01/12/2025

Inclusão, Diversidade e Disputa de Sentidos na Educação Brasileira: Entre Avanços, Retrocessos e a Luta pelo Direito à Aprendizagem

Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar e Especialista em Gestão Pública.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

 

O debate sobre a Educação Especial na perspectiva inclusiva no Brasil tornou-se um dos temas mais relevantes e controversos das últimas décadas. A partir de 2008, com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, o país passou a assumir oficialmente um compromisso com a escolarização de estudantes com deficiência preferencialmente na rede regular de ensino, em consonância com os princípios defendidos pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006). Entretanto, a recente revisão dessa política pelo Ministério da Educação reacendeu tensões históricas, revelando uma disputa ideológica profunda entre modelos antagônicos de compreensão da deficiência e de organização do sistema educacional. Para diversos especialistas e organizações sociais, a nova proposta sinaliza um retorno ao paradigma segregador, contrariando a perspectiva social da deficiência e os avanços alcançados nas últimas décadas, conforme discutem Mantoan (2015) e Beyer (2013).

A polêmica não se restringe ao texto da política em revisão, ela revela um conflito estrutural que atravessa diferentes documentos normativos, como o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Durante a elaboração da BNCC, houve intensa disputa política em torno da retirada de trechos que tratavam da educação inclusiva de forma mais detalhada e comprometida com os direitos educacionais das pessoas com deficiência. Autores como Aranha (2017) e Saviani (2016) alertam que omissões desse tipo descaracterizam o próprio conceito de educação como direito humano e comprometem a construção de um currículo que promova equidade. Além disso, a inclusão da expressão “diferenciação curricular” no documento é criticada por pesquisadores por representar um risco de legitimar práticas discriminatórias, esvaziando a compreensão de acessibilidade pedagógica como adaptação que garante igualdade de oportunidades, e não como oferta de currículos paralelos.

No âmbito do PNE, as disputas também foram intensas. A possibilidade de matrícula de estudantes com deficiência em escolas especiais, mesmo sem obrigatoriedade de inclusão na rede regular, manteve um modelo dual que, conforme apontam Glat e Pletsch (2012), contraria diretamente os compromissos internacionais firmados pelo Brasil. A manutenção dessa alternativa explicitou a resistência de setores que defendem a separação entre alunos com e sem deficiência, ainda que tal prática esteja em desacordo com a concepção contemporânea de inclusão educacional, baseada no enfrentamento das barreiras atitudinais, arquitetônicas e pedagógicas.

A complexidade do cenário evidencia que o avanço da inclusão no país depende não apenas de leis, mas da coerência entre elas e de sua efetiva implementação. A legislação educacional brasileira, composta pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), pela LDBEN (Lei 9.394/1996), pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, pela BNCC, por portarias e resoluções, forma um mosaico normativo que tanto pode fortalecer quanto enfraquecer as práticas inclusivas, dependendo da forma como é interpretado e operacionalizado. A Lei 9.131/95, ao atribuir ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a função de normatização e emissão de pareceres, reforça a importância de que esses documentos sejam construídos com base em evidências científicas e no diálogo com a sociedade civil.

Nesse contexto, a BNCC ocupa papel central ao estabelecer os direitos de aprendizagem para todos os estudantes, independentemente de suas condições pessoais. Suas competências gerais valorizam a diversidade e a formação integral, enquanto seus campos de experiência, ou seja, como “Eu, o outro e nós”, “Traços, sons, cores e formas” e “Escuta, fala, pensamento e imaginação” reforçam a importância do desenvolvimento cognitivo, emocional e social, fundamentando a prática pedagógica inclusiva. Já no Ensino Médio, os Itinerários Formativos ampliam a personalização da aprendizagem, estruturando-se a partir de quatro eixos a saber: investigação científica; mediação e intervenção sociocultural; processos criativos; e empreendedorismo. Tais elementos, conforme defendem Libâneo (2018) e Silva (2020), representam oportunidades para a construção de percursos formativos mais flexíveis, democráticos e sensíveis à diversidade.

Contudo, a mera existência desses dispositivos não garante inclusão. É necessário assegurar acessibilidade pedagógica, formação continuada dos professores e investimento consistente em políticas públicas que sustentem práticas transformadoras no ambiente escolar. A inclusão exige reorganização curricular, metodologias ativas e trabalho colaborativo, como defendem Freire (1996) e Pletsch (2017), que compreendem a educação como processo dialógico e emancipatório. Quando o sistema educacional falha em garantir essas condições, perpetua desigualdades e limita o direito à aprendizagem de milhares de estudantes.

Assim, a controvérsia atual sobre as políticas inclusivas revela um cenário de disputa entre concepções pedagógicas divergentes, ou sejam: de um lado, a perspectiva inclusiva, fundamentada na equidade e nos direitos humanos; de outro, práticas que reafirmam a separação e reforçam a exclusão institucional. O futuro da educação brasileira dependerá da capacidade de dialogar, enfrentar preconceitos históricos e assegurar que cada estudante tenha acesso pleno ao currículo, à participação e ao desenvolvimento integral. Em síntese, garantir a implementação efetiva da BNCC e das políticas inclusivas significa não apenas combater desigualdades, mas promover justiça social e fortalecer o projeto democrático de educação, preparando os estudantes para os desafios do século XXI.

Referências

Aranha, M. S. (2017). Educação Inclusiva: construindo sistemas educacionais para todos.

Beyer, H. (2013). Inclusão escolar: desafios e possibilidades.

Freire, P. (1996). Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra.

Glat, R.; Pletsch, M. D. (2012). Educação inclusiva: construção de um processo de inclusão escolar.

Libâneo, J. C. (2018). Didática. Cortez.

Mantoan, M. T. E. (2015). Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?

Pletsch, M. D. (2017). Práticas inclusivas e formação docente.

Saviani, D. (2016). Sistema Nacional de Educação.

Silva, T. T. (2020). Documentos de identidade: currículo e identidade cultural.

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