Magia - Contos de Simão Mago Capitulo I
CAPITULO I
Quem Sou Eu?
Sou conhecido na comunidade esotérica como Simão Mago e é com essa identidade que vou revelar aos “trouxas” como conheci a magia. Trouxas é como J.K Rowling, a criadora de Harry Potter se refere aos amentibus (não iniciados).
Sou um filho de uma família de sete irmãos e sete irmãs. Nasci em 1972 aos 29 dias do mês 05. Aos sete anos, acidentalmente fui apresentado aos mistérios da magia.
Era um menino franzino, magérrimo. Costelas aparecendo, joelhos nodosos, braços finos, cabeça grande, argúcia descomunal... E a curiosidade de um menino. A casa era grande, porém módica para acomodar sete irmãos e sete irmãs, o pai e a mãe. Havia quartos com uma ou duas camas grandes onde dormiam dois ou três meninos e outros em que dormiam em cada cama duas ou três meninas. À mesa do jantar podiam sentar-se até dez pessoas e as crianças mais novas não se sentavam à mesa. Os serviços domésticos sob a responsabilidade da mãe que os revezava com as filhas. A comida frugal embora suficiente nem sempre fosse apetitosa. Os serviços da fazenda eram atribuídos aos meninos, sob o comando intransigente do pai, que consistiam em arar, enxadar, sulcar, semear e colher dos mais diversos tipos de plantação, grãos e sementes, hortaliças e frutas; Além de animais de lactação, ovos e carnes. A rotina era por vezes extenuante. Demasiado pesada para um menino fisicamente fraco. As roupas eram costuradas a maquina pela mãe em moldes lineares que não se ajustavam aos contornos do corpo. Pareciam ter sido feitas para o homem de lata, do Mágico de Oz. E eram feitas em série com a mesma fazenda para meninos e meninas, de modo que eu recebi uma camisa com a mesma estampa do vestido de minha irmãzinha. Uma estampa floral de violetas em uma camisa reta abotoada na frente e com um pequeno bolso no lado esquerdo do peito tal qual o estereotipo de um turista americano. E minha irmãzinha um vestido reto, com alças largas nos ombros, elástico no peito pregas na saia e zíper nas costas. Ela, linda como um anjo. Eu um palhaço.
Aos domingos íamos à missa. Era um cortejo próprio, por assim dizer. O pai desnorteado perguntando para a mãe onde estava o seu chapéu de feltro. A mãe aturdida verificando se as meninas estavam penteadas e os meninos de sapatos limpos e calças abotoadas. Calças e sapatos pretos, camisa branca, chapéu de feltro, o hinário em um folhetim de papel jornal intitulado “O Domingo“ em mãos e revestido de autoridade de pai, bradava: Vamos que a missa já vai começar e o ministro não pode esperar!
A missa era um evento singular que misturava a angústia vergonhosa da humilhação, a que eu era submetido pelos meninos mais velhos que motejavam dos trajes “feitos a mão” e os calçados por vezes remendados e costurados “a mão “com linha de pesca e o frenesi sacrilíaco evocado pelos cânticos e aleluias.
O Pai era baixo tenor no coral e invocava anjos e santos lindamente e fazia a leitura dos salmos. Sentado com as crianças no altar eu era arrebatado pela devoção católica e meu santo herói era São Miguel Arcanjo. E oque fez São Miguel? Expulsou o demônio do paraíso. Eu queria ser São Miguel e merecer o favor do altíssimo e privar da glória fulgurante e resplandecente de beatitude e onipotência de Deus. O ministro havia falado em São Gerônimo, o doutor da igreja, que decifrou as línguas pagãs e por inspiração divina nos deu a Vulgata latina. A palavra de Deus materializada em latim. A Bíblia sagrada. Eu queria ser São Gerônimo para granjear a admiração dos fiéis da igreja de Roma, por todo o mundo civilizado. O Ministro falara de Martin Luther, o demônio alemão que deturpara e profanara a sagrada Bíblia em proveito próprio para desmoralizar a igreja de Roma para casar-se com uma virgem de dezesseis anos e viver em pecado e desfrutar da gula e da ganância pela ambição e perversidade, seus maiores pecados. Doutor Lutero dividiu a igreja, dizia o ministro. Somente mais tarde, na faculdade vim a conhecer o iluminado de Deus, o pai dos poetas Dante Alighieri. E que havia um lugar no inferno para os glutões, para os gananciosos e para os invejosos. Eu não queria mais ser São Miguel. Eu não queria mais ser São Gerônimo, pela fama e pela glória e pela imortalidade de seus feitos. Eu queria ser Dante para punir os ímpios e colocar os maus em seus devidos lugares no inferno.
O arrebatamento só era interrompido pela menina levada e impudica que sentava ao meu lado e fazia questão de se recostar em meu ombro e desavergonhadamente me abraçar. Era uma tez alvíssima, de lindos cabelos louros cacheados e ímpetos imoderados que me faziam corar.
A escola, esse sim era o ambiente em que me sentia bem. A professora me dera um livro: “Rosinha, Minha canoa”. A estória de um jatobá, que de semente se tornou árvore, de arvore se tornou uma canoa para um indiozinho, em sua melhor fase da vida e depois terminou como coxo servindo de alimentador para os animais. Esse foi o meu primeiro livro. Aos sete anos, fluente em leitura, minha querida professora, que dava conta de quatro séries em uma única sala, separados apenas em fileiras, se virava como podia ministrando conteúdos diferentes para cada série e procurando manter a atenção de todos. Para minha satisfação pessoal a professora me recrutou como monitor de leitura. E eu ajudava aos deficitários da mesma série e até mesmo das séries superiores, oque me enchia de orgulho e satisfação. O terror era o recreio cuja brincadeira predominante era o abominável futebol. As pernas esqueléticas, os pés calejados e os calçados depauperados não favoreciam o esporte. A pressão dos outros meninos para que eu participasse do jogo era constante e constrangedora ao ponto de eu preferir ficar em sala para evitar o assédio.
Oque me levava a introspecção e ao estudo, ao invés dos folguedos da meninice. Exceto pela companhia de alguma menina, que curiosa, pretendia saber oque tanto eu lia. Ou então algum menino que por estar machucado era impedido da brincadeira.
As brincadeiras eram as mais criativas. A espada, um sarrafo de madeira lisa e pontiaguda, com uma guarda em cruz como uma espada Templária. Duas talas de madeira engrossavam o cabo e uma tampinha de garrava afixada com uma cruz desenhada a prego conferia ao brinquedo um ar medieval. O cavalo era uma ossada do crânio seco de uma mula, que por muitos anos servira á família no serviço pesado do campo, encravado em um cabo de vassoura. Na outra ponta duas rodas feitas de tampas de latas de tinta tendo como eixo um prego. Tiras de couro eram os arreios e plástico colorido nas cavidades oculares da caveira tornavam a montaria ainda mais ameaçadora. Uma capa feita de uma saca de feijão,cobria os ombros e arrastava pelo chão. Um capacete feito de uma cabaça cortada cuidadosamente e polida com esmero, um furo no topo, amarrados a um nó por dentro pendiam para fora um punhado de fios de barbante. Eu era São Miguel e lutava com o demônio. Eu era Hercules e lutava para provar meu valor e expiar minhas fraquezas humanas, provar ser herói e tornar-me um deus. Eu era Aquiles e lutava porque havia nascido para lutar. Eu era Ulisses, porque era inteligente, perspicaz, destemido, patriota e nada podia me deter. Nem mesmo os deuses! Eu podia ser quem eu quisesse.
Já conhecia a magia e não tinha consciência disso. Possuía poderes ilimitados, podia assumir diversas formas. Podia viver aventuras mágicas e extraordinárias. Nada estava além do alcance da mente. Pois o universo é mental. Tudo que existe, existiu ou existirá é um produto da mente. Foi pensado, foi sonhado ou imaginado por uma mente Criativa.
Basta sobre mim, Simão Mago menino! A consciência de minha identidade esotérica sopesada pela existência terrena de meu antecessor: Simão mago, rival de Cristo, estigmatizada pela igreja com a pecha do pecado, condenado por Dante ao lugar reservado no inferno para aqueles que podem Mentalizar, Criar e ser quem eles quiserem. Simonia é o pecado daqueles que ousam ser a imagem e semelhança de Deus.
Marcos Antonio Staub