Infância: Crianças trabalham como garimpeiros
Por Ousseini Issa
Niamey, 05/09/2005 – Aos 15 anos, Abdou Adamou passa seus dias em um poço com profundidade entre 50 e 80 metros em Komabangou, uma mina de ouro 175 quilômetros a sudoeste da capital do Níger. Seu trabalho consiste em quebrar rochas e levá-las à superfície. Estima-se que mais de cem crianças de 10 a 16 anos trabalham em Komabangou. Esta região rica em minerais vive uma febre do ouro desde 2001 e atrai famílias inteiras. “A cada manhã eles descem para o poço às 8 horas, levando água e comida necessárias para as próximas 18 horas. No começo foi terrível, mas uma vez que se acostuma, se torna rotina”, contou Adamou à IPS.
“Deixei a escola quando meus pais decidiram deixar nossa aldeia para procurar ouro em Komabangou. E como não tinham com quem me deixar, me trouxeram com eles”. Disse Adamou. “Se tivesse encontrado alguém que cuidasse do meu filho, nunca o teria trazido. Deixaria que ele continuasse os estudos”, disse à IPS o pai de Adamou. “Na aldeia é duro para todos. As pessoas não querem cuidar dos filhos dos outros. Os alunos das escolas rurais sofrem o problema da custódia, principalmente se a escola não pode lhes dar alimentação. Inclusive em escolas secundárias, quando o estudante não recebe uma subvenção do governo é difícil encontrar uma família que o mantenha. E isso explica porque abandonam a escola”, disse Hrouna Sadou, uma socióloga de Niamey.
Segundo o código de mineração do Níger, de 1993, 18 anos é a idade mínima para trabalhar nas minas e nos canteiros. Mas nenhum inspetor foi designado para locais de mineração de ouro. Apenas ocasionalmente chega uma equipe para fazer uma inspeção de surpresa, disse Ibrahim Balla Souley, coordenador nacional para o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC-Níger), com sede em Niamey. O IPEC, que se estabeleceu nesse país em 2002, é dirigido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O grupo procura acabar com o trabalho infantil no mundo. “Para trabalhar em uma mina, não é necessário documento atestando sua idade. E o governo nada faz no momento de recrutar trabalhadores. É basicamente o setor informal que opera aqui”, explicou à IPS Daouda Kabani, secretário-geral da Associação de Buscadores de Ouro de Komabangou. Segundo ele, nem mineiros nem os pais jamais foram punidos por promoverem o trabalho infantil.
Mais de 15 mil pessoas de várias nacionalidades da África ocidental vivem na mina de Komabangou. A concessão foi abandonada por uma empresa estrangeira em 2001 diante dos baixos lucros com sua exploração. “As pessoas de Benin, Burkina Faso, Gana, Mali e Togo trabalham junto como os nigerianos. Chegam para procurar ou comercializar ouro”, segundo Kabani. “Esta é a realidade. As crianças constituem uma força de trabalho. Atuam em vários postos. Alguns ajudam a quebrar as rochas, outros trabalham na extração, outros no transporte de água para misturar à areia obtida da quebra das rochas”, disse Kabani. Um grama de ouro deixa entre US$ 10 e US$ 12 para o mineiro, acrescentou.
Segundo Kabani, alguns garimpeiros de ouro pagam cerca de US$ 20 por mês às crianças que emprega, contra US$ 30 pagos a outras pessoas. Em troca dão comida e alojamento para os que chegam sem os pais. Os adultos que fazem trabalho semelhante ganham o dobro porque são mais produtivos. O salário mínimo de um trabalhador do governo no Níger é de aproximadamente US$ 50 por mês. Mahamadou Aboubacar, de 13 anos, fornece água na zona de busca de ouro, onde vive com sua mãe há três anos. “Comecei a trabalhar depois que meu pai morreu, para ajudar minha mãe. Cada dia encho uns três barris de 200 litros com água, que transporto no carro de meu empregador, que está a um quilômetro de distância”, contou à IPS. Aboubacar ganha US$ 13 por dia.
“Desde a morte do meu marido meu único apoio aqui é meu filho. É ele o único que trabalha, me alimenta e me veste”, disse às IPS Mamata Gado, mãe de Aboubacar. “Os país também empurram os filhos para virem trabalhar aqui”, afirmou Souley. “Os menores estão expostos a todo tipo de riscos, como envenenamento pelo pó e a possibilidade de acidentes nos túneis”, acrescentou. Também há doenças ligadas à atividade física, como lumbago e ferimentos com martelos e morteiros com os quais as crianças destroem as pedras.
Bako Bagassi, médico do Programa Nacional contra Enfermidades Sexualmente Transmissíveis e HIV/aids em Niamey disse que freqüentemente as crianças estão expostas e contraem várias infecções. “Muitos iniciam sua atividade sexual bem cedo. Em Komabangou, mais de 50% das trabalhadoras sexuais estão infectadas com o HIV (vírus da deficiência imunológica humana, causador da aids)”, disse Bagassi, se referindo a uma pesquisa de 2003 feita por um grupo de saúde. Para combater a pandemia, a filial em Níger da World Vision (Visão Mundial), uma organização não-governamental internacional, realiza campanhas de informação e treinamento desde 2004.
“Treinamos cerca de cem trabalhadores comunitários para realizarem campanhas em Komabangou e aldeias próximas. Também criamos um centro de diagnóstico de HIV/aids”, disse á IPS Abdoulaye Soumana, da World Vision. O IPEC-Níger também estabeleceu uma escola primária em Komabangou em 2002 e capacita meninos e meninas em atividades que gerem renda, como vender água e usar carros como meio de transporte. “Construímos a primeira escola primária em uma área de mineração e hoje temos cerca de 140 alunos”, contou Souley, feliz porque alguns pais preferiram matricular seus filhos e mandá-los para a escola.
“O Níger assinou várias convenções internacionais para proteção e promoção infantil, incluindo a Convenção sobre Direitos da Criança”, disse Zakari Hamadou, do Ministério de Serviço Pública e Trabalho em Niamey. Além disso, as leis trabalhistas deste país proíbem o trabalho infantil. “Estas crianças atuam em um ambiente informal que complica o trabalho dos inspetores do trabalho. Por isso temos que nos concentrar mais nas campanhas de informação”, recomendou Souley, destacando a pobreza como a principal causa do trabalho infantil. Sessenta e três por cento da população do Níger vive abaixo da linha de pobreza, segundo o Informe Mundial sobre Desenvolvimento Humanos 2004 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (IPS/Envolverde)