

Prof. Dr. Dênio Mágno da Cunha*[i]

A principal função de um gestor é a tomada de decisão. Todo o tempo de sua atuação, é dedicado a pensar sobre a melhor decisão a ser tomada, sobre qual caminho seguir, qual passo dar rumo aos objetivos, considerando as condições do momento. Para tal, é necessário conhecimento, experiência, maturidade, habilidade de estabelecer relações, fazer sinapses positivas e uma série de outras competências.  

Feita esta introdução, conto a vocês que neste momento estou preocupado com a capacidade e a qualidade de visão dos gestores.  Me parece que ela (a visão) tem sido ofuscada e o foco desviado, gerando uma interpretação míope de suas prioridades. Com frequência, tenho sido levado a lembrança do que nos disse Theodore Levitt, no princípio dos anos 1960:

 

...a razão pela qual o desenvolvimento é ameaçado, retardado ou detido não é porque o mercado está saturado. É porque houve uma falha administrativa. [...] por definirem impropriamente seus objetivos. (LEVITT, T. 1960)  

Darei exemplos e farei comentários defendendo, por mais contraditório que possa parecer, uma visão ao mesmo tempo ampla e focada, no longe e no perto, humilde e ambiciosa, no grande e no pequeno. Em matéria de gestão o importante é ter visão capaz de enxergar bem em um ambiente complexo, simplificando a tomada de decisão. Mais contraditório, impossível. Vamos partir de três máximas da gestão:

- Em época de mercado de ações e captação de recursos, deve-se buscar sobretudo resultados financeiros. Esta deve ser a principal função dos gestores, notadamente daqueles ocupantes de posições estratégicas.  

- A maior diferença competitiva é a qualidade percebida pelo mercado. Sem esta percepção consolidada, serão difíceis os caminhos.

- Na busca pela eficiência operacional, quanto maior a utilização da tecnologia da informação, menores serão os erros.

Acredito, grande parte dos leitores concordarão com estas afirmativas. Fosse questões de prova, assinalariam como verdadeiras e, de fato, estão corretas. Porém, revelam-se grandes erros de gestão, ao longo do tempo, se analisadas à luz das miopias da gestão.

1. Miopia do foco financeiro. Como sabemos e já vimos acontecer, o foco nos resultados financeiros mingua as organizações sufocando suas iniciativas de investimento, expansão e realização. O hábito de ouvir não a novos projetos reduz a capacidade de mudança e a criatividade da equipe, suas ações espontâneas, sugestões e sua proatividade. Ao longo da hierarquia, espalha-se a cultura do “não adianta... a resposta é sempre não”. A organização torna-se imobilizada pela força dos argumentos econômicos, da necessidade de apresentação de resultados financeiros, disseminados do “board ao chão de fábrica”. Culturalmente, o processo constante de ajustes, sejam por quais motivos sejam, são compreendidos como redução de custos. Neste nível de interpretação, o descrédito toma conta, a apatia domina. A empresa, precisando de sangue novo, passa por constante alterações na sua composição, até perder a sua história, expande-se atrás de resultados financeiros, os acionistas e investidores são bem remunerados, mas sua competitividade está frágil na incapacidade de operar a inovação. Atrativa ao mercado, fácil negociá-la fica.

2. Miopia do foco no mercado. No mundo mercadológico, prevalece o valor da imagem e da marca.  Do personal instagram ao milionário mundo do patrocínio e das campanhas publicitárias globais, o objetivo é criar um conceito que, ao longo do tempo – quanto menor, melhor – faça com que consumidores – de qualquer natureza – reconheçam uma marca como a melhor, superior, escolha natural na hora do consumo. A busca por esta posição na mente do consumidor/cliente, em inúmeras situações, fez empresas esquecerem-se de um dos valores para o século XXI, de Calvino (1990), a consistência. Consumidores são atraídos às compras e ao utilizarem o produto/serviço, percebem um hiato entre a oferta e a entrega. Basta observarmos a necessidade de um código de defesa do consumidor e o número de vezes em que é acionado, para comprovarmos o tanto que a busca insana pela construção de um conceito positivo, de uma imagem atrativa, tem de falso (fake). As empresas ao colocarem como prioridade estas ações, esquecem-se de seus processos operacionais, tornam-se ambientes marcados pela caça de erros, têm departamentos jurídicos e sistemas complexos de atendimento aos clientes insatisfeitos. Seus recursos são direcionados a cada vez mais reforçar sua imagem de mercado; quanto mais clientes insatisfeitos reclamam e deixam de consumir o produto/serviço, mais novos são necessários como reposição. Ao longo do tempo, o esforço torna-se inútil, o conceito é percebido pelo mercado como irreal, inconsistente. A empresa desvalorizada é passada para uma nova direção pois fácil negociá-la fica.

3. Miopia da tecnologia da informação. Cada vez mais teremos nas empresas a utilização da inteligência artificial. Na definição de uma das maiores empresas de I.A. do mundo:

a inteligência artificial (IA) refere-se a sistemas ou máquinas que imitam a inteligência humana para executar tarefas e podem se aprimorar iterativamente com base nas informações que coletam. [...] A IA está mais relacionada ao processo e a capacidade de pensamento superpoderoso e a análise de dados do que a qualquer formato ou função em particular. Embora a IA traga imagens de robôs parecidos com os homens de alto funcionamento que dominam o mundo, a IA não pretende substituir os seres humanos. Seu objetivo é melhorar significativamente as habilidades e contribuições humanas. Isso faz dela um ativo de negócios muito valioso. (ORACLE, 2020)

O que significa, por exemplo, o autoatendimento de forma eletrônica ou, a massificação dos call center. Contendo cada vez mais informações sobre a vida do cliente, os sistemas darão respostas a suas necessidades e questionamentos de forma mais rápida, farão sugestões de consumo cada vez mais acertadas, dispensarão o relacionamento pessoal/humano, substituindo-o pelo relacionamento personagem-humano. As empresas se distanciarão cada vez mais de seu cliente, na forma pessoa-pessoa, e assumirão a proximidade mediada por um totem travestido de celular.  Neste cenário, a distância física não existirá, pois o pressuposto é que a máquina é capaz de superar as distâncias. Numa visão futurista, imagina-se espaços públicos vazios, indústrias sem operários, shoppings sem lojas, escolas sem professores e estudantes, pois todos em casa estarão. O impacto e a transformação cultural serão sem medida. Quanto mais a tecnologia for utilizada, menos pessoas serão necessárias para fazerem empresas funcionarem, menores será os custos operacionais, menos estrutura física será necessária. Por outro lado, perde-se a identidade e identificação da empresa com seus clientes/consumidores, correndo o risco de tornarem-se semelhantes a todas as demais que compõem o mercado. Esse fenômeno já ocorre com empresas de telecomunicações, de comércio eletrônico e financeiro. A empresa corre o risco de virar commodity, fácil negociá-la fica.

Este exercício feito sobre três (quase) dogmas da gestão, tem o objetivo de reafirmar o cuidado com a visão equilibrada na gestão. A visão míope no campo financeiro, mercadológico e tecnológico, provocam resultados positivos para acionistas e investidores, no curto e médio prazo. No entanto, a longo prazo, seu comportamento pode conduzir a desvalorização do principal ativo da empresa que são seus clientes/consumidores/usuários de seus serviços/produtos. Acredito que tenha ficado claro a relevância de uma visão de longo prazo, sem a miopia do foco exclusivo e mandatário no ambiente diverso da gestão. Como já foi dito, “para tal, é necessário conhecimento, experiência, maturidade, habilidade de estabelecer relações, fazer sinapses positivas e uma série de outras competências”.  

A solução para minimizar este risco é a formação ampliada dos gestores, a partir das escolas especializadas. Conteúdos diversos que ampliem a capacidade de análise e a visão dos estudantes, possibilitando que atuem na gestão de forma crítica e com visão de longo prazo, serão insumos necessários. Metodologias de ensino-aprendizagem que desmantelem a formatação escolar anterior, focada na prática da “resposta certa” e única, serão exigidas e fundamentais para a formação desse gestor da complexidade.

Finalizando, espero que estas reflexões sejam úteis para o pensar a educação, provocando a multiplicação e geração de novas práticas em sala de aula. Práticas que privilegiem o “pense” em comparação com o “marque a resposta correta”.

Referências

CALVINO, Italo. Seis Propostas para o Próximo Milênio: Lições Americanas. Trad.: Ivo Cardoso. São Paulo: Companhia das letras, 1990

LEVITT, T. Miopia em marketing. Harvard Business Review – jul/ago/1960. Disponível em <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1714857/mod_resource/content/2/03% 20Levit_1960_miopia%20em%20marketing.pdf>. Acesso em 01 Mar. 2020.

ORACLE. O que é inteligência artificial? Disponível em <https://www. oracle.com/br/artificial-intelligence/what-is-artificial-intelligence.html> Acesso em 01 Mar. 2020.

 


[i] *Professor. Doutor em Educação pela Universidade de Sorocaba. Mestre em Gestão da Inovação. Estudante de Pedagogia (Claretiano) e Alfabetização (Instituto Paulo Freire).

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