Por Maria Helena Malta, para a revista Plurale | A frase rebelde que serve de título, retirada de um cartaz da última manifestação de estudantes parisienses contra o corte de vagas para professores nos liceus da França, está sublinhada em vermelho, num recorte colocado sobre a mesa de trabalho de Ana Lagoa, jornalista, educadora e especialista em gestão do conhecimento, em seu pequeno apartamento de Ipanema, no Rio, que funciona como refúgio e oficina de criação. “Os franceses têm razão. Eu tenho repetido muito isso”, diz ela.
Em meio ao emaranhado de livros, papéis, flores, aparelhos de vídeo e áudio, e até marionetes que bailam ao vento suave, ela se dedica a inúmeros projetos, inclusive à edição da revista da ONG Planeta.com e ao novíssimo Núcleo de Estudos em Comunicação e Educação (Nece), que acaba de fundar com um grupo de educadores e jornalistas, e onde se pretende utilizar a linguagem e os formatos do jornalismo como mediadores na educação.
“Não há como pensar em progresso cultural, sustentabilidade ou consciência ecológica, se não há educação, se alguns educadores não têm a percepção do uso do audiovisual e se não conseguem formar cidadãos com a devida visão crítica a respeito do que lêem no jornal e na internet, ou assistem na TV”, desabafa Ana, diante de índices e posturas que, decididamente, não enchem de orgulho o Brasil deste século XXI.
Para a especialista, o jornalista tem a obrigação de “levantar cortinas para desobstruir a visão do público”, algo que a própria Ana começou a perseguir desde que colaborou com o primeiro jornal de sua vida __ o pequeno Opinião, rodado em estêncil __ ainda no tempo do colégio, quando era uma das melhores alunas de redação. Ela queria tornar-se correspondente de guerra e sonhava com uma vida de aventuras e emoções.
Mas a paulista Ana Lagôa, carioca por adoção há 35 anos, não foi à guerra. Ainda assim, enfrentou pesadas aventuras e emoções pelo Brasil afora, desde o primeiro emprego no Rio de Janeiro, na Última Hora, quando passou uma semana ao lado de um motorista de ônibus, colecionando tocantes histórias de vítimas de atropelamento. Logo depois, saiu em busca de explicação para as muitas capelas abandonadas da cidade e hoje afirma que pouca coisa mudou.
“Não há preservação de monumentos históricos. As boas iniciativas nesse sentido estão vindo, em geral, do setor privado. E não se valoriza isso”, lamenta a jornalista, que optou pelo bacharelado em História aos 17 anos, com o objetivo de “conseguir entender o mundo”.
Hoje, além dos 37 anos de jornalismo __ em redações como as da Folha de São Paulo, Editora Abril, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal de Brasília, Isto É e Jornal do Brasil __, Ana leva na bagagem o tal curso de História, um mestrado em Educação e uma especialização em Gestão da Inteligência Empresarial. Mas isso não impede que ela ainda se espante com o mundo e, principalmente, com o país: “Não é possível que o Brasil continue usando de forma tão incompetente a tecnologia mais avançada. Além disso, não podemos nos resignar a assistir a programas de TV de quinta categoria, sobretudo nos canais abertos, e nisso não vai nenhuma acusação a esta ou aquela emissora. A Globo, por exemplo, faz coisas muito boas, como as reportagens sobre Educação do Jornal Nacional e a minissérie Queridos amigos, que infelizmente entrava no ar muito tarde…”
Nesta entrevista para Plurale, recorda o alívio com que trocou a cobertura de política militar pelas editorias de educação e lembra, com carinho, sua passagem pela revista Nova Escola, da Editora Abril __ que era comprada pelo MEC e distribuída às escolas públicas de todo o país, até o contrato ser suspenso na gestão de Fernando Collor. Além disso, esmiúça o que lhe parece a única chance de mudar o país: priorizar a educação, com o uso adequado das modernas tecnologias. Ana só faz uma ressalva: Morro de medo de campanhas monopolizantes, como esta recente, prevendo que o governo estabeleceria o que vai ser exibido e em que proporções. A última coisa que eu quero é o Estado me dizendo o que eu devo assistir ou não na televisão. “O Estado tem é que oferecer educação de qualidade, para que as pessoas tenham senso crítico e possam se valer com eficácia do seu poder de escolha”.
Qual é a função principal do Núcleo de Estudos em Comunicação e Educação (Nece)?
Temos um leque de desafios. Em consultorias para escolas e empresas, por exemplo, a idéia geral é mostrar a empresários, funcionários, professores, pais e alunos, que é fundamental ter uma visão crítica daquilo que é publicado na mídia. Como interpretar, comprar, trabalhar em cima desse imenso emaranhado de informações que recebemos hoje? Que tipo de mídias desenvolver dentro da empresa, para a formação de seus funcionários, não apenas no sentido da competência e eficiência, mas também no quesito cidadania? No momento, o Nece está fazendo a coordenação pedagógica do curso de roteiros digitais para novas mídias da ONG Planeta.com, que é parceira do Oi Futuro na criação da nova escola de ensino médio integrado da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. A dobradinha comunicação-educação também entra neste projeto pedagógico, exatamente como já ocorre __ graças à mesma parceria instituto/ONG __ na Escola de Ensino Médio Cícero Dias, no Recife, em Pernambuco.
Você acha que o país perdeu muito tempo nessa área?
Sim, pelo menos duas décadas. Ainda em 1980, na Conferência Nacional de Educação, uma professora veio me dizer: “Eu estou perdendo meus alunos porque não tenho condições de concorrer com a Xuxa”. Se não fosse assim e se a gente tivesse percebido que este seria o século visual, hoje teríamos um aliado. Mas a verdade é que, em pleno século XXI, há professores que ainda resistem à TV ou ao computador, ou não têm sequer condições financeiras de adquirir um. Resistem ao uso da tela __ isto é, à imagem em movimento __, que deveria ser a grande companheira de trabalho no dia-a-dia. Eu diria que a escola, no Brasil, perdeu algo em torno de 20 anos por absoluta falta de visão dos dirigentes em vários níveis e pela falta de lisura de alguns.
Parece que os investimentos foram localizados…
Os estados do Rio, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, além de algumas prefeituras, até se esforçaram, a partir dos anos 80, na criação de núcleos de tecnologia. E recentemente o país recomeçou a fazer alguma coisa em termos de inclusão digital. Mas ainda é muito pouco e há graves queixas de falta de capacitação para o uso das máquinas. Basta dizer que em muitos cursos de formação docente, por exemplo, nem se menciona a mídia visual ou o uso dos meios audiovisuais em sala de aula. E não é apenas um problema brasileir em Portugal, a disciplina existia, mas foi abolida neste início de ano.
Enquanto isso, em outros países, peca-se por excesso.
Sem dúvida. Devo frisar que não estou defendendo o exagero do Japão, onde o inferno dos estudantes foi muito bem apresentado num programa do GNT e em várias publicações. Quando o sistema é rígido a ponto de tentar adestrar os bebês; quando as crianças desistem, se escondem no quarto ou até mesmo tentam o suicídio, alguma coisa está muito errada. Não há idéia de progresso, desenvolvimento, competitividade ou excelência que justifique processos de tortura, massificação, estímulo à delação e à violência ou humilhação pública. Devemos dizer sim à tecnologia, mas não à tortura.
No Brasil, apesar do atraso, todo mundo fala em computador, todo mundo quer ser técnico de computador. Não é contraditório?
É. Este é o paradox num mundo em que tudo passa pelos meios de comunicação, o técnico é quem fica com os louros. Mas é compreensível: todos querem ter o seu computador e, nesse contexto, o jovem de menor poder aquisitivo deseja ser um técnico, para obter trabalho na área. Ele sabe que precisa correr atrás da sobrevivência no mercado de trabalho.
Qual é a proposta específica do Nece para a escola?
Nossa proposta é colocar os jovens em contato com a produção midiática. A escola é importantíssima porque é onde se forma a cidadania. Você pode, por exemplo, trabalhar a relação imprensa/escola com um projeto de incentivo à leitura ou com a montagem de um banco de dados, a partir de recortes de jornais e revistas. Crianças e jovens adoram fazer isso. E acabam aprendendo a classificar a pesquisa e a separar o joio do trigo. Se você desce do Google uma informação, você pode cruzar os dados e checar cada elemento. Portanto, é preciso aprender a usar a tecnologia: o simples acesso não resulta em conhecimento. Eles precisam entender como pesquisar, selecionar e transformar os dados em conhecimento. A proposta do Nece, portanto, é desenvolver trabalhos de consultoria e assessoria no campo da Educação/Comunicação.
Em resumo, os alunos precisam aprender a pensar.
Exato. O jornalismo de hoje envolve problemas que ameaçam sua credibilidade, pois está exposto a grupos de interesse, plantadores de informação ou simplesmente ao eventual descuido com a apuração da notícia, sua edição e redação. Portanto, é preciso ensinar a crianças e jovens, de maneira simples, como separar o joio do trigo. Você pode começar perguntand qual é a palavra-chave deste texto? E, daí em diante, você vai descobrir se a Wikipedia é confiável, como se deve lidar com o Google, como é possível selecionar livros etc. Nossa intenção pode ser resumida no seguinte: utilizamos as formas de produção do jornalismo a serviço da educação. Se um aluno fosse ao Jardim Zoológico e, na volta, fizesse pelo menos um relatório ou uma matéria, já seria uma experiência bem mais enriquecedora do que ficar sentado na sala, assistindo a uma aula burocrática…
E como fazer isso, na prática?
Este é o ponto fundamental: ensinar a pensar. As oficinas de mídia tanto podem ser feitas com os alunos, como podem ser dirigidas aos professores, como ocorre com o curso Por Dentro dos Meios, do Planeta.Com, que acaba de lançar sua versão para o ensino médio. No caso do repórter, se é uma pessoa de boa formação, ele sabe que deve ir justamente àqueles lugares aonde ninguém vai, para abrir as cortinas que estão obstruindo a visão. Tenho trabalhado com recém-formados e um dos grandes problemas tem sido a linguagem da comunicação. Não só a gramática e a ortografia, mas até a dificuldade de contar uma história de forma que todos entendam. Além disso, incorporam à escrita termos rebuscados, barrocos, sem saber ao certo que tipo de conceitos estão manipulando. Nas oficinas aprendemos a escrever aprendendo a pensar, porque acreditamos que não pode haver bons jornalistas nem bons educadores, nem bons profissionais de qualquer área, que não sejam bons pensadores e bons contadores de histórias. Tendo a comunicação como centro do processo, fazemos com que essas habilidades migrem para educadores e alunos. Assim, ao dominarem os processos de produção e aperfeiçoarem a leitura e a escrita, eles vão construir uma visão crítica da realidade mais apurada, mais cidadã.
Você costuma dizer que a televisão é um importante meio de educação e formação. Mas há críticos ferrenhos. Recentemente, por exemplo, andou circulando pela internet uma mensagem agressiva __ e até meio jurássica __ contra a TV em geral. Isso ainda faz sentido?
Claro que não. O texto que circulou realmente demonizava a televisão de uma forma maniqueísta, e focava somente na Globo, como se fazia nos anos 70. Falava de consumo, como se o problema se limitasse à telinha. E, no entanto, é preciso perceber que a questão do consumo é a própria lógica da sociedade atual e não se restringe à TV: a televisão é só um dos meios de venda. Estão todos imersos na lógica do consumo, do rico ao pobre, e este consumo está depredando o planeta e as relações humanas. Mas, se todos pararem de consumir, qual o modelo que vai fazer a roda girar? Precisa ser inventado… Além do mais, se a pessoa se der ao trabalho de ver todos os canais abertos, vai concluir que a Globo tem a melhor programação. Os outros canais exibem coisas de que até Deus duvida e em todos os horários: no geral, é um circo de horrores, onde se faz a apologia do sexo irresponsável, das drogas e da marginalidade. Até mesmo quando a produção é moralista…
E de quem é a culpa?
A verdade é que a péssima qualidade do conteúdo é fruto da má formação e da falta de ética dos profissionais que lá estão. O conteúdo não é imposto pelos anunciantes. É uma opção das pessoas que estão lá fazendo os programas, que se baseiam numa lógica duvidosa das pesquisas de audiência. Todas as pesquisas que conheço, da faixa mais rica à mais pobre da população brasileira, mostram que há um clamor por melhor qualidade.
Por que isso não muda?
É bastante complexo. O Eugenio Bucci, no seu livro Sobre ética e imprensa, lembra que algumas empresas jornalísticas vivem dizendo que jornal popularesco, sensacionalista, vende mais. Esses jornais custam centavos, então é claro que vendem mais. Apelam para a desgraça, que é um elemento que toca a psicologia humana. E o Bucci se refere justamente a esse paradox o jornalismo pressupõe um compromisso social e precisa, ao mesmo tempo, sobreviver. O que não significa que alguns produtores da mídia devam fazer o que fazem. Nós temos um poder imens usá-lo para o bem ou para o mal está em nossas mãos. Eu não acredito que pessoas habituadas ao BBB não possam se acostumar __ e ficar até mais felizes __ com Queridos amigos.
Tirando as pesquisas de audiência, há pesquisas sobre a qualidade do conteúdo?
Sim, há pesquisas que mostram iss todos, a despeito de origem social ou conta bancária, reclamam uma TV menos apelativa, com informação mais útil e maior compromisso com a qualidade. Nos espetáculos com ingressos acessíveis do Theatro Municipal do Rio, a fila é enorme e depois eles fazem outra fila para cumprimentar os artistas. O desafio, então, é ter coragem para mudar. Precisamos enfrentar essa tensão dos produtores de TV, que se situa entre o fascínio e o medo da mudança. É a mesma tensão que se verifica em relação ao computador. A informação circulante na rede mundial dobra a cada período de 90 dias. Basta este dado para percebermos o quanto será importante educar para o bom uso deste meio.
Voltando à TV: o que se salva?
Ah, muita coisa: o problema é saber escolher e usufruir. Muitos que têm TV por assinatura não sabem fazer isso. Outro dia, por exemplo, vi o documentário Retirada das Malvinas: estupendo. Mas foi no History Channel, que não tem muita divulgação. Também acompanhei recentemente a série Por que democracia?, uma das melhores produções que já vi sobre política. E tenho assistido às sessões do Cine Conhecimento Argentina, com filmes maravilhosos. Mas ambos estão no canal Futura __ que não chega totalmente às populações mais pobres e para o qual uma certa intelectualidade torce o nariz. Enfim, eu poderia fazer uma lista imensa de coisas boas. E também é preciso lembrar que as pessoas se informam é pela TV. Só uma minoria se informa primeiro pelo jornal impresso ou pelas revistas semanais.
E a televisão pública? Você é a favor?
As TVs públicas __ que não têm a pressão da audiência e dos anunciantes __ em geral só exibem chatices, com gente falando coisas que não interessam a ninguém. Pagam produções audiovisuais com o nosso dinheiro, mas exibem programas de rádio… Com as honrosas exceções de sempre, claro, como é o caso da TV Cultura. Morro de medo de campanhas monopolizantes, como essa mais recente, prevendo que o governo estabeleceria o que vai ser exibido e em que proporções. É uma faca de dois gumes: tanto pode incentivar a produção nacional, quanto nos tornar reféns dos modelos tipo “programa de rádio na TV” (faz o sinal de aspas com as mãos). A última coisa que eu quero na vida é o Estado me dizendo o que eu devo assistir ou não. O Estado tem é que oferecer educação de qualidade. Esta é a base para qualquer outra coisa que se possa vislumbrar.
A passagem pela revista Nova Escola deve ter sido marcante para as escolhas posteriores…
Com certeza. Fui uma das editoras daquele projeto, que chegava mensalmente a uma tiragem de 350 mil exemplares, comprados pelo MEC e distribuídos pelas escolas do ensino público fundamental, em todo o país. Foi lá que eu descobri que a linguagem do jornalismo era uma excelente mediadora do universo da pedagogia para o universo da sala de aula. Este mérito a Abril sempre teve: traduzir as coisas técnicas, científicas, sem perder a seriedade e o conteúdo, e ser bem compreendida. Pena que o contrato tenha sido cortado pelo Fernando Collor. Eu me lembro de uma vez, foi em outubro de 91, em que eu fiz o que seria a matéria mais pungente da minha vida: gravidez de adolescentes. Conseguimos fazer um trabalho de profundidade: a revista foi longe e acabou descobrindo o que estava encoberto, desmontando estereótipos sobre o tema, ouvindo meninas e meninos das 22 cidades onde tínhamos correspondentes.
Como foi isso?
A idéia era fazer uma matéria que servisse de instrumento ao professor que lidava com as meninas que engravidavam. O mais alarmante é que, já naquela época, a maioria das grávidas acabava abandonando a escola. E o preconceito era grande __ tinha até o caso de pai e mãe de aluno que procuravam a professora para cobrar: “Eu soube que tem uma grávida na turma. É um mau exemplo para a minha filha. Vocês não vão fazer nada?” E, ainda por cima, as autoridades responsáveis diziam que as meninas deixavam a escola porque não tinham informação e ficavam com vergonha das colegas. Era mentira: descobrimos que elas não eram tão idiotas assim. Por meio de um trabalho lento, que envolveu inclusive uma pesquisa detalhada, chegamos à conclusão de que elas não faziam mais do que buscar o melhor lugar possível dentro de sua realidade. Havia o sonho de liberdade, poder sair etc, havia a história de repetir o modelo da própria mãe e a visão de que a única possibilidade de se tornar uma pessoa notável era ficar grávida do sujeito mais bacana ou mais popular do pedaço __ o que, às vezes, envolvia um bandido, da mesma forma que hoje pode envolver um chefe local do tráfico de drogas. E isso por quê? Porque 65% das grávidas adolescentes no país vinham da faixa mais carente da população… E o problema continua: hoje, uma em cada 10 mulheres que dão à luz no Brasil tem menos de 20 anos.
E aquele trabalho sobre a preservação dos monumentos históricos?
Foi no tempo da Última Hora. E foi chocante, tal era a quantidade de capelas abandonadas no Rio de Janeiro. A imprensa teve papel imenso na recuperação, por exemplo, das estruturas de Ellis Island, que havia sido a porta de entrada dos imigrantes nos Estados Unidos na passagem do século XIX para o XX. Foi fruto de uma campanha… Entre nós, é complicad parece que já nos acomodamos ao fato de haver poucos recursos públicos e pouca consciência das pessoas a respeito da necessidade de uma política conseqüente nessa área. Não há preservação de monumentos históricos. As boas iniciativas nesse sentido estão vindo, em geral, do setor privado. E não se valoriza isso. Aliás, não há nem consciência do espaço público ou respeito pelo ambiente que nos cerca, e isso independentemente de classe social. Basta olhar em volta e ver o pobre jogando garrafas de plástico na subida do morro, enquanto o rico, sem nenhuma cerimônia, atira latinhas de refrigerante pela janela do carro ou do apartamento…
Você nunca mais saiu da educação?
Não, nunca mais me desliguei dessa área. Depois de percorrer as coberturas escabrosas __ incluindo assassinatos em série, execuções, chacinas, enchentes etc __ e de ter sido setorista de política militar na época da ditadura, fiquei muito sensível a esse lado pesado do trabalho do repórter e, assim que tive autonomia, procurei sair. Era uma fonte de profunda infelicidade pessoal lidar com os excluídos daquela forma. Eu não via, na época, nenhum sentido social. E aí tomei consciência da utilidade do jornalismo como ferramenta para educar e até para combater o caráter excludente do nosso sistema educacional, que envolve repetência, evasão, preconceito, abandono, desânimo e baixa auto-estima, sem falar em professores que odeiam seus alunos ou selam o destino de uma criança ao não se esforçar para resgatá-la.
E como foi esta virada?
Depois que abri mão da cobertura política, fui assessora de imprensa do Ibase, na época da fundação; depois fui para São Paulo, onde tive a oportunidade de trabalhar na revista Nova Escola. De volta ao Rio, estive na Fundação Roberto Marinho, onde trabalhei com avaliação de roteiros sob o ponto de vista dos conceitos da educação, participando de reuniões de pauta e definição de projetos editoriais; editei o caderno de Educação e Trabalho no velho JB; passei pelo portal Klick Educação, dirigido a professores e alunos, e também pela MultiRio, empresa de multimeios da rede municipal de educação.
Aliás, os bons cadernos de educação desapareceram da maioria dos jornais…
Pois é. A imprensa teve inúmeros cadernos sobre o assunto no passado, principalmente entre os anos 60 e 80. Outro dia, o Alberto Dines lembrou o Perseu Abramo, um mestre do jornalismo brasileiro, que chefiou a editoria de Educação da Folha de S. Paulo nos anos mais combativos do regime militar, marcando época com denúncias e análises críticas à política educacional brasileira. Antes dele, a mesma Folha fez um suplemente histórico, um balanço dos problemas de educação no país, a cargo do Washington Novaes. E houve milhares de outros: no JB (lembro do Jornal Mural do Brasil e do Jornal do Professor), no Correio da Manhã, no Diário de Notícias, mais recentemente em O Dia etc. Hoje, infelizmente, isso é muito raro. Há apenas algumas revistas a serem citadas: a Nós da Escola, feita pela MultiRio; Educação, da Editora Segmento; Escola e Família, da Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio, e a Presença Pedagógica, da Editora Dimensão, de Minas.
Mas nenhuma delas é da chamada grande imprensa.
Justamente. E, por isso, o alcance é limitado. No caso das produções ligadas a órgãos de governo, há outro problema: correm o risco de extinção a cada vez que o governo muda de mãos. A situação, no geral, é muito triste. E, no entanto, a educação é o único caminho para o país sair do atraso. É como dizem os estudantes franceses: “A educação é cara? Tentem a ignorância”. Porque a educação é o centro de tudo, é a fábrica da democracia, como dizia o Anísio Teixeira.
* Entrevista foi publicada na Edição número 6 de Plurale em revista. (Envolverde/Revista Plurale) |