15/08/2018

Imaginário, Saúde e Arteterapia

Ana Iara Silva de Deus

RESUMO

 Este trabalho tem como objetivo abordar o imaginário social, a saúde e a arteterapia como promotores de equilíbrio físico, psíquico e espiritual. Para o referencial teórico foram utilizados Cornelius Castoriadis, Gilbert Durand, Jung, Nise da Silveira, entre outros. O ensaio apresenta o conceito de imaginário e imaginário social a partir do século XX, bem como define os processos arteterapêuticos e seus benefícios para a saúde, trazendo uma contextualização histórica da arteterapia e a utilização dos recursos da arte, no contexto psiquiátrico como forma de implementação de uma nova proposta de trabalho. Portanto, este ensaio visa, pelo viés do imaginário, da saúde e arteterapia refletir sobre espaços de interlocução entre criação e imaginação, como dispositivos, para conhecermos os imaginários presentes em cada sujeito.

Palavras-chaves: Imaginário, Saúde, Arteterapia.

REFERENCIAL TEÓRICO

A teoria do imaginário até o século XX era tida como sinônimo de fantasia, ilusão e irracionalidade. Muitas vezes, considerada como fuga, oposição ao real, outras como uma capacidade de criação restrita à poesia e as artes em geral. Desse modo, o termo imaginário foi usado indiscriminadamente nas mais diversas áreas do saber, sem esclarecer com precisão o significado deste termo.    

Um dos autores que investigou profundamente a teoria do imaginário foi Gilbert Durand na sua obra intitulada “Estruturas Antropólogas do Imaginário”, não só conceituando-as, mas compreendendo a dinâmica criadora e organizadora da imaginação humana, estabelecendo assim, uma arquetipologia geral do imaginário.

O imaginário definido por Durand (1997) pode ser conceituado como o conjunto das imagens e relações de imagens que constituem o capital pensando do homo sapiens, sendo o denominador fundamental onde encontram-se todas as criações do pensamento humano.

Outra pensador do imaginário é Cornelius Castoriadis, o qual definiu em sua obra “A instituição imaginária da sociedade” (2000) o Imaginário Social. Esse autor define o imaginário social como:

[...] criação incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de “alguma coisa”. Aquilo que denominamos “realidade” e “racionalidade” são seus produtos (CASTORIADIS, 2000, p. 13).

Dessa maneira, o imaginário está longe de ser pura imaginação, porque as representações existentes em qualquer grupo social se fazem reais nas mais diversas formas simbólicas de significações imaginárias. Assim, o imaginário social se reproduz nas ações cotidianas e estão em movimento, sempre modificando a realidade.  

Para Santos & Alemida (2012) o imaginário se expressa por processos simbólicos. A interrelação convergente homóloga, isomorfa dos símbolos produz, em suas combinações possíveis uma rede figurativa, uma constelação de imagens que possibilita a formulação, interpretação e compreensão dos sentidos. Sendo assim, o sentido não está colado ao símbolo, mas é produzido por processos simbólicos, por meio de recorrências e convergências que perfazem um universo simbólico.

Neste contexto, Durand (2000, p. 56) corrobora:

Há duas formas de representação do mundo: uma direta, na qual a própria coisa parece estar presente na mente; e outra indireta, quando por qualquer razão, o objeto não pode se apresentar à sensibilidade ”em carne e osso”. Ressalvando que a diferença entre pensamento direto e indireto não é nítida, porque a imagem, o objeto ausente re(a)apresentado a consciência, se refere a diferentes graus de representação, que vai da adequação total, a presença perceptiva, até a inadequação, mais acentuada, signo eternamente privado do significado, ou seja, o símbolo.   

Diante do exposto, o significado na imaginação simbólica, não pode ser apreendido pelo pensamento direto, pois se dá no processo simbólico, o que faz com que o símbolo dependa da recorrência, ou seja, da repetição para que ultrapasse sua inadequação por meio de aproximações acumuladas. Dessa maneira, o símbolo define-se, portanto, como signo que remete a um indizível e invisível significado, vindo encarnar a adequação pelo jogo das redundâncias míticas, rituais, iconográficas, que corrigem e completam a inadequação.

Nesta perspectiva, diante das ideias dos autores referenciados fundamenta-se este ensaio sobre Imaginário, Saúde e Arteterapia, pois como nos afirma Paul Klee (1996) "A arte não reproduz o visível, mas torna visível”. Essa colocação salienta, que a arte proporciona o desvelar das coisas. Nesta visão, a arte não representa o mundo, mas o apresenta, sendo o artista o elo entre o ser interior e o mundo que o envolve. Igualmente Pain (1996, p. 43) assegura-nos:

Mais que representar alguma coisa, a obra criativa representa seu autor, uma época, uma cultura. A representação própria às artes plásticas é uma tentativa de tornar visível uma forma, de chamar um olhar, dar a ver, de realizar um objeto que transparece que é a imagem do outro.

Assim, pelo viés do imaginário, da saúde, e arteterapia é possível possibilitar um espaço de interlocução entre a criação e o mundo interno dos sujeitos, ou seja, com o fazer artístico tornamos visível o invisível e o indivisível, ou seja, os conteúdos guardados internamente.

Desta maneira, com as atividades expressivas, seja na pintura, teatro, escultura, ou outro mecanismo artístico, o sujeito se vê tal como é, muitas vezes sofrendo o choque necessário que este enfrentamento provoca rumo a sua individualização, sua autenticidade, suas verdades.

É neste jogo mágico e fascinante que o inconsciente manifesta-se de forma construtiva, configurando-se em distintas características de acordo com o material escolhido. Transformando-se em padrões regeneradores da nossa psique.

Para Urrutigaray (2008), as técnicas utilizadas em arteterapia permitem a individualização, porque media uma conexão entre o sentido da imagem produzida, com as sensações provindas do uso dos deferentes suportes, bem como a descoberta das emoções sentidas no momento de apresentar o trabalho concluído.

Por isto, a utilização do imaginário e arteterapia como forma de intervenção no campo da saúde mental, como promotora da reabilitação psicossocial é fator preponderante, pois cada técnica apresentada ao sujeito nas sessões de arteterapia o coloca em um tipo de problema tanto em nível de representação quando subjetivamente. Desta forma, pode-se superar encontrando um padrão de equilíbrio e sanidade mental.

Assim, a arteterapia no contexto da saúde mental, propicia maneiras de contato diferenciado da pessoa consigo mesma e com o outro, por meio da experimentação de materiais expressivos e pela mediação do profissional. Desta maneira, desmistifica-se a ideia de que para produzir arte é necessário ter um determinado “dom”, ou seja, ter nascido artista.

Felizmente com o advento da arteterapia é possível distanciar-se deste tabu, pois todos têm está capacidade inata de expressão, a experiência criativa de desenhar, pintar e modelar é ancestral. Como exemplo, tem-se o homem das cavernas que exprimia seus desejos e fantasias em desenhos rupestres. Além do mais, ao propor trabalhos de arteterapia não se detêm em um determinado padrão estético, ou estereotipado, muito pelo contrário, pois o que realmente importa é proporcionar mecanismos de sanidade a todos os que buscam uma saída para suas dores físicas, psicossomáticas e seus conflitos existenciais.

 Tommassi (2005) nos diz que: gizes e pincéis são naturalmente instrumentos para a construção de um outro lugar mágico e fantástico no qual as vivências possam ser elaboradas e transmutadas. Infelizmente, pouco desses hábitos predominantes da infância permanecem como atividade constante nas fases posteriores do desenvolvimento humano. Se permanecesse acredita-se que o mal do século, a depressão, e outras doenças teriam dados menos alarmantes.

No entanto, com a arteterapia essas atividades artísticas ganham espaço terapêutico em propostas ricas que auxiliam no bem estar físico e emocional de qualquer pessoa, independentemente de suas condições físicas ou mentais. Essa conquista foi lapidada ainda no século passado, seguindo outras inovações que aconteciam na cultura, na arte e na educação. Foram dessas mobilizações que surgiu, em meados do século passado, a arteterapia. Como pioneiros desta prática terapêutica de utilização dos recursos da arte no contexto psiquiátrico temos Osório César em São Paulo e Nise da Silveira no Rio de Janeiro. Foi assim, que em meados da década de 20 e 40 do século passado, esses dois médicos se permitiram atravessar os territórios da psiquiatria tradicional a fim de implantarem uma nova proposta de trabalho e promoverem aquilo que se poderia chamar de revolução no próprio campo de batalha.

Então, em São Paulo, a história do Juquery compreende o esforço de dissolver em um cenário nebuloso a reconstrução da psiquiatria em novas bases, que se pautou em retirar o paciente da condição de objeto para lhe restituir a dimensão humana perdida. Com estas mudanças, foi possível revisar os procedimentos de segregação e perda de cidadania dos pacientes internados.

Para Osório César, as funções da Escola Livre de Artes Plásticas era atingir três finalidades: arteterapia, pesquisa (acompanhamento e análise dos trabalhos) e artesanato. Também o reconhecimento das possibilidades do ser humano e do seu processo criador.

Em contrapartida, na cidade do Rio de Janeiro em 1946, Nise da Silveira que trabalhava no Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro, não aceitou os tratamentos vigentes e implantou a terapêutica ocupacional. Na época, a terapia ocupacional era um método subalterno, destinado a distrair os pacientes ou contribuir na economia hospitalar. Nise da Silveira tinha uma preocupação científica para fundamentar teoricamente essa prática, transformando a terapêutica ocupacional em campo de pesquisa.

Este trabalho inovador para a época revelou que a pintura não só proporcionava esclarecimentos para a compreensão do processo psicótico, mas, constituía verdadeiro agente terapêutico de recuperação e reintegração da pessoa na comunidade.  E então, da seção de Terapêutica Ocupacional nasceu o Museu de Imagens do Inconsciente, inaugurado em 20 de maio de 1952.

Nise da Silveira pautava-se na concepção jungiana para sustentar suas pesquisas e compreender os processos artísticos dos pacientes, pois Jung, afirma-nos que o produto artístico é a expressão mais autêntica do Self, ou seja, é aquele princípio que integra e equilibra todos os aspectos do nosso inconsciente.

Para Jung (1964) a mente explora um símbolo para conduzir ideias que estão fora do alcance da razão. Assim, por existirem inúmeras coisas fora da compreensão, frequentemente utiliza-se imagens simbólicas como representação de conceitos que não pode-se definir ou compreender integralmente.

Nesse mecanismo, a arte se converte em um elemento facilitador ao acesso do universo imaginário e simbólico, permitindo o desenvolvimento das potencialidades latentes e o reconhecimento íntimo, por meio do exercício de criação. Assim, abre caminhos e estratégias para o aprimoramento, o reencontro do corpo, mente e espírito. Está reconfiguração possibilita novas formas de significação, isto é proporciona saúde mental.

È o que Ormezzano (2011) afirma, a Arteterapia surgiu como uma alternativa de promover a recuperação da saúde ao integrar as três áreas de conhecimento arte-educação- saúde, possibilitando uma ampla transformação das pessoas e dos grupos, pois o sujeito se vê em formas, cores, tridimensionalidade e os meandros da subjetividade são transformados em beleza ou assombro, ampliando a percepção e consciência estética.

Portanto, finaliza-se o ensaio com as palavras de Paul Klee, o qual enfatizava a importância das pessoas olharem para suas pinturas e sentirem algo especial no fundo de sua alma, algo que nunca tivessem sentido antes ao observar as pinturas comuns. Por isso, suas obras passam vibrações de energias e movimentos através do espaço, possibilitando perceber um mundo microscópio desconhecido.

Nas palavras de Castoriadis, nada pode ser caos, porque antes do mesmo, existe algo que preenche lacunas, direciona, impulsiona determinado conjunto social à existência, nunca plenamente aleatório, pois este conceito sempre é idealizado na sociedade onde sua aplicação é permitida. Assim, o imaginário e a arteterapia permite pensar, fazer, falar, imaginar, criar e recriar. E esse mecanismo cura, é promotor de saúde mental, porque potencializa o equilíbrio, a sanidade, restaurando a integridade psíquica, física e espiritual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS

CASTORIADIS, Cornelius. A instituição Imaginária da Sociedade. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

DURAND, Gilbert. Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1997.      

FERREIRA-SANTOS, Marcos; ALMEIDA, Rogério de. Aproximações ao imaginário: bússola de investigação poética. São Paulo: Képos, 2012.

JUNG, Carl. G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.

ORMEZZANO, Graciela. Educar com Arteterapia: proposta e desafios. Rio de Janeiro: Wak, 2001.

PAIN, Sara. Teoria e técnica da arte-terapia: a compreensão do sujeito. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

TOMMASI, Sonia Maria Bufarath. Arte-terapia e loucura: uma viagem simbólica com pacientes psiquiátricos. São Paulo: Vetor, 2005.

VENEZIA, MIKE. Paul Klee. São Paulo: Moderna. 1996.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro: Mak, 2008.

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