07/03/2017

LIMITES DA ESCOLA

Dênio Mágno da Cunha*

              

               A alegria e a irreverência popular frequentaram, junto com a violência e os comportamentos antissociais, as páginas dos jornais, revistas (digitais ou impressas), sites de notícias, redes sociais, televisões e rádios de todo o Brasil. Era Carnaval. O país inteiro, desde os que apreciam até os que não apreciam a festa momesca, pulou ou parou durante este grande feriado. Em alguns lugares o período se estendeu por quase todo o mês de fevereiro, avançando sobre março. O ano, como dizem, começou a partir daí.

               O povo em evolução, ainda não alcançou o patamar de civilidade a ponto de transformar essa comemoração em um momento de pura pacificação social, de celebração à vida. No entanto, já foram menores – ou a mídia preferiu omitir? – as ocorrências policiais, os acidentes nas estradas. Mesmo que o número de vítimas tenha sido maior, há um alento no ar. Passamos, sobrevivemos. Agora é iniciar um novo período.

               Antes de isso acontecer quero me deter em alguns fatos e propor uma reflexão sobre as atribuições da educação escolar e os seus limites. Assunto recorrente, pois é possível ouvir expressões a demonstrar certa expectativa de mudança nos comportamentos sociais, a partir da escola.

               Primeiro é bom deixar claro que a escola tem um papel social importante. Segundo que este papel é limitado. Escrevo para não deixar dúvidas sobre haver uma confusão intencional, daquelas a favorecer a imputação de culpa, sobre comportamentos condenáveis praticados por indivíduos nestes momentos de festas, não somente.

               O primeiro destes comportamentos é a prática medieval de fazer as necessidades fisiológicas nos locais públicos – muros, portais, postes, árvores. O segundo, o assédio sexual de homens a mulheres, seguido às vezes de agressão diante de uma recusa enfática. O terceiro é o incômodo sonoro de toda ordem ao silêncio do cidadão em seu sono reparador. E finalmente, a título de exemplo, a imprudência de motoristas que ainda teimam em dirigir alcoolizados, mesmo sabendo dos altos riscos em que incorrem e nas penalidades consequentes.

               Volta e meia ouço que todos estes padrões de comportamento são responsabilidade da escola. A primeira coisa que dizem é “não deve ter frequentado a escola”, seguido de “não teve educação”. Este último resultado de uma grande confusão: educação do comportamento social cabe à família, fundamentalmente, e à escola básica, quando o indivíduo é desprovido da educação familiar.

               Posto isso, podemos dizer que em todas as situações descritas faltou educação, mas não a escolar. Portanto não procede imputar à escola essa culpa. O que na verdade seria uma grande injustiça com o indivíduo, ao retirar dele a sua capacidade de discernimento, de juízo e de decisão, transferindo a outro sua responsabilidade. O indivíduo que faz suas necessidades fisiológicas em público está pressionado por esta necessidade ou porque o poder público não forneceu equipamentos em número suficientes ou em mal estado de conservação e higiene, a princípio. Não é porque não tem educação ou não sabe que é inadequado fazê-lo. O indivíduo que assedia sexualmente outro é um animal como outro qualquer. O erro está em não perceber o limite e não exercer sobre seu comportamento o limite adequado. Ao não reconhecer o “não” do assediado, transgrede uma lei social básica, mas não é por falta de educação e sim por falta de caráter. Mais uma vez responsabilidade familiar. Da mesma forma quem não respeita o silêncio alheio é porque não recebeu orientações paternas sobre seus limites como cidadão; não foi educado na mais básica lição de convivência social que diz terminar o seu direito no momento em que outro direito é atingido. E finalmente, o motorista que dirige alcoolizado é um ser destituído do respeito básico à vida de seus semelhantes: educação que deveria ter vindo também da família, reforçada pela educação religiosa caso a tenha tido. Acrescida de uma ausência de temor à Lei, caso que se repete cada vez mais numa sociedade mediada por pesos legais diferenciados.

               Alguns dos leitores poderão então perguntar: qual seria o papel da escola se não é este de formar o cidadão em seus aspectos comportamentais quando em convívio social? A estes respondo que a melhor forma de compreender este papel é retirando dele todas as cracas impostas ao longo do tempo. Assim ao retirá-las, ficará exposto o papel fundamental da escola.

               Do ponto de vista do comportamento social - temas abordados aqui – surgirá a aprendizagem dos deveres e direitos fundamentais do cidadão e seu inúmeros papéis na sociedade – profissional, agente político, representante classista etc – e outros que podem reforçar aqueles oriundos da família. Portanto professores, não aceitem quando lhe impuserem o papel de reformador de mentes perturbadas ou consertador de caráter duvidoso. Retire de seus ombros o peso do mundo e concentre-se naquilo que de fato é a sua função: contribuir para a construção de uma sociedade plena de prosperidade.

                             

* Dênio Mágno da Cunha, Doutor em Educação pela Universidade de Sorocaba, professor em Carta Consulta e Una.

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